Fugas - Vinhos

Fernando Veludo/nFactos

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Senhor do Vinho: Depois dos Verdes e do Dão, Manuel Vieira promete “andar por aí”

Depois do 25 de Abril deixou de haver estas restrições à produção. O embate do Dão com esta nova realidade foi muito desfavorável. Os vinhos eram duros e difíceis. Lembro-me que, nos finais dos anos 80, o nosso Grão Vasco, a exemplo de outros vinhos da região do mesmo nível, ia para o mercado com cerca de seis anos de estágio, tempo mínimo e necessário para o vinho amansar!

Urgia por isso tentar inverter a situação, e foi com a intenção de contribuir para essa missão que a Sogrape, nos finais dos anos 80 decidiu ir para a região, plantar vinhas com castas nobres e de qualidade e construir uma adega em novos moldes. Foi essa a minha missão a partir daí e que me deu imenso prazer e satisfação profissional.

A abordagem às castas Encruzado e Touriga Nacional foi considerada prioritária, depois de uma extraordinária prova no Centro de Estudos de Nelas aos vinhos aí produzidos e guardados pelo Eng. Cardoso Vilhena. O Encruzado foi para mim um desafio particularmente motivante. Na altura tudo estava por fazer. Foi assim que comecei a utilizar as técnicas borgonhesas para a vinificação de brancos, que acreditei que seriam apropriadas para o Encruzado, e não me enganei. Hoje em dia a fermentação e estágio em barricas de carvalho desta casta é utilizada um pouco por todo o lado, e os vinhos assim obtidos demonstram um perfil de grande nobreza e de enorme capacidade de estágio em garrafa.

Das castas tintas usadas em Carvalhais, para além da casta rainha Touriga Nacional, realço o Jaen, o Alfrocheiro e a Tinta Roriz. A Touriga é naturalmente a casta aí mais representada, e constituiu sempre a base dos lotes dos vinhos reserva. Mas nunca dispensei para a estruturação do lote uma percentagem variável de Roriz, para reforçar a componente tânica do vinho e contrariar um pouco um certo fausto da Touriga Nacional, e o Alfrocheiro para fazer a ligação das duas castas. Se o lote fosse um edifício a Touriga era os tijolos, a Roriz a armação metálica e o Alfrocheiro o cimento!

O Jaen é um caso à parte! Durante muitos anos não o compreendi, principalmente na vigência da ditadura Parker, quando vinho que se prezasse tinha que ter enorme cor e estrutura. Não era o caso do Jaen, casta precoce, de cor moderada, estrutura média e taninos suaves. Foi com ela que experimentei e fazer o meu primeiro Dão Novo, com assinalável sucesso, e que era lançado para o mercado em Novembro, dois meses depois da vindima. Infelizmente o mercado ainda não estava preparado para esse tipo de vinho, e em Inglaterra os distribuidores boicotavam as vendas do nosso Dão Novo enquanto o Beaujolais Nouveau não fosse lançado!

Mais tarde percebi que o Jaen dá origem a vinho monovarietal de enorme personalidade. É um vinho para ser bebido a temperaturas mais baixas que o habitual, e pode mesmo ser apelidado de tinto de Verão.

Hoje em dia, e depois das melhorias introduzidas quer na viticultura quer nas técnicas de vinificação e estágio por um conjunto cada vez maiores de produtores empenhados e conhecedores, os vinhos do Dão são reconhecidos pela sua “elegância, frescura, complexidade, vocação gastronómica e enorme longevidade”.

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