No entanto, se tivéssemos que eleger um vinho para uma hipotética disputa com os melhores do mundo seria um Baga de 1985 comemorativo do Centenário da Estação Vitivinícola da Beira Litoral. Deste vinho, lançado em 1987 pela Estação Vitivinícola da Bairrada, foram cheias mil magnuns e uma delas foi aberta no mesmo encontro de Arcos, onde também sobressaíram um garrafeira de 1974 da Junta Nacional do Vinho e um Quinta da Dôna 2001, ambos excelentes.
Simão Póvoa, técnico da Estação e enólogo responsável pelos vinhos Bussaco, lembra-se bem desse Baga de 1985. “Foi lá muita gente encher garrafas e garrafões. Era um vinho que custava uns 16 escudos o litro”, recorda.
Há muitos vinhos velhos que impressionam sobretudo pela sua frescura e raça. Mas o Baga 1985 da Estação Vitivinícola é muito mais do que isso. É um vinho completo, imaculado, de uma complexidade, refinamento e harmonia assombrosas. Ao fim de 31 anos, parece estar no seu auge. Ainda vai durar muito tempo, mas dificilmente irá ficar melhor do que está. A sua limpeza aromática é inacreditável. Não há nada de velho ou de desviante a manchar as notas químicas e balsâmicas de evolução em garrafa. Na boca, é igualmente límpido e preciso, revelando uma profundidade e um comprimento espantosos. Os taninos são sedosamente impetuosos e a acidez é seivosa. Se há vinhos perfeitos, este é um deles.
Mas há um pequeno segredo por trás deste 1985. É um Baga, mas não 100% estreme. Segundo Simão Póvoa, também levou um pouco de uvas de Jaen, Alfrocheiro, Tinto Cão e de outras castas existentes na vinha da Estação Vitivinícola. Este contributo pode ter feito toda a diferença, mas não diminuiu o carácter bairradino do vinho. Na verdade, o Baga 1985 do Centenário da Estação é a Bairrada engarrafada. Pode ter levado uvas de castas com mais tradição noutras regiões, mas no aroma e no sabor, no vigor e na frescura, é um Bairrada autêntico. Autêntico e único. Um tinto antológico, capaz de, em prova cega, bater qualquer grande vinho do mundo.
O meu melhor Bairrada de sempre
Desafiámos quatro personalidades, todas ligadas à Bairrada, a eleger o melhor vinho velho desta região que já beberam e a explicar o que tinha de especial. Eis as respostas.
Dirk Niepoort
(Quinta de Baixo)
Dores Simões 1982
Perfeito. Depois de um grande Barolo e de um grande Borgonha, o melhor vinho de uma certa noite (fora o Porto). Expressivo, com uma cor linda, leve e fresca, aromático, vibrante, calcário puríssimo, equilibrado, fresco e longuíssimo. Fantástico.
Mário Nuno Sérgio
(Quinta das Bágeiras)
Caves São João 1961
O vinho que mais me marcou
foi o Caves São João 1961. Adorei também o 1966, o meu ano de nascimento. Marcou-me profundamente pela frescura, pela acidez, pela especiaria, pelas notas de caruma.
Na Baga, quando os vinhos são velhos, é comum surgir um toque de resina. No 1961 está tudo muito integrado. O vinho perdura na boca, é longo, fresco e elegante ao mesmo tempo.
Luís Pato
(vinhos Luís Pato)
Gonçalves Faria 1990 Tonel 5
A Baga no seu esplendor, sem madeira, apenas com os fumados que só o solo argilo-calcário dá. Um Baga da velhice das vinhas, da colheita, da natureza, do Faria a falar com as videiras. Biodinâmica na sua expressão mais pura. O homem a falar com a natureza terrena e etérea.