“No século XIX, um antepassado nosso chamado Manuel Mendes Papança comprou à Casa de Bragança cerca de 9000 hectares de terras de mato”, conta. “Até essa altura não tinha havido grande desenvolvimento agrícola no Alentejo, esta zona seria sobretudo uma defesa de fronteira.” Foi preciso desbravar o mato e preparar os solos para a agricultura. Com o 25 de Abril, a propriedade foi ocupada e a partir de 1975 o Barrocal viveu outra vida (acabou por ser devolvido à família na década de 1990).
José António Uva consegue reconstituir quase tudo graças às muitas caixas que foram guardadas com todos os documentos e fotografias de muitas décadas — hoje quem visita o hotel encontra essa história nas paredes, na zona do bar, nos quartos (registos de compras ou de pagamentos escritos em lindas caligrafias antigas receberam por cima desenhos de fauna ou flora local e decoram as paredes dos quartos) e sobretudo no restaurante, decorado com fotos antigas a preto e branco e muitos objectos da família, entre chapéus, alfinetes e colecções de borboletas (toda a decoração é da responsabilidade da empresa Anahory-Almeida).
Quanto ao período da ocupação, é possível conhecê-lo melhor graças ao estudo antropológico feito por José Cutileiro nos anos 1970 e que deu origem ao trabalhoRicos e Pobres no Alentejo. “Cutileiro retrata muito bem essas duas épocas, no final da ditadura, quando o que aqui existia já não era um modelo agrícola com viabilidade económica, já era uma coisa parada no tempo, e no final dos anos 1970, com a reforma agrária, numa altura em que, na descrição dele, não havia rei nem roque. No livro, aquilo que ele identifica como a ‘herdade n.º1’ é o Barrocal e o ‘latifundiário x” é o meu bisavô.’
Uma terra de menires
Mas a José António Uva não interessava apenas esta história, queria recuar mais no tempo. Por isso, juntaram pessoas que dariam informação que eles, “apesar da relação especial com este espaço”, não tinham: “arqueólogos, geólogos, biólogos, arquitectos, paisagistas, agrónomos, historiadores”.
Um dos que ajudaram a compreender o local e a desenvolver um conceito foi o arquitecto paisagista João Gomes da Silva. Porque, para lá da história, foi preciso olhar a paisagem. “Os primeiros nómadas que aqui habitaram foram, tudo indica, os povos neolíticos”, conta José António Uva. “E escolheram esta zona de granito, e não a zona de xistos do Guadiana, porque o granito dava-lhes melhores condições para montarem em cada um destes barrocais [afloramentos de pedras], uma casa.” Daí que existam hoje no Barrocal menires. “Um deles é dos mais altos desta zona, com 5, 70 metros, estivemos seis meses a escavá-lo e acabámos por perceber que não estava na sua posição original e conseguimos pô-lo de volta.”
José António vai-nos contando a história enquanto passeamos pelos caminhos do Barrocal. Chegámos na véspera e fomos recebidos com um almoço informal de petiscos feitos pelo chef consultor, o alentejano José Júlio Vintém, do restaurante Tomba Lobos. Aqui (e no restaurante onde jantaremos depois) a comida é genuinamente alentejana, mas com a qualidade que o nome de Vintém garante. Abrimos o vinho de São Lourenço do Barrocal e comemos o delicioso pão de azeitonas, favas com enchidos, cabeça de xara crocante, ovo do campo com túberas, perdiz de escabeche e várias outras delícias que vão chegando.
- Nome
- São Lourenço do Barrocal
- Local
- Reguengos de Monsaraz, Monsaraz,
- Telefone
- 266 247 140
- Website
- www.barrocal.pt