Fugas - hotéis

Niall Clutton

Um clássico italiano de luxo

Por Vanessa Rato ,

Tem uma das mais célebres suites presidenciais do mundo — 500 metros quadrados com piscina privada num spa a evocar Pompeia antiga. O Principe é um grand hotel — um clássico com opulência de velho mundo.

Foi a pergunta do mundo da hotelaria — mas também da moda e dos direitos humanos — ao longo de 2014: qual, afinal, o impacto do boicote à Dorchester Collection?

Proprietária e gestora de 10 dos melhores e mais conhecidos hotéis do mundo ocidental, a Dorchester Collection agrupa oito negócios na Europa e dois nos Estados Unidos: o The Dorchester e o 45 Park Lane em Londres, o Coworth Park em Ascot, o Le Meurice e o Plaza Athénée em Paris, o Principe di Savoia em Milão, o Le Richemond em Genebra, o Bel-Hair, em Los Angeles, e o The Beverly Hills em Beverly Hills.

É uma espécie de família. Que por detrás tem a Agência de Investimentos do Brunei, braço operativo do Ministério das Finanças deste sultanado do sudoeste asiático regido por Hassanal Bolkiah.

Tido como o quarto monarca mais rico do mundo, Bolkiah tem uma fortuna pessoal estimada em pelo menos 20 mil milhões de dólares. Tomou posse em 1967, quando o pai abdicou e, desde então, o seu poder é absoluto. Mas só no final de 2013, com quase meio século de regência em mãos, anunciou a intenção de o seu país adoptar a lei da sharia, prevendo, nomeadamente, a morte de adúlteros e homossexuais por lapidação ou chicoteamento.

As reacções internacionais não se fizeram esperar, com o nascimento de um boicote à Dorchester Collection. E a adesão de cada vez mais nomes da carteira de clientes de classe A da cadeia.

Anna Wintour, a conhecida editora da Vogue norte-americana, anunciou não só o fim da sua tradicional estadia no Le Meurice durante a semana da moda de Paris como a adesão de todas as publicações da Condé Nast ao boicote à cadeia. O multimilionário britânico Richard Branson fez o mesmo, tanto em nome da sua família como do grupo Virgin. E figuras públicas como Paul McCartney, Stella McCartney, Jay Leno, Ellen DeGeneres, Sharon Osbourne, François-Henri Pinault e outros fizeram o mesmo a título pessoal.

De repente, uma passagem por um dos hotéis da Dorchester Collection tornou-se motivo de vergonha. E nas semanas que se seguiram ao lançamento do boicote a imprensa californiana reportou o impacto: o vazio nos bares e restaurantes do Beverly Hills Hotel, antes espaços onde ver e ser visto.

Num só mês este hotel terá perdido cerca de dois milhões de dólares em cancelamentos de reservas — o “efeito Hollywood”: de luxo a lixo em menos de nada. Mas, meses depois, em Milão, nada deixa adivinhar esse grande acidente em curso: no Principe di Savoia a vida flui com toda a normalidade.

Seis da tarde de uma quarta-feira. Lá fora, é noite escura e a chuva cai densa, uma cortina. Cá dentro, o imenso lustre em cristal de Murano do Il Salotto espalha uma luz quente e dourada sobre o lounge do lobby deste hotel de estilo oitocentista, com as suas poltronas fundas e os seus sofás de veludo verde.

Tal como o mais nocturno Principe Bar, que fica mesmo ao lado, dominado por um piano de cauda e o ir e vir de DJ, o Il Salotto, especializado em pastelaria e chás de fim de tarde ao estilo inglês, é um dos espaços frequentados pela Milão afluente. Uma tradição que sobe ao rubro na altura dos muitos eventos internacionais da capital italiana da moda e do design e que se vem mantendo desde o final dos anos 1920, quando o Principe foi inaugurado e nomes como Aga Khan, Aristóteles Onassis, Maria Callas, Erich Maria Remarque, Charles Chaplin, Josephine Baker e Eva Perón começaram a tornar-se presenças habituais.

A inauguração foi a 6 de Abril de 1927. Nesse dia, segundo os arquivos do Principe, o jornal de negócios Il Sole publicava um anúncio de página inteira em que se publicitavam “todos os confortos que se possa imaginar”. Entre eles, uma orquestra a animar diariamente a hora do jantar e uma rede de ligação telefónica directa entre todos os quartos — uma extravagância tecnológica para a época.

