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Os cheiros do campo também se embalam

Por Mariana Oliveira ,

O Ô Hotel Fonte Santa, em Monfortinho, tem um programa em conjunto com a Quinta Aromas do Valado que nos põe a cheirar erva príncipe, eucalipto e hortelã-pimenta. A melhor notícia é que no fim da visita podemos trazê-los para casa.

Confesso que quando vi a proposta vacilei. Temi que o meu olfacto não estivesse à altura do programa da Aromas do Valado. Tinha presente que há uns anos um diagnóstico pomposo, sinusite crónica exuberante, atestava aquilo que eu já sabia. Por vezes, a minha capacidade de cheirar era praticamente nula e com isso também perdia o paladar. Mas o diagnóstico já lá ia e os sintomas tinham vindo a melhorar ou, pelo menos, a estabilizar, fruto de tratamentos sucessivos. Por isso, decidi arriscar. Devo dizer, com sucesso. Não só a experiência me permitiu degustar uma panóplia de cheiros de plantas autóctones da Beira Interior e de algumas forasteiras, como permitiu trazê-los na mala. De facto trago uma lição: até os cheiros do campo se embalam.

Refiro-me em concreto ao cheiro intenso e refrescante do eucalipto, que trouxe na forma de uma água floral. Quando Helena e António Vinagre, os responsáveis pela Aromas do Valado, nos levaram ao coração do projecto, a destilaria, estava-se a extrair o óleo essencial de eucalipto e por arrasto a água floral. O processo artesanal da destilação a vapor é simples, mas repleto de minuciosos detalhes que me vou dispensar de relatar.

Num anexo da quinta do casal, em Segura, Idanha-a-Nova, António explica como tudo se faz. O calor não ajuda à concentração, mas tentamos não perder o fio à meada. Num destilador, que se assemelha a uma cuba de armazenar vinho, ou seja, um grande cilindro metálico, colocam-se as plantas com água no fundo. Até ferver. Neste caso, eucalipto. “Mas só se aproveita a planta sem os ramos”, observa António, que neste projecto faz uso da sua larga experiência como engenheiro agrário. A uma temperatura controlada, para não destruir as propriedades do óleo, a água transforma-se em vapor. Depois, num tipo de cano, o vapor é condensado novamente em líquido. E canalizado, em forma de gotas, para um recipiente de vidro onde o óleo essencial surge à superfície. Por baixo, uma solução aquosa com algum óleo que teima em não se destacar. É a tal água floral que tenho usado como tónico facial, seguindo à risca os conselhos de Helena.

E quando digo “a tal”, refiro-me concretamente àquela que vimos fazer. Fruto do acaso, quando o casal Vinagre nos levou a conhecer o resto das instalações, nomeadamente o laboratório onde se fazem os sabões e a loja onde se expõem os produtos feitos na quinta, decidi comprar a água floral de eucalipto. Isto depois de analisar o vasto cardápio de produtos, que inclui um curioso perfume sólido, sabões variados, óleos essenciais, géis de banho, tudo feito a partir dos óleos essenciais e das águas florais do Valado. Todos controlados por uma equipa de investigadores da Universidade de Ciências de Lisboa, os responsáveis técnicos do projecto. À minha escolha não terá sido alheia o tal diagnóstico pomposo que me aguçou a sensibilidade para produtos naturais que aliviam problemas respiratórios.

A decisão revelou-se inesperadamente certeira, já que, apesar de ter escolhido a única água floral que estava esgotada, o pragmatismo de Helena resolveu depressa o problema. Nessa manhã tinha-se destilado eucalipto, como aliás comprovara. Num salto, Helena foi aos bastidores da loja, onde se guardam os frascos, as rolhas, os rótulos e as caixas e em minutos engarrafou e etiquetou o produto. Mais fresco era impossível. E com todo o processo produtivo ao vivo.

Antes já tínhamos passado pelo jardim da quinta, onde Helena nos proporcionara uma degustação de cheiros: rosmaninho, alecrim, esteva, erva príncipe, hortelã-pimenta e cidreira, entre outras. Mas não se enganem ao pensar que as plantas que o casal Vinagre usa para fazer os seus produtos são cultivadas na quinta. Helena, que deixou a direcção de vendas de uma multinacional para se dedicar de corpo e alma aos Aromas do Valado, explica que a matéria-prima é colhida na natureza, com autorização dos proprietários das terras, que até agradecem a limpeza. E não falta o que colher, em pleno Parque Natural do Tejo Internacional, numa paisagem que, nesta zona, se assemelha à planície alentejana: tons de amarelo pintalgado pelo verde das árvores.

