Fugas - hotéis

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É uma aldeia portuguesa, com certeza

Por Sandra Silva Costa ,

Adormece-se com os barulhos da noite e acorda-se com os pássaros a cantar. O pão fresco aparece pendurado na porta e há um vizinho que abre o café enquanto a dona vai à missa. Anabela quis fazer alguma coisa pela terra da mãe, recuperou cinco casas para o turismo e criou o Bairro do Casal.

Murça tem pouco mais de 100 habitantes - aliás, se quisermos ser rigorosos usamos as palavras de Jorge e pomos já tudo em pratos limpos.

É domingo, 10h30, mais coisa menos coisa, e está a haver missa na Igreja Matriz. É por isso que a porta do Café Sol e Sombra está no trinco. Somos de fora, não conhecemos os hábitos da terra, e espreitamos pela vidraça. "Está fechado, a senhora está na missa. Mas eu posso servi-los, se quiserem." Jorge não chega a apagar o cigarro que queima debaixo do sol da manhã, roda o puxador da porta e já está. "Ora digam, se fazem favor."

Só queremos café - e dois dedos de conversa, já agora. "Esta é uma aldeia pequena. Tem 109 habitantes, mas em permanência somos só 80. Sabe como é, não há emprego, o pouco que há para fazer é na agricultura, e a malta nova acaba por sair. Juventude, só mesmo no mês de Agosto." E isto faz com que os de Murça, "a aldeia mais pequena" do concelho de Vila Nova de Foz Côa, se conheçam todos uns aos outros.

Na Rua do Casal, que é a parte mais alta da freguesia, só vive uma pessoa - a dona Fernanda, que já se habituou a acenar, do cimo das suas escadas de pedra, a quem vai passando a pé ou de carro pela estradinha íngreme ladeada de casas recuperadas e umas quantas ruínas.

Em traços muito largos, isto é Murça e o resto é paisagem. 

Estamos "onde o diabo perdeu os calções" - e as palavras são da mãe de Anabela Gonçalves Costa, que em 2009 decidiu investir "o que tinha e o que não tinha" para criar um projecto de turismo de aldeia. Chamou-lhe Bairro do Casal e é por ele que aqui estamos, num fim-de-semana ainda de Inverno que mais parece de Primavera - mas essa é conversa para mais daqui a pouco.

Para já estamos no jardim do Bairro do Casal, com vista para a piscina, as amendoeiras em flor e as encostas em socalcos características da região do Douro. Anabela aponta para as casas recuperadas que temos à frente e começa a desenrolar o novelo da sua história. Que é simples e rápida de contar: de-como-alguém-decide-regressar-às-origens-e-fazer-alguma-coisa-pela-preservação-do-património-da-terra. Mais ou menos isto. 

"A família da minha mãe era daqui e eu entendi que tinha a obrigação de fazer alguma coisa por isto", recorda Anabela. Incomodava-a ver as casinhas de pedra reduzidas a ruínas e, pior, temia que os traços distintivos da arquitectura local se perdessem - as (poucas) construções que nos últimos anos nasceram em Murça são de tijolo e cimento. Foi quando decidiu começar a comprar algumas casas para as reconverter para o turismo. Candidatou-se a fundos do Quadro de Referência Estratégico Nacional e o projecto foi aprovado.

Anabela, que ainda trabalha numa empresa de infra-estruturas eléctricas em Carcavelos, puxou entretanto para bordo Odete Marques. "Trabalhávamos juntas. Um dia trouxe-a cá, ela apaixonou-se por isto e acabou por se reformar." Tornaram-se sócias e é Odete quem passa mais tempo em Murça. O marido ficou em Odivelas, ela vai lá de quinze em quinze dias. "Mas tenho esperança que ele decida mudar-se para cá em breve." 

Em Murça, Anabela e Odete foram comprando o que conseguiam. O Bairro do Casal tem hoje cinco casas - há outras debaixo de olho - totalmente reconvertidas e abertas ao turismo. Todas mantêm os nomes dos antigos proprietários (Aida, Belmira, Formosinda, J. David, J. Faustino), estejam vivos ou mortos. A dona Aida veio à inauguração do Casal, em Outubro do ano passado, e admirou-se com o projecto de recuperação, que esteve a cargo da arquitecta Andrea António. "Ó Belinha", comentou, "não foi esta a casa que te vendi."


A casinha de bonecas


A Casa da Formosinda, que nos calhou em sorte neste fim-de-semana, fica paredes-meias com a Casa da Aida. Entramos por um portão verde de ferro que dá acesso a uma eira. No meio há uma tangerineira - já deu o que tinha a dar, para mal dos nossos pecados - e, em frente à árvore, uma bela varanda suspensa de madeira com vasos onde já moraram (e vão voltar a morar) sardinheiras.

Abrimos a porta, temos um pé na cozinha e só nos vem à cabeça uma casinha de bonecas: banca em xisto, armários verde (quase) alface, uma cortininha muito casa da avó a tapar as prateleiras inferiores, onde temos tachos, panelas, pratos e pegas tricotadas. Subimos dois degraus e eis-nos na sala: um sofá, um cadeirão, uma salamandra e duas janelas que trazem a paisagem para dentro. A arca que serve de poiso para a pequena televisão pode muito bem ter sido restaurada por Anabela, que gosta de ir à procura de mobiliário antigo e recuperá-lo ao sabor do tempo que vai tendo.

No quarto com cama de casal, a parede da cabeceira é a original da casa, pedra sobre pedra. Há um banco a um canto e mais um móvel que Anabela adaptou e hoje serve para pendurar roupa. Não há armário nem cómoda e, confessamos, sentimos alguma falta, embora consigamos perceber o argumento. "Estas casas eram, na generalidade, de gente pobre. E eram pequenas. Como nós quisemos respeitar ao máximo a traça original, algumas mantiveram-se pequenas como elas", explica Anabela. Na Formosinda, onde mais se nota é na casa de banho, que é pequena, de facto. 

Perdoamos a falta do armário e a pequenez da casa de banho com todos os outros prazeres que o Bairro do Casal nos oferece de mão beijada. Como o silêncio da noite ou os pássaros pela manhã. Ou as flores brancas em cima da mesa - talvez sejam crisântemos, não temos a certeza, mas o mais importante é que são frescas e bonitas. Anabela e Odete deixaram-nos chá, café, fruta, um bolo acabadinho de fazer, leite, fiambre, queijo, compotas e manteiga para o pequeno-almoço. O pão, esse, aparece, fresquíssimo, pendurado na porta logo de manhãzinha. Dentro de um saco de pano que tivemos vontade de trazer para casa. 

Nome
Bairro do Casal
Local
Vila Nova de Foz Côa, Murça, Murça, Vila Nova de Foz Côa
Telefone
279788162
Website
http://www.bairrodocasal.pt
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