Era o tempo em que Milão começava a construir a sua reputação como centro financeiro internacional. A própria localização do hotel foi escolhida em função dessa realidade: uma imensa fachada neoclássica a dominar a Piazza della Repubblica, então chamada Piazza Fiume.

Não era — tal como não é ainda hoje — o coração turístico e comercial da cidade, que se concentra em torno da Piazza del Duomo, a emblemática igreja-símbolo de Milão. Na altura, a Piazza Fiume ficava junto à zona industrial, ao lado da então principal estação ferroviária, entretanto secundarizada. Uma geografia que se veria profundamente alterada durante os anos da II Guerra Mundial.

Primeiro tomado como sede pelo exército nazi e depois pelos Aliados, quase 100 anos volvidos sobre a inauguração do Principe, a zona transformou-se entretanto numa série de bairros de avenidas largas. O hotel, que quando foi criado ficava a dez minutos em caleche do La Scala, permite agora fugir à agitação do centro. Raros hotéis serão, aliás, tão silenciosos.

Para lá do bulício da entrada em mármore, com a recepção, o lounge do Il Salotto e o clássico balcão da conciergerie — uma figura hoje ausente da maioria dos hotéis —, as espessas alcatifas dos corredores e as paredes apaineladas a madeira abafam quaisquer sons. Nenhum ruído do exterior chega também aos quartos, perfeitamente isolados.

Actualmente — e depois de várias intervenções de renovação, a última das quais em 2006 —, o Principe tem 301 quartos, 44 dos quais suites. É um grand hotel — o contrário dos hotéis de luxo mais recentes, que normalmente apostam numa lógica de exclusividade, com um número reduzido de quartos em edifícios o mais centrais possível.

O Principe vale-se de outros trunfos. Um deles é a quantidade e qualidade das suas suites. Outro é a fama da sua suite presidencial, uma das maiores e mais célebres do mundo.

São 500 metros quadrados com três quartos, sala de jantar com espelhos venezianos do século XIX e sala de estar com mobiliário de estilo Império original, lareira e piano de cauda. Depois há o spa privado: piscina, jacuzzi, sauna e banho turco — um pastiche dos banhos tradicionais da Pompeia antiga numa sala de 100 metros quadrados com tectos abobadados, paredes decoradas com frescos e janelas panorâmicas para a cidade e as montanhas nevadas que envolvem Milão.

Uma vez chegados ao décimo andar, que tem o seu próprio elevador, as portas vão-se abrindo — um ambiente por quarto: paredes em tecido verde-esmeralda e animal prints no primeiro quarto (normalmente ocupado por seguranças), frescos com vistas dos famosos jardins Bagatelle de Paris no segundo (normalmente ocupado por crianças) e, por fim, o amarelo-palha do quarto principal, com as paredes integralmente forradas a damasco produzido pela Casa Rubelli.

Na suite presidencial do Principe já ficaram de Isabel II de Inglaterra a Lady Gaga, passando por Madonna, Bill Gates, George W. Bush, Vladimir Putin, Woody Allen, George Clooney e Francis Ford Coppola. Foi também nesta suite presidencial que Sophia Coppola filmou grande parte de Algures. E, tal como todos os nomes que por lá têm vindo a passar, também o seu se tornou em mais um dos cartões-de-visita do hotel.

Mas não é de presenças como esta que se faz o dia-dia do Principe.

Manhã de uma quinta-feira no Acanto, o restaurante de paredes de vidro abertas para o jardim. À noite, com o exterior e a fonte do século XVIII iluminados, o Acanto serve cozinha italiana clássica. Ao pequeno-almoço recebe a luz natural vinda de fora. E abre uma montra sobre os clientes comuns do hotel, a ir e vir entre as suas mesas redondas e o buffet. São sobretudo empresários em viagem de trabalho e jovens casais do Médio Oriente, asiáticos e russos.

Quer fiquem num dos 257 quartos simples ou numa das 44 suites, movimentam-se em ambientes que cruzam o clássico e o contemporâneo, sempre em materiais de luxo — mármores de Lasa, mosaicos de vidro feitos à mão, painéis de parede em nogueira. Em todos os quartos, também, produtos de toilette da marca-emblema italiana Acqua di Parma, que em 2001 foi adquirida pelo grupo Louis Vuitton e tem hoje a sua sede em Milão.

A Fugas esteve alojada a convite do Principe di Savoia

Nome
Principe di Savoia
Local
Estrangeiro, Itália, Piazza della Repubblica, 17 - Milão
Telefone
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