Natureza a solo

Antes da despedida, servem-nos um refrescante chá frio, também feito a partir de ervas autóctones. Mata-se a sede, mas não a fome. As horas foram passando sem avisar e o estômago já começa a exigir recarga. Regressamos ao Ô Hotel Fonte Santa, em Monfortinho, onde estamos instalados, e espera-nos um almoço recheado com pratos da região, com destaque para as carnes. Mas acalmem-se os amantes do peixe, que a tantos quilómetros do mar não falta frescura nem boa confecção. O serviço é buffet, o que permite a cada um fazer uma ementa à medida do seu paladar. Mas tão boa como a comida é a vista do restaurante, com um fantástico deck plantado sobre a paisagem. No horizonte não há sinais de civilização. Nem casas, nem antenas de telemóvel, nem turbinas eólicas. A natureza, a solo. Sem corantes nem conservantes.

Um nível bem abaixo do terraço fica o ex-líbris do hotel: as piscinas. Gigantes, num arredondado irregular. Nem o almoço nos faz resistir à tentação. Um jardim exuberante, repleto de árvores e plantas em diversidade e quantidade completam o cenário e constituem um convite descarado ao ócio. Ao puro dolce far niente. Numa região árida do interior, este oásis só é possível graças à abundância das águas, cujas propriedades justificaram a criação das Termas de Monfortinho.

Ao fim da tarde calçamos sapatos confortáveis e aproveitamos as temperaturas mais amenas (mesmo assim perto dos 30º) para uma visita pelas redondezas. A pouco mais de uma dúzia de quilómetros chegamos ao primeiro destino: Penha Garcia. Calcorreamos as ruelas estreitas e inclinadas da aldeia e subimos ao seu castelo altaneiro, onde espiolhamos o vale do rio Pônsul. Lá no fundo, as encostas salpicadas por moinhos de água tentam-nos a uma visita mais desprendida, que não conseguimos concretizar. No caminho, compramos o pão típico amassado por Ana Mena e pela mãe Margarida, que deixaram a azáfama de Lisboa para reabrir o forno comunitário da aldeia. E ainda compramos uma marafona — uma boneca de pano feita a partir de uma cruz de madeira — a uma artesã local.

Ficávamos por aqui, a ouvir as histórias de Margarida e das receitas secretas da tia Alice, sentadas numa sombra do largo do pelourinho. Mas o roteiro ainda tem mais uma paragem obrigatória, a mais uma dúzia de quilómetros: Monsanto. Enquanto subimos pelas ruelas íngremes da aldeia, o guia explica-nos que o rótulo de vila mais portuguesa de Portugal se deve a um polémico concurso levado a cabo pelo Estado Novo, nos finais dos anos 30 do século passado. Pretendia-se assim enaltecer a pátria através do seu “glorioso” passado, resguardando-se a nação de “ideias perturbadoras”, que pusessem em causa a unidade nacional. Uma réplica do prémio, um galo de prata, ainda se encontra no topo de uma torre de Monsanto. Não se sabe se foi a polémica sobre a parcialidade dos juízes que ditou o fim do concurso, facto é que a prova acabou por ficar solteira. Isso permitiu amplificar o rótulo de Monsanto, que, marketing à parte, merece bem a visita.

No fim regressamos à base, em Monfortinho, com o desejo de voltar. Por mais tempo. Um fim-de-semana é pouco para o que a região tem para oferecer. As termas só tiveram direito a uma visita de médico, sem tempo para experimentar os tratamentos. Não conseguimos visitar os moinhos de Penha Garcia ou reconstituir as rotas do contrabando nesta zona da raia nem dar um pulo a Espanha. Não subimos ao castelo medieval de Monsanto, nem observámos as cegonhas-pretas ou os grifos, presença habitual no Parque Natural do Tejo Internacional. E também não visitámos o monumento natural das portas de Ródão. Já lhe aguçamos o apetite?

A Fugas esteve alojada a convite do Ô Hotel Fonte Santa
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Nome
Ô Hotel Fonte Santa
Local
Idanha-a-Nova, Monfortinho, Termas de Monfortinho
Telefone
277430300
Website
http://www.ohotelsandresorts.com
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