Fugas - Vinhos

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Roteiro nostálgico do Barossa Valley ao Alentejo

Por David Baverstock

David Baverstock é o senhor do vinho desta edição da Fugas. O retrato de um imigrante por acaso que vagueou um pouco por todo o país até se fixar no Esporão, onde assumiu um papel crucial na expansão de uma das grandes companhias do vinho português.

Primeiramente gostaria de agradecer ao Público por esta oportunidade de poder contar o meu percurso na enologia. Decerto, um percurso diferente, dadas as minhas raízes australianas e nacionalidade portuguesa que vim a adquirir
Julgo que tudo terá começado quando a minha família se mudou para o Barossa Valley quando ainda era adolescente. O Barossa Valley é provavelmente a região vinícola australiana mais reconhecida e portanto, quando terminei o ensino secundário, pareceu-me natural seguir o estudo de enologia.

É importante mencionar que naquele tempo, no início dos anos 70, a indústria vinícola australiana estava ainda a tomar forma, tendo estado até então muito voltada para os vinhos fortificados. Tirar o curso na Faculdade de Roseworthy, perto do Barossa Valley, era considerado um pouco arriscado e não oferecia qualquer garantia de empregabilidade. Mas atraiu-me por causa da combinação entre ciência e arte, por ter um lado académico e ao mesmo tempo prático, com muitas possibilidades criativas que a enologia no fundo oferece. Encontrando-se a indústria vinícola australiana ainda num estado algo embrionário, ao terminar o curso um dos meus objetivos era poder viajar para Europa e fazer vindimas em França e na Alemanha, para experienciar a cultura vinícola do “mundo velho”.

Após ter feito vindimas em Baden e Beaujolais vim até Portugal para conhecer o Vale do Douro e fazer praia na região de Lisboa. Refiro isto porque foi na praia da Caparica que conheci aquela que viria a tornar-se na minha mulher e que assim marcou o início da minha longa e feliz relação com Portugal.

Estávamos então no ano de 1979 e era demasiado cedo para que assentasse em Portugal. Assim, voltamos para a Austrália e iniciei funções como enólogo numa adega chamada Saltram, na zona do Barossa Valley. Saltram era uma adega icónica com grande histórico e os dois anos que por lá passei foram uma grande experiência para mim. Produzimos um pouco de tudo, desde Riesling a Semillon, as variedades mais comuns de brancos, mas também Chardonnay, proveniente de Hunter Valley, a cerca de 1000km de distância, com as uvas esmagadas localmente e o mosto transportado durante a noite em tanques refrigerados. Fazíamos bons fortificados, tanto no estilo Sherry [Xerês] como Porto - uma boa preparação para os anos em que viria a trabalhar com os Symington.

Tudo estava a correr bem. Só que a minha mulher alfacinha não se estava a adaptar muito à vida no Barossa Valley e sentia falta de Lisboa e de Portugal, dos pais, família, etc., saudades! Decidimos então voltar para Portugal, tendo previsto ir para a Ilha da Madeira e trabalhar com a Madeira Wine Company. O emprego tinha sido acordado, mas quando cheguei disseram-me que a Direção tinha vetado a minha posição. Fiquei sem saber o que fazer!

Tive de começar do zero, com conhecimentos muito limitados de português – muito intimidante para mim naquela altura. Estávamos em 1981. Recordo-me de me candidatar a um emprego na Cooperativa do Cartaxo, onde fui recusado mas enviaram uma carta de resposta muito simpática. Arranjei uns contactos com a Ferreira e a Taylor’s e, depois de olhar para o mapa, achei que poderia fazer a viagem até Vila Nova de Gaia, a tempo de almoçar, em cerca de 3h. Demorei quase seis. Tendo chegado tarde ao almoço com a Ferreira, as minhas hipóteses de conseguir um emprego esfumaram-se. E também perdi a oportunidade com a Taylor’s.

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