A primeira profissão que eu quis era ser arquitecto, mas o fato de ter a consciência que não tinha jeito nenhum para desenho fez-me desistir desse intento, sendo substituído logo de seguida pela ambição de ser inventor. Por isso, acabado o liceu com alguma dificuldade nas matemáticas ingressei no Técnico, para cursar engenharia mecânica que me daria acesso à minha tendência para engenhocas. Mas o vastíssimo e intimidante átrio de entrada no Instituto Superior Técnico acabrunhou-me de tal maneira que, passado um ano, mudei para a Faculdade de Ciências, de dimensão muito mais humana.
Com estas trocas e baldrocas o tempo foi passando e certo dia sou acordado em frenesim pela minha mãe, brandindo uma carta do Exército a convocar-me para a tropa. Num ápice, saí debaixo da sua asa acolhedora e vi-me em Mafra no curso de Oficiais Milicianos. Durante os três anos de tropa, dois dos quais passados no Norte de Angola em combate, tive mais que tempo para pensar no rumo que iria dar à vida uma vez acabada aquela missão.
Oficialmente ainda era aluno da Faculdade de Ciências, mas as longas noites africanas, regadas com o whisky de boas marcas que o Exército punha à disposição dos oficiais, fez-me pensar se não seria mais avisado mudar de curso, ir para Agronomia e assumir a profissão do meu pai, Manuel Vieira, que era enólogo em várias casas e professor de Enologia no Instituto Superior de Agronomia. Ele repetiu-me bastas vezes para eu não ir para Agronomia, porque era uma profissão de tesos. Mas fui, e não estou nada arrependido.
Quando acabei o curso estagiei no Instituto do Vinho do Porto, no princípio dos anos oitenta. Não descobri a pólvora, mas deu para começar a perceber o que era trabalhar com outros.
Até à altura, o meu contato com a enologia prática limitava-se a acompanhar o meu pai, quando ele me convidada para ir com ele às casas onde dava assistência enológica. Assim desde muito novo tive contato com vinhos tão diferentes como um Monte Serves, das Caves Camillo Alves, provavelmente o primeiro vinho que provei na vida. Também as idas com a família à Quinta do Barão, em Carcavelos, onde o pai acompanhava o vinho aí produzido, contribuíram muito para reforçar o meu encantamento pela magia das vinhas e das adegas
Mas as visitas que contribuíram mais para a minha futura educação enológica foram ao Alentejo, onde fui frequentes vezes servir de motorista ao meu pai, rumo à Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes, em Reguengos de Monsaraz. Na altura, o Tinto Velho do José Sousa Rosado Fernandes era, a par do Barca Velha, um dos vinhos mais considerados em Portugal, e era fantástico ver o meu pai a lotear vinhos de diferentes vindimas para atingir o patamar de qualidade que pretendia.
O meu primeiro trabalho a sério foi no Centro de Estudos Vitivinícolas da Régua, onde fui encarregue de acompanhar em 1984 o projeto financiado pelo Banco Mundial de replantação de 2.000 hectares de mortórios, e que muito contribuiu para a modernização das vinhas do Douro. Depois surgiu o convite da Ferreirinha, através do José Maria Soares Franco para ir trabalhar para lá. Proposta irrecusável, dado o prestígio da casa e das pessoas que lá trabalhavam. E depois havia o Barca Velha e Fernando Nicolau de Almeida.