Primeiramente gostaria de agradecer ao Público por esta oportunidade de poder contar o meu percurso na enologia. Decerto, um percurso diferente, dadas as minhas raízes australianas e nacionalidade portuguesa que vim a adquirir
Julgo que tudo terá começado quando a minha família se mudou para o Barossa Valley quando ainda era adolescente. O Barossa Valley é provavelmente a região vinícola australiana mais reconhecida e portanto, quando terminei o ensino secundário, pareceu-me natural seguir o estudo de enologia.
É importante mencionar que naquele tempo, no início dos anos 70, a indústria vinícola australiana estava ainda a tomar forma, tendo estado até então muito voltada para os vinhos fortificados. Tirar o curso na Faculdade de Roseworthy, perto do Barossa Valley, era considerado um pouco arriscado e não oferecia qualquer garantia de empregabilidade. Mas atraiu-me por causa da combinação entre ciência e arte, por ter um lado académico e ao mesmo tempo prático, com muitas possibilidades criativas que a enologia no fundo oferece. Encontrando-se a indústria vinícola australiana ainda num estado algo embrionário, ao terminar o curso um dos meus objetivos era poder viajar para Europa e fazer vindimas em França e na Alemanha, para experienciar a cultura vinícola do “mundo velho”.
Após ter feito vindimas em Baden e Beaujolais vim até Portugal para conhecer o Vale do Douro e fazer praia na região de Lisboa. Refiro isto porque foi na praia da Caparica que conheci aquela que viria a tornar-se na minha mulher e que assim marcou o início da minha longa e feliz relação com Portugal.
Estávamos então no ano de 1979 e era demasiado cedo para que assentasse em Portugal. Assim, voltamos para a Austrália e iniciei funções como enólogo numa adega chamada Saltram, na zona do Barossa Valley. Saltram era uma adega icónica com grande histórico e os dois anos que por lá passei foram uma grande experiência para mim. Produzimos um pouco de tudo, desde Riesling a Semillon, as variedades mais comuns de brancos, mas também Chardonnay, proveniente de Hunter Valley, a cerca de 1000km de distância, com as uvas esmagadas localmente e o mosto transportado durante a noite em tanques refrigerados. Fazíamos bons fortificados, tanto no estilo Sherry [Xerês] como Porto - uma boa preparação para os anos em que viria a trabalhar com os Symington.
Tudo estava a correr bem. Só que a minha mulher alfacinha não se estava a adaptar muito à vida no Barossa Valley e sentia falta de Lisboa e de Portugal, dos pais, família, etc., saudades! Decidimos então voltar para Portugal, tendo previsto ir para a Ilha da Madeira e trabalhar com a Madeira Wine Company. O emprego tinha sido acordado, mas quando cheguei disseram-me que a Direção tinha vetado a minha posição. Fiquei sem saber o que fazer!
Tive de começar do zero, com conhecimentos muito limitados de português – muito intimidante para mim naquela altura. Estávamos em 1981. Recordo-me de me candidatar a um emprego na Cooperativa do Cartaxo, onde fui recusado mas enviaram uma carta de resposta muito simpática. Arranjei uns contactos com a Ferreira e a Taylor’s e, depois de olhar para o mapa, achei que poderia fazer a viagem até Vila Nova de Gaia, a tempo de almoçar, em cerca de 3h. Demorei quase seis. Tendo chegado tarde ao almoço com a Ferreira, as minhas hipóteses de conseguir um emprego esfumaram-se. E também perdi a oportunidade com a Taylor’s.