Se são poucos os que verdadeiramente se interessam pelos magníficos vinhos da Madeira, os que os provam, bebem e compram regularmente, são menos ainda os que realmente os compreendem e que conseguem ver para além de uma ou outra generalidade sem relevância maior.
Convenhamos, os vinhos da Madeira não são fáceis, não são imediatos e não têm aquela atracção instantânea que muitos outros vinhos generosos possuem. A acidez derrotante que os caracteriza e enriquece passa por ser um gosto adquirido, um paladar que é forçoso educar e que obriga a um esforço inicial por parte de quem os bebe. São vinhos de nicho, de excepção, e é nessa condição que eles se encontram e que muito provavelmente sempre se encontrarão. Nem poderia ser de outra forma, tendo em conta a produção tão limitada, fruto de um espaço físico tão limitado e de uma orografia tão alterosa que condiciona a área de vinha. A juntar a estas limitações naturais, há que atender que a produção se encontra dividida por um conjunto de produtores muito restrito, apesar da chegada inovadora e sempre bem-vinda ao sector de um novo produtor, a Cooperativa Agrícola do Funchal.
Os vinhos da Madeira são vinhos de culto, vinhos simultaneamente intelectuais e emocionais, intemporais mas brutais na aproximação, simultaneamente delicados e poderosos. São vinhos repletos de contradições e sobressaltos, de tensões e soltura, desdobrando-se numa roda-viva de emoções que comovem os iniciados mas surpreendem os noviços. São poucos os que os compreendem numa primeira abordagem perante a solidez da acidez, a riqueza de sabores, a intensidade de espírito, a profundidade e complexidade de nariz e boca.
Depois, há que dizê-lo, as inúmeras subcategorias existentes não ajudam à compreensão imediata de um vinho que pode surgir de formas tão diversas, atordoando os sentidos de quem não conheça os meandros de tantas designações, estilos e subtilezas. Serão poucos os que perdem tempo a entender as nuances de linguagem que separam um Colheita de um Frasqueira, as diferenças ténues no papel que implicam vinhos completamente distintos no estilo e complexidade. Quantos conseguirão distinguir entre as categorias três, cinco, dez, quinze, vinte, trinta, quarenta ou mais de cinquenta anos, o que representam e qual o estilo pretendido para cada uma das divisões? Quantos conseguirão perceber e identificar o nome e o papel de cada casta nos diferentes estilos, o significado de nomes como Sercial, Verdelho, Terrantez, Bastardo, Boal, Malvasia ou Tinta Negra nos rótulos?
Mas, apesar de o Vinho da Madeira não representar um cometimento fácil para todos, a realidade é que aqueles que se dão ao trabalho de o tentar compreender acabam invariavelmente apaixonados. O Vinho da Madeira consegue rapidamente ser transformado quase numa obsessão, um entusiasmo que é capaz de persistir para o resto da vida. Nenhum outro vinho consegue reunir tantos argumentos para instigar e alimentar essa paixão, para sustentar um amor que cresce com o conhecimento, com a descoberta dos múltiplos meandros e labirintos do único vinho vivo capaz de resistir à história.