“Está quieto! Não vês que estás a mandar areia às pessoas?”, ralha uma avó de mão estendida no ar, enquanto o neto escava um buraco como se a areia aqui acumulada tivesse mais de 20 centímetros de altura. Chegámos pouco depois da hora do almoço e o areal — mais pequeno que a fonte de pedra agora feita piscina — está completamente lotado. Há até quem partilhe o chapéu-de-sol com vizinhos alheios, outros refugiam-se no terraço lateral, apesar de o chão aí ser de tijolo. A maioria são pais e avós esquecidos à sombra, a água dominada por dezenas de frenéticas crianças e grupos de pré-adolescentes. O barulho é ensurdecedor.
Em menos de cinco dias, mais de 12 mil pessoas terão passado pela praia do Torel, estima Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António, em Lisboa, responsável pela iniciativa. O que é o mesmo que dizer que a praia urbana instalada durante Agosto naquele jardim lisboeta já é pequena de mais para tanta gente. No lago, por exemplo, há muito que a lotação máxima de 30 pessoas foi esquecida, assim como a proibição de saltos e mergulhos. A água, outrora transparente, está opaca e esbranquiçada, não se vislumbra o fundo logo ali a 80 centímetros de profundidade, nem mesmo o quadrado com 1,5m de altura que existe no centro, onde as fitas que o sinalizavam já saltaram. “Há miúdos que são pequeninos e não sabem nadar, chegam ali, de repente ficam sem pé e entram em pânico”, conta Gonçalo, o nadador-salvador de serviço durante as tardes. Numa praia onde não há ondas nem marés e a água nos dá pela cintura, este é o único tipo de “salvamentos” que tem feito, acrescenta.
Ainda assim, entrar no lago é entrar num campo de batalha. Quer se desça pela rampa colocada num dos lados ou directamente pela orla da fonte, o resultado é o mesmo: saímos completamente molhados, quer se queira quer não. “Há muita falta de civismo”, queixa-se Andreia Santos, de 33 anos, enquanto se vai tentando desviar e protegendo a filha, de seis anos, da água que voa em todas as direcções. “No outro dia estivemos cá de manhã e fiquei sempre na areia a vê-la dentro de água, mas hoje ela até queria ir buscar uma coisa e sozinha nem pensar”, confessa. Uma das sobrinhas com quem veio também “foi logo embora porque era muita confusão”.
Andreia vive na Zona J, em Chelas, e costumava levar a filha à piscina de Carnide. Este mês trocou-a pelo Torel porque a entrada é gratuita. No entanto, defende que “até deviam cobrar qualquer coisa, nem que fosse um valor irrisório de dois ou três euros”, para evitar tamanha confusão. Já para a filha Carolina, alheia ou até contagiada pelas brincadeiras dos mais velhos, a matemática é simples: esta é “mais gira” porque “é maior e tem areia”. Quer voltar. Assim como Luísa, de 10 anos, que veio com os avós e o irmão, que esperam por ela na esplanada. “Estou a gostar porque há sempre muita gente aqui e a piscina não é muito funda, podia ser só um bocadinho mais para dar saltos e cambalhotas”.
Praia num jardim miradouro
Até ao final do mês (a hipótese de alargar por Setembro ainda está a ser estudada, diz Vasco Morgado), aquele recanto do Jardim do Torel, localizado entre o Campo Mártires da Pátria e o Elevador do Lavra, está transformado numa praia urbana e nenhum pormenor foi esquecido. A fonte oval setecentista de Viana da Mota, onde se destaca a estátua de um tritão, faz as vezes de mar de água doce. Em frente, o terraço foi preenchido com areia fluvial vinda do Sado. Há nadador-salvador, bandeira verde hasteada, duche, chapéus-de-sol, espreguiçadeiras e até wi-fi e parque infantil. Nem faltam as bolas de Berlim: com creme, sem creme e agora também com chocolate, “porque os miúdos pediam sempre”. Têm vendido uma média de 200 por dia, conta Inês. Ao fim-de-semana, há ainda várias actividades: às 18h são as aulas de desporto no terraço contíguo (também decorrem durante a semana, conforme a disponibilidade dos monitores), às 19h começam as sunset parties e até às 20h há parede de escalada para os mais novos. Todos os sábados, às 21h30, a fonte anima-se para uma sessão de cinema (o filme de hoje é o Sahara).
“É uma novidade e está a ser bom para as pessoas que não têm possibilidade ou disponibilidade de ir à praia”, defende Alexandre Cruz, gerente da esplanada do Torel, que viu a concorrência aumentar com a nova atracção. Eram o único café do jardim, onde existia apenas uma roulotte de gelados na entrada principal. Agora enquanto a praia funcionar há também a banca das bolas de Berlim, a bicicleta das limonadas e a roulotte de um restaurante da freguesia, que por estes dias ali vende snacks e bebidas, com esplanada junto à areia. Ainda assim, garante que “acaba por ser igual” ou melhor: “Aqui é mais calmo e ainda ontem trabalhei como se fosse um sábado.”
O que também se mantém quase igual é a zona de jardim e miradouro por excelência, no patamar superior. Há quem continue a vir passear os amigos de quatro patas, quem venha ler, namorar ou fazer “piqueniques” na relva. A calma ainda reina por aqui. Só uma coisa mudou. Junto a uma das varandas estacionou uma nova empresa de limonadas (há sempre a tradicional e uma variação com morango, frutos vermelhos ou maracujá). “Começámos no Torel porque uma limonada fresquinha tem tudo a ver com praia, mas escolhemos ficar cá em cima por causa da vista e porque toda a gente acaba por passar e nos ver”, conta Luís Esteves, um dos responsáveis. Junto à nova bicicleta-balcão, há outra novidade: a vista desafogada q.b. sobre o Tejo, a baixa pombalina e a colina de São Roque ganhou ali uma rival. É que a varanda que se debruça sobre a nova praia é um vaivém de mirones a espreitar o aparato. “Costumo dizer que este corrimão é como a árvore de Natal gigante que toda a gente ia ver”, brinca Luís Esteves.