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Há uma nova luz na Quinta de Vale Abraão

Por Sandra Silva Costa ,

Não tem tido vida estável, esta propriedade que há séculos olha a Régua: foi uma casa senhorial que simbolizou o poder do Douro, sofreu um incêndio devastador, renasceu das cinzas e inspirou um livro de Agustina e um filme de Manoel. Em 2007 abriu como um hotel de luxo ousado, que acabou por não resistir. Agora é tempo de se apurarem todos os sentidos para conhecer o novo Six Senses Douro Valley.

Mesmo que não seja a primeira vez, impressionamo-nos sempre que olhamos o edifício de cor indecifrável (rosa velho?, cor-de-vinho?, castanho?) ainda da estrada de curva e contracurva que nos traz desde a Régua. Mais ainda se não o isolarmos do arvoredo que o abraça, os ciprestes alinhados, a vinha em socalco por trás, aquela palmeira esguia e só que parece não acabar e quase não cabe nas fotografias. Desfeito o último cotovelo do asfalto, já o perdemos de vista, engolido pelo vale que deu o nome primordial ao lugar — Vale Abraão, em homenagem ao primeiro proprietário do lugar, Abraão Farah, um judeu de Lamego. Não fora a escultura de ferro em desalinho que se insinua na orla da estrada e quase podíamos jurar que nada mudou desde a última vez que cá viemos — só que o que se lê na base dessa escultura não deixa margem para dúvidas: Six Senses Douro Valley.

Descemos o empedrado estreito que dá acesso ao hotel e quando entramos na recepção começamos a dar conta das diferenças. Está ali a mesma janela que se abre para o Douro — e que funciona como um íman, venha quem vier, quantas vezes vier — mas percebe-se que a aura do hotel é outra. Por mais que não queiramos, é impossível não fazer comparações com a vida anterior deste espaço, que albergou, de 2007 até Outubro do ano passado, o Aquapura Douro Valley, um projecto de hotelaria ousado que custou 25 milhões de euros a três empresários mas que não sobreviveu à crise do sector imobiliário. Em 2013, o passivo do Aquapura foi adquirido pelo Fundo Discovery, que investiu oito milhões de euros na remodelação do hotel, cuja gestão passou entretanto para o grupo Six Senses — marca notabilíssima na hotelaria internacional, sobretudo no mercado asiático, com a Tailândia à cabeça, que com este projecto no Douro se estreou na Europa.

Rei morto, rei posto. O Aquapura fechou a 1 de Novembro de 2014 e até Julho passado (o Six Senses abriu no dia 15) andou a reinventar-se. O exterior está tal e qual (e ainda bem), a estrutura interior também pouco sofreu, mas o que é mais notório é que se fez luz. Literalmente. É inevitável não voltar ao Aquapura e àquele que durante anos foi apontado como o seu calcanhar de Aquiles: a penumbra dentro de portas. Para Nini Andrade Silva, a responsável pelo design de interiores, não era defeito, era feitio: o jogo de sombras de dentro era intencional, para que, no exterior, ressaltasse a luminosidade do vale.

Na recepção, dizíamos, percebemos que mudou a cor das paredes e só isso já basta para nos sentirmos noutra casa: por todo o Six Senses agora mandam os tons mais claros, entre os cinzentos e os verdes claros. Tomamos o elevador que dá acesso aos quartos e demais áreas comuns — que estão situados num plano inferior ao da recepção, para se tirar partido de uma reprodução dos socalcos do Douro — e reforçamos a ideia: ganhou-se luz e leveza com a mudança de cores.

Não foi só isso, porém, que mudou. Na Wine Library, por exemplo, o vinho é, naturalmente, o fio condutor da decoração: está presente no candeeiro gigante que se destaca no tecto, feito de garrafas brancas, ou nas caixas de madeira que viraram bancos que apoiam a grande mesa onde a cada final de tarde se fazem provas vínicas (o hotel conta agora com duas directora de vinhos, Francisca van Zeller e Sandra Tavares da Silva). Destaque ainda para o grande painel onde foram incrustados objectos relacionados com a memória e tradições da região — falamos de instrumentos agrícolas, entre foices ou tesouras de podar, mas também de serrotes ou de chaves antigas que Joana van Zeller, a relações públicas do Six Senses, ajudou a recolher na Régua e aldeias em redor.

