Fugas - Vinhos

  • Adriano Miranda
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    Dirk Niepoort, Quinta de Baixo Fernando Veludo/N Factos
  • Mário Nuno Sérgio, Quinta das Bágeiras
    Mário Nuno Sérgio, Quinta das Bágeiras
  • Luís Pato, vinhos Luís Pato
    Luís Pato, vinhos Luís Pato Nelson Garrido
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    Luís Lopes, director da Revista de Vinhos Paulo Pimenta

O melhor vinho do mundo podia ser um Baga de 1985

Por Pedro Garcias

A Bairrada é um verdadeiro paraíso para os amantes dos vinhos velhos tranquilos. Não há no país outra região com tantos tesouros guardados. Alguns, como o Baga 1985 do Centenário da Estação Vitivinícola da Beira Litoral, são mesmo de classe mundial.

Todos os anos, um grupo de jornalistas e outros amigos faz uma incursão a Trás-os-Montes para um devaneio gastronómico. Cada um tem que levar duas ou mais garrafas de grandes vinhos. É uma espécie de carnaval da mesa antes da abstinência pascal. A vida são dois dias e esta viagem dura três, quase sempre passados a comer e a beber. Coisa de bárbaros, claro. Bebe-se vinho de várias regiões e países e há mais ou menos uma constante em todas as refeições: acaba-se quase sempre com vinho velho da Bairrada e algumas garrafas de grandes vinhos do Alentejo ou do Douro ficam pela metade, sem clientes para o resto.

Basta termos dois vinhos diferentes para preferirmos um ao outro e, quando a opção se estende por dezenas de garrafas, a preferência da maioria recai sempre nos vinhos mais frescos e menos alcoólicos. E, goste-se ou não, os vinhos bairradinos, ou do Dão, são muito mais frescos e digestivos do que os do Douro ou do Alentejo - em contrapartida, estes são muito mais apelativos em novos. Colares também é um spot para os amantes dos vinhos velhos e o seu segredo reside na frescura que o Atlântico fornece e na robustez tânica do Ramisco, a principal casta tinta da região. Ora, acidez e taninos são dois elementos decisivos para a longevidade e o vigor de um vinho. E acidez e tanino é o que não falta no Dão (dados pelo Alfrocheiro e pela Roriz) e na Bairrada (pela Baga).

Há vinhos velhos destas duas regiões que se batem com o que de melhor se faz no mundo. Basta pensar em alguns brancos e tintos do Bussaco (feitos com uvas das duas zonas), nos lendários vinhos do Centro de Estudos de Nelas da década de 60 do século passado ou nas melhores colheitas dos tintos bairradinos Gonçalves Faria, Caves São João, Aliança, Quinta da Dôna, Quinta de Baixo, Casa de Saima, Quinta da Rigodeira, Sidónio de Sousa, Solar das Francesas, Valdarcos, Caves da Montanha, Caves Velhas, Caves do Barrocão, Cooperativa de Souselas, Cooperativa de Vilarinho do Bairro, Luís Pato e Quinta das Bágeiras, entre muitos outros.  Em jantar recente com grandes vinhos franceses, de Bordéus, Borgonha e Châteauneuf-du-pape, quem mais brilhou foi um Porta dos Cavaleiros 1966, do Dão, e um Caves São João 1978, da Bairrada.

Pela quantidade de grandes vinhos velhos que ainda é possível encontrar a bom preço, a Bairrada, mais do que o Dão, é um verdadeiro paraíso na terra para os enófilos. E o melhor está muitas vezes guardado em garrafas sem rótulo que vão sobrevivendo em garrafeiras particulares. Na Bairrada, era comum as famílias irem às caves e às cooperativas engarrafar vinho em novo para consumo particular que envelheciam depois em casa. Há inúmeros casos de vinhos extraordinários envelhecidos dessa forma. Recentemente, num encontro de final de vindima na aldeia de Arcos, em Anadia, foi aberta uma garrafa de um desses tintos, da colheita de 1933, e o vinho estava mais vivo, fresco e inteiro do que muitos Bairrada mais jovens e afamados. Um assombro. Só o Solar das Francesas 1963, também bebido há pouco tempo, provocou uma emoção semelhante. O vinho parece frágil, mas quando abre e estabiliza no copo deixa-nos sem palavras.

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