Durante muitos anos, quem passasse pela estrada nacional que segue na margem esquerda do Douro entre a Régua e o Pinhão olhava para a Quinta dos Frades com um sentimento misto de espanto e de mistério. De espanto porque, desde o seu palácio no topo de uma pequena colina quase em cima do rio até às belíssimas encostas plantadas com vinho, a quinta pode facilmente ser incluída na lista das mais belas propriedades do Douro; de mistério porque para lá da sua existência física, a quinta nunca foi o lugar de nascimento de uma marca ou de um vinho que fizesse justiça à sua grandiosidade e beleza. Esses tempos acabaram de vez. Não pelo lado do espanto. Mas pelo do mistério. Hoje, a Quinta dos Frades é berço de uma gama de tintos do Douro que vale a pena conhecer e apreciar.
Uma vinha pode ser valorizada por um sem número de critérios, mas talvez o que melhor atesta o seu potencial é o que dá origem a vinhos que se destacam pela sua autenticidade e identidade. Uma prova vertical dos vinhos que compõem a curta história da quinta é suficiente para se constatar que, para lá das variações associadas às características de cada ano, há um perfil, uma paleta de aromas e sabores e uma estrutura que garantem a singularidade da Quinta dos Frades.
A sua exposição está essencialmente voltada a poente, o que garante uma maior frescura aos seus vinhos, mas o desenho das colinas que ocupam 200 hectares (um latifúndio para a escala do Douro) proporcionam um puzzle de exposições diversificadas. A altitude varia pouco, mas o suficiente para poder abraçar os humores da temperatura duriense, mais quente nas zonas junto ao rio, mais fresca nas vinhas mais elevadas. Depois, para lá desta diversidade que se conjuga para formar um terroir único, há ainda a considerar o trunfo fundamental da Quinta dos Frades: o património vegetal das suas vinhas.
Hoje, há na propriedade uma área de vinha que ronda os 75 hectares, dos quais cerca de 40 são de vinhas velhas ou muito velhas — algumas com mais de 90 anos. Quando aceitou o desafio dos proprietários da quinta (os herdeiros do industrial Delfim Ferreira), o enólogo Anselmo Mendes dedicou-se a estudar o potencial desse recurso. “Conseguimos identificar 23 castas diferentes”, recorda.
Mas não foi essa diversidade o que mais o surpreendeu, até porque é certo e sabido que as vinhas velhas do Douro são quase sempre campos de ensaios ideais para se observar videiras de diferentes naturezas. O que mais o impressionou foi, sim, o predomínio de castas que em alguns casos caíram no esquecimento, na vertigem modernizadora que tomou o Douro de assalto nos últimos 25 ou 30 anos. “Há lá uma proporção muito grande de Tinta Amarela, um número considerável de pés de Tinta da Barca, de Alvarelhão, de Rufete, de Tinta Carvalha ou até um pouco de Mourisco”, diz o enólogo.
Claro que há também pés de Touriga Nacional ou de Touriga Franca, a dupla obrigatória do vinho do Porto e, principalmente a Nacional, a estrela da companhia dos modernos DOC Douro. Mas estão longe de dominar. O que não preocupou Anselmo Mendes, um enólogo que questiona a opção (ainda) dominante na indústria do vinho que tende a privilegiar o álcool elevado ou a cor — ele diz que “a enologia ficou escrava da maturação fenólica”.