Logo que cheguei, mandaram-me para o Vale do Meão acompanhar a vinificação do que iria ser o Barca Velha 1985. Não podia imaginar melhor estreia. Fernando Nicolau de Almeida foi um verdadeiro mestre e uma pessoa com enorme sentido de humor. Adorava o seu Barca Velha e ensinou-me muito, principalmente depois de eu ter ultrapassado a “idade do armário” com mania que sabia mais que o “pai”. Na verdade ele é que tinha razão quando recusava certas exuberâncias nos vinhos, que nós ingenuamente aplaudíamos, e que ele dizia que não passarem de fogos de vista.
A aquisição da Ferreirinha pela Sogrape em 1987 fez com que de repente trabalhasse na maior empresa de vinhos portuguesa, e mais tarde ter sido responsável pelos seus Vinhos Verdes e do Dão. Foi um período riquíssimo, repleto de novas experiências, e onde trabalhei até à reforma sempre com grande entusiasmo e prazer.
Cheguei à região dos Vinhos Verdes em 1990 e passei a ser responsável pelos Gazela, Quinta de Azevedo e Morgadio da Torre. A primeira coisa que fiz foi tentar compreender os vinhos e o espírito da região. A predominância quase absoluta do vinho branco só começou a implantar-se a partir dos anos 60 do século passado, pelas mãos do engenheiro Amândio Galhano. Amândio Galhano também contribuiu para “fixar” o tipo de vinho branco a produzir, que se pode definir como um vinho de grau relativamente baixo, açúcar residual, acidez elevada e a típica “agulha” originada pela fermentação maloláctica na garrafa.
Quando cheguei ao Dão, em 1987, o prestígio e o reconhecimento da região estava talvez nos seus níveis mais baixos. A verdade é que temos que ter a noção do que foi a história da região pelo menos a partir da crise da filoxera em finais do século XIX, altura em que, como assinalava Joaquim António de Aguiar, o encepamento do Dão era constituído por cerca de 90% por Touriga Nacional
Com o ataque devastador da filoxera passou-se a utilizar um enxerto de vinha americana, imune ao inseto, onde depois se enxertava a casta europeia. O pior foi que, no caso do Dão, o porta-enxerto americano utilizado induziu uma quebra acentuada da produção, fato que levou à gradual substituição da Touriga Nacional por outras castas, que se revelavam mais produtivas com o dito porta-enxerto, começando aí a degradação do património vitícola.
Temos que também ter em atenção a situação política que o país atravessou durante 40 anos, com o Estado Novo, e que teve implicações profundas na estrutura de produção vitícola do País. Em termos simples Salazar definiu para Portugal regiões especializadas para determinadas produções: o Alentejo era o celeiro da Nação, o Douro era para produzir Vinho do Porto, e o Dão era para produzir vinho de mesa.
No seguimento desta política seguiram-se regras de protecionismo ao setor Corporativo, tendo sido instalado nos finais dos anos 50 uma rede de Adegas Cooperativas destinadas a vinificar as uvas da região. Esta solução veio a tem implicações muito grandes na qualidade do vinho. Ao longo do tempo, e pelo fato das uvas serem pagas ao cooperante pelo seu peso e quantidade de álcool, a degradação do encepamento do Dão foi-se agravando, sendo as castas de qualidade gradualmente substituídas por castas produtivas.