É Verão mas o dia apresenta-se nublado, cinzento e ameaçando chuva. Lá fora, na rua, só se ouve o tram descendo rápido, como um salteador, a Seifertova até à paragem de Husinecká.
Enquanto o Žižkov desperta lentamente, a frescura da manhã acaricia-me o rosto, despertando-me dum torpor nocturno chamado absinto. O sol vê-me mas eu não o vejo. Há cenários e situações que nos despertam ilusões e sonhos mil. Mas… testemunhá-los ao vivo e a cores? Não consigo imaginar, por exemplo, quais seriam os meus sentimentos ao acordar em Praga na Primavera de 1968, na então Checoslováquia. (O absinto é tramado, malta.)
Depois de saborearmos as cores de um lauto pequeno-almoço, a bater as 8h15 saímos para uma descoberta da deslumbrante Praga. A pé – porque as cidades são como um livro que se deve ler com os pés. Apanhamos o tram 9 na Husinecká e descemos na estação do metro de Mustek-A, já dentro do bairro de Staré Mesto, a Cidade Velha de Praga, onde iniciaremos a nossa caminhada citadina. Mas, como todo o bom português que se preze, há que cumprir com o ritual matinal do café expresso da manhã. Certa vez, em viagem pela Turquia, uma guia disse-me que os portugueses eram o único povo no mundo que faziam paragens técnicas para beber um café. Por sorte, mesmo ali ao lado, está o Costa Coffee, na Václavské námestí (Praça Venceslau).
Depois da “paragem técnica” voltamos novamente à estação de Mustek-A, também ela situada na Praça Venceslau. Apanhamos o metro e descemos, ao bater das nove, em Staromestská. Minutos e passos mais tarde e eis-nos na Avenida Križovnická. Uma carrada de fotos mais tarde e chegamos à estátua de Charles IV, virada de frente para a Torre da Ponte da Cidade Velha (Staromestská mostecká vež).
E aqui, em frente a estes dois monumentos, começa nossa a verdadeira caminhada da manhã: a travessia da Ponte Carlos, Karluv most no idioma checo. Um verdadeiro monumento único da arquitectura gótica protegida pela UNESCO. A dita ponte atravessa o rio Moldava (Vltava em checo) que, mais do que um rio, é uma enorme massa de água fresca, entranhada na pele como uma tatuagem, e que serpenteia pela cidade de Praga. Nasce na região montanhosa da Boémia e é um confluente do rio Elba.
Voltando à ponte, de acordo com o guia, ela tem para aí meio quilómetro de comprimento por dez metros de largura e é apoiada em dezasseis arcos. Mais do que isso, mantém ao longo dos tempos uma relação privilegiada com uma enorme panóplia de santos e santidades. Está decorada em todo o seu comprimento por cerca de 30 estátuas de santos e pessoas veneradas pelos cidadãos de Praga e da República Checa.
E são estas estátuas, em estilo barroco, que dão todo o sentido à fama que esta ponte tem no mundo. As sombras metálicas e telúricas destas estátuas podem ser vistas em milhares de postais ilustrados. Mas, decepção das decepções: estas não são as estátuas originais. Para prevenir a deterioração das estátuas, da intempérie e de algum vandalismo turístico, em 1965 as estátuas originais foram trasladadas para o Museu Nacional. Quem as quiser ver tem de atravessar outra “ponte”. Mas isso não invalida, em nada, a sensação de atravessar tão única.