Fugas - prazeresdeverao

  • Mara Carvalho
  • Mara Carvalho
  • Mara Carvalho
  • Mara Carvalho
  • Mara Carvalho

Portugal à descoberta das (suas) ostras

Por Alexandra Prado Coelho

Houve tempos em que as ostras portuguesas eram sobretudo para exportar para França. Hoje o consumo está a aumentar em Portugal, onde as “sementes” chegam, vindas de França para crescerem alimentadas pelas águas do Algarve ou do Sado.

Estamos no estuário do Sado, na zona de Mouriscas, antigos viveiros de peixe, que antes disso foram salinas – testemunhos dos altos e baixos dos negócios ligados ao mar. Agora vêem-se sobre a água sacos negros que escondem no interior algo que à vista desarmada não conseguimos perceber exactamente o que é. São ostras.

“As nossas ostras vêm de maternidades em França e chegam aqui com cerca de seis milímetros”, explica João Silva, das Ostras Découverte (decouverte-ostras.com), marca lançada em Portugal no início do ano. Não passam, nessa fase, de umas lâminas mínimas que são colocadas aos milhares dentro de cada um dos sacos negros com a malha mais apertada. “Começa-se com 500 ostras em cada saco, depois passa-se para mil e no final temos só 200 por saco”. Por essa altura – ou seja, passado um ano e meio da chegada a Portugal – as ostras já atingiram o tamanho comercial. E estão prontas para serem exportadas para França novamente.

A história da relação entre os franceses e as ostras portuguesas é antiga. Nas décadas de 1960 e 70 o rio Sado estava cheio de ostras. “O meu pai e o meu avô foram produtores”, conta João Silva. “E nessa altura os franceses comiam as ostras que iam de Portugal – chamavam-lhes les portugaises. Daqui saíam muitas toneladas todos os dias, muita gente fez dinheiro com as ostras.”

Mas as coisas mudaram. De repente, as ostras – que eram aqui da espécie crassostrea angulata – começaram a desaparecer do Sado. Aponta-se o dedo à chegada da indústria pesada às margens do rio, criando poluição que não agradou aos animais. O facto é que deixou de haver ostra para exportar para França e os franceses (que se viram a braços também com um ataque se vírus nas suas costas que dizimou a angulata que ali havia) foram abastecer-se a outros lados. Encontraram então uma variedade, a crassostrea gigas, que se dá mais as águas do Pacífico – e chamaram-lhe japonaise.

Mas, para não ficarem dependentes de outros países, os franceses, eternos apreciadores de ostras, decidiram começar a criá-las. Desenvolveram as maternidades e hoje vendem aos outros países a “semente” – “é muito semelhante ao que se passa na agricultura”, sublinha João Silva.

E o que aconteceu entretanto em Portugal? Duas coisas. Por um lado, possivelmente devido à melhoria da qualidade das águas, as ostras selvagens começaram a reaparecer no rio; por outro, os produtores portugueses começaram a criar ostras no estuário, com as sementes vindas de França.

“Lancei-me neste negócio há cinco anos”, conta João Silva. “Pegámos numa caixa de ostras [selvagens] e fomos a França falar com pessoas que as comercializam. Mas percebemos que aquele tipo de ostras que se vendia nos anos 1950 ou 60 já não é possível.” Hoje é preciso que as ostras sejam bonitas, que não se apresentem com feitios muito diferentes – o que acontece porque quando crescem de forma selvagem vão-se adaptando ao espaço que têm e a concha assume formas diversas.

“O que nós fazemos aqui são as chamadas ostras especiais, que têm que ter uma forma bonita, simétrica. “Há ostras que, se tiverem um obstáculo, vão fazer uma curva e ficam tortas. Por isso é que todas as semanas vamos mexendo nos sacos para que elas mudem de posição e cresçam de forma homogénea.”

Quando João diz que no final estão apenas 200 ostras por saco está a referir-se às “especiais” (no caso de outras podem ficar, no final, 400 por saco), que, tendo mais espaço, conseguem também alimentar-se melhor. “Se pusermos uma densidade muito alta há mais competição pelo alimento e elas não engordam tanto. Isso, num parque como este que temos aqui no Sado, significa que em vez de produzirmos 10 toneladas produzimos cinco no mesmo ciclo. Como temos os mesmos custos de produção, as ostras têm que ter um valor mais elevado [a sete euros o quilo para os restaurantes, que depois vendem a ostra à unidade].”

A questão do tamanho do miolo é importante, claro. “Em França, o miolo deve representar mais de 12% do peso total, mas tem que se situar entre os 80 e os 100 gramas”. Acima de 100 gramas as ostras começam a perder valor comercial.