Este perpetuar da memória foi pedra-de-toque do atelier nova-iorquino Clodagh Design, responsável pelo projecto decorativo. E nota-se em vários pontos do hotel: nas fotografias expostas nalguns quartos (no nosso havia um Douro em socalcos a preto e branco) e junto aos elevadores, recuando até ao tempo em que a casa senhorial estava nas mãos da família Serpa Pimentel; noutro painel, no terceiro piso, onde se embutiram panelas de ferro, velhas molduras, garrafões de palha, formas de sapatos; ou naquela mesa gigante à entrada do bar.

Os quartos continuam sóbrios e elegantes — e uma parte deles tem aquela vista impagável para o rio e/ou o bosque. O nosso, o 417, é um desses privilegiados: abre-se a porta e quase se mergulha no Douro que é trazido pelas enormes janelas que rasgam a paisagem. E tudo isto aos pés da cama, onde também há um sofá que convida a apreciar o Porto de boas-vindas e os figos da temporada que encontramos numa elegante (e singela) fruteira de cortiça. Mesmo que seja bem confortável, não foi para ficar no quarto que aqui viemos, pelo que nos apressamos para aproveitar a trégua nos chuviscos de Verão e apreciar uma refeição ligeira junto à piscina. Cá fora, já o dissemos, pouco mudou — trocou-se o mobiliário de exterior e o revestimento da própria piscina, que antes era cor-de-vinho e agora é em pastilha azul —, mas não deixamos de nos impressionar com o viço da horta que agora por aqui cresce: tomates (que logo mais experimentaremos na Open Kitchen do chef Paulo Matos), hortelã, curgetes, orégãos, pepinos, alcachofras… Aqui bem perto, a mesa do chef ao ar livre, bem posicionada junto ao barbecue e ideal para workshops de cozinha.

Guardamos um dos melhores trunfos para o fim: o spa de 2200 metros quadrados, que continua a ser uma das jóias da coroa do hotel. São dez salas de tratamentos vários, com vista para o rio e para os bonitos jardins da propriedade, uma piscina interior com jactos de água, uma Vitality Suite (sauna, banho turco e laconium) e ainda um ginásio, que oferecem aos hóspedes programas de relaxamento à medida de cada um. Calhou-nos em sorte uma massagem facial de 60 minutos — máscara descongestionante, hidratação e drenagem linfática, com produtos da linha The Organic Pharmacy —, seguida de uma breve massagem nos ombros e na cabeça que nos deixou praticamente nas nuvens. No dia seguinte, tivemos direito a novo mimo, desta feita uma massagem holística de uma hora com efeitos calmantes duradouros.

Não deixaremos o Six Senses sem experimentar a piscina exterior, mesmo que o bom senso dite o contrário: acabámos de almoçar no terraço, comemos um belo bacalhau com crosta de broa, bebemos Redoma Branco 2014 e a água não está quente por aí além. Mergulhamos, ainda assim, e quando voltamos à superfície ali está aquele rio, a brilhar, plácido, debaixo de um sol que se apresenta a espaços. Daqui a pouco, estaremos do outro lado do espelho (de água), já na Régua, à procura da luz de Vale Abraão. Está ali, parece estar ali para sempre, e, agora sim, podemos seguir viagem: sabemos que, se aqui voltarmos, não deixaremos de nos impressionar com o que temos à frente dos olhos.

A Fugas esteve alojada a convite do Six Senses Douro ValleySix Senses Douro Valley

Nome
Six Senses Douro Valley
Local
Lamego, Samodães, Quinta Vale de Abrão
Telefone
254660600
Website
http://www.sixsenses.com/
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