E porque é que os franceses, se produzem as sementes, estão interessados em ostras feitas depois em Portugal? “Porque o tempo de crescimento aqui chega a ser metade do que é em França. Lá, no Inverno, as águas são tão frias que elas mal se alimentam, quase que hibernam. Durante esse período a taxa de crescimento é quase nula. Crescem é entre Abril e Outubro. Aqui, com as temperaturas que temos, as ostras crescem 12 meses por ano. Por isso conseguimos ter uma ostra feita num ano e meio enquanto eles demoram três e na Irlanda chegam a demorar quatro. Ou seja, fazemos dois ciclos de produção enquanto eles fazem um.”

Mas se o mercado francês se foi tornando cada vez mais exigente, aconteceu, nos últimos anos, uma outra coisa: os portugueses, que nas décadas de 1960 e 70 não eram grandes consumidores de ostras, começaram a interessar-se por elas. “Estão um bocadinho na moda”, confirma João. Muita da ostra selvagem que é apanhada por exemplo no Sado (angulata) é vendida para o mercado nacional.

Mas João acredita que, tal como aconteceu com os franceses, os portugueses vão ficar também mais exigentes em relação à qualidade e vão querer ostras mais homogéneas – é que, explica, neste caso, ao contrário do que acontece com o peixe de viveiro, as ostras selvagens não são melhores. Até porque as de viveiro alimentam-se com a mesma água que as outras, enquanto os peixes de aquacultura são alimentados com farinhas.

Outra questão importante, salienta o produtor, é que os viveiros junto à costa permitem que, com as subidas e descidas da maré, a ostra apanhe sol. “Duas ou três horas a apanhar sol vai ajudar a casca a engrossar. E elas têm um músculo que abre e fecha quando estão sem água. Assim que sentem água abrem-no. Se esse músculo não é exercitado, elas vão aguentar menos tempo depois de serem embaladas. Ao fim de dois ou três dias começam a aliviar e a perder água.”

Além de que toda a ostra produzida tem que, por lei, passar 24 horas numa depuradora por razões de segurança alimentar. “Como são animais filtrantes, se houver poluição nas águas vai ficar dentro deles. Por isso a depuração em tanques de água pura é importante para garantir que não vão provocar problemas.”

Foi por causa deste interesse crescente que, ao fim de alguns anos a trabalhar para o mercado francês, onde não tem marca própria (as ostras feitas em Portugal são vendidas sob as marcas dos diferentes compradores franceses), João decidiu lançar, em Janeiro, as Ostras Découverte, para o mercado português. “O passo seguinte será a internacionalização com esta marca no mercado espanhol, que começa também a crescer, no irlandês, no holandês.”

As Découverte crescem, em parte, no estuário do Sado (estas são chamadas “mouriscas”), mas na sua maioria são feitas no Algarve, na zona do Alvor (são as “formosas”). “Aqui [no Sado] as condições naturais do rio são muito boas para o desenvolvimento da ostra, é um rio que tem muitos nutrientes, mas as condições de trabalho são muito mais duras, há muita lama, os custos de produção são maiores. No Alvor é mais areia e pode-se trabalhar com tractor, como se faz em França.”

E o resultado é diferente? “No final, a ostra que cresce no Algarve é um bocadinho mais branca, o que tem a ver com o alimento. Em termos de sabor, a do Sado é um pouco mais doce, e no Inverno ainda mais porque, como é um rio, tem a mistura das águas das chuvas. No Alvor é só oceano, por isso a salinidade é mais alta. Quando se come a ostra do Algarve sentimos um sabor mais forte a mar.” Assim, mesmo vindas de uma maternidade francesa, estas ostras alimentam-se das águas portuguesas – e não é isto um produto de terroir, mesmo que aqui a terra seja o mar?

5 coisas que devemos saber sobre ostras

1. Calcula-se que haja no mundo uma produção anual de ostras de cerca de cinco milhões. O maior produtor é a China.

2. A espécie dominante (97%) é a crassostrea gigas.

3. Tal como todos os mariscos, a ostra é melhor no Inverno. No Verão os mariscos estão mais magros porque canalizam a energia para a reprodução. Além disso, os bivalves ficam leitosos e com um sabor menos agradável.

4. As ostras comem-se vivas. Sinal de que estão mortas é a concha abrir-se sozinha. Para ser fresca a ostra tem que estar fechada. 

5. Não é fácil abrir uma ostra. Convém ter uma faca especial com a qual se corta o músculo adutor que se localiza no início do segundo terço da ostra. Aberta a concha, é preciso separar o músculo que une a carne à concha de baixo. Umas gotas de limão e está pronta.

--%>