Fugas - prazeresdeverao

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Apanhar uvas, pisá-las e descobrir vinhos na Quinta do Ventozelo

Por Alexandra Prado Coelho

Vindimar como turista tem muito de prazer e pouco de suor. O que se aprende sobre vinhos quando se mergulha as pernas num lagar para pisar uvas acabadas de colher? Fomos ver como é numa das maiores quintas do Douro.

Estamos a meio de Setembro e por todo o Douro já se vindima. Houve quem começasse logo a meio de Agosto ou quem esperasse mais uma ou duas semanas, mas agora grande parte das uvas estão já prontas a ser colhidas, por isso há muito trabalho para fazer ainda durante algum tempo.

O barco espera-nos no Pinhão para nos levar Douro acima até à Quinta do Ventozelo. Está uma manhã linda, não faz demasiado calor. Dão-nos um lenço tabaqueiro, vermelho, para pôr ao pescoço, igual ao que os trabalhadores usavam antigamente, e um chapéu de palha. Partimos. Nas encostas à nossa volta erguem-se as quintas do Douro Vinhateiro, com os seus patamares e as linhas de videiras, ora direitas, ora ondulantes. 

Aquela para onde nos dirigimos é uma das duas maiores da região. São 400 hectares, 200 dos quais ocupados por vinha (estão a ser replantados 40 hectares, nos quais as castas estrangeiras como o Merlot e o Cabernet Sauvignon vão ser substituídas por castas portuguesas), aos quais se junta o olival e uma área grande de caça.

A Quinta do Ventozelo foi comprada no ano passado pelo Grupo Gran Cruz, que pertence aos franceses do La Martiniquaise, produtores de vinho do Porto desde os anos 1940 e hoje os maiores exportadores deste produto. Dos seus 200 hectares de vinha tira-se uva para vinho do Porto, mas começa-se também a fazer vinhos do Douro — alguns dos quais acabam de chegar ao mercado.

Jorge Dias, director-geral do Grupo Gran Cruz, também de lenço tabaqueiro ao pescoço e chapéu de palha na cabeça, conta-nos que a quinta existe desde o século XVI, mas que escavações arqueológicas revelaram vestígios de uma aldeia de Ventozelo desde o século XII. A plantação da vinha, essa, terá começado mais tarde, pelo século XVIII.

Somos um grupo privilegiado. Chegamos à vindima depois de um breve mas muito bonito passeio pelo Douro, quando já passa das 11h. Em jipes e carrinhas de caixa aberta subimos as encostas íngremes, por entre os carreiros de vinha, até chegar ao lugar onde está gente a trabalhar a sério. Fátima é uma delas. Já passou dos 60 anos mas levanta-se às 4h30 da manhã para, com outras mulheres, vir de Castro d’Aire, estar aqui duas horas depois e começar a vindimar pelas sete. Quando chegamos já leva várias horas de trabalho, mas isso não lhe tira a boa disposição.

É ela que nos mostra como fazer para apanhar os cachos de uvas com a tesoura que acabam de nos dar. Vamos apanhando e colocando no balde que depois iremos despejar para uma caixa maior. Não está muito calor, o que é bom — Fátima diz que este ano já chegou a vindimar com 48 graus — e o trabalho faz-se rápido.

Claro que os olhos mais experientes destas mulheres que todos os anos trabalham nas vindimas e noutros períodos ajudam na poda e em diferentes trabalhos, conseguem ver os cachos mais escondidos que nós deixámos passar. Mas no final não fica nada na videira e as caixas estão cheias dos cachos de bagos pequenos e apertados da Touriga Nacional.

Os trabalhadores seguem para outra parte da quinta e nós damos por terminada a muito breve colaboração com eles e dirigimo-nos à zona dos lagares de pedra onde é feita a pisa a pé — que aqui acontece, para já, numa escala muito pequena, para experiência. Não somos trabalhadores a sério mas temos fatos a rigor. Para além do lenço tabaqueiro, recebemos agora uns calções azuis e uma camisa azul e vermelha aos quadrados e é assim que, depois de umas limonadas (ou um copo de vinho branco, para quem preferir) para refrescar, somos convidados a entrar nos lagares.

Dos seis que aqui existem apenas dois estão cheios. Um está a receber uvas neste momento, através de uma mangueira que vem do exterior, enquanto no outro as uvas estão já desde quinta-feira a fermentar, deixando que a polpa se mantenha em contacto com a película e o futuro vinho ganhe cor e corpo. Para que esse processo aconteça é preciso fazer mergulhar a manta, ou seja, essa camada de películas e grainhas que vem ao de cima no tanque. É essa a nossa função: levantar a perna e obrigar a manta a mergulhar.

Somos vários e desorganizados, por isso, em vez de obedecer ao ritmo da pisa tradicional, disparamos cada um para um lado, divertidos com a sensação de mergulhar as pernas até acima do joelho no líquido, que tem uma temperatura agradável provocada pelo processo de fermentação.

Há algumas tentativas de formarmos uma linha de cada lado para avançarmos à ordem de comando de um líder — neste caso é Jorge Dias que assume a função, lançando um “esquerda, direita, um, dois, esquerda, direita”. Melhor ou pior, e entre risos, obedecemos, mas, tal como aconteceu nas vinhas, em nada nos assemelhamos a quem realmente sabe fazer pisa a pé — um processo que tem que ter, pelo menos no início, um ritmo lento e compassado e que se prolonga por quatro horas seguidas.

Mas, já se sabe, para os turistas das vindimas — que é o que somos por um dia — a vida é sempre facilitada, por isso em breve passamos para o outro lagar, que está a receber as uvas acabadas de chegar e onde a temperatura é mais baixa. Aí a sensação é diferente: o chão é mais escorregadio e os nossos pés esmagam realmente os bagos de uva. Mas a experiência é agradável e ficaríamos ali de bom grado mais algum tempo, não fosse alguém anunciar que do forno de lenha da casa dos caseiros está a sair um cabrito.

O anúncio é feito por um entusiasmado Miguel Castro e Silva. O chef — que tem o restaurante deCastro Gaia no Espaço Porto Cruz, onde iremos jantar mais tarde — passou os últimos dois dias na quinta para preparar um vinho que fará, com a marca Ventozelo. Este ano já fez dois, que acabam de ser lançados, um branco, o Ventozelo Viosinho Douro 2014, e um tinto, o Ventozelo Syrah Regional Duriense 2014.

Mas para 2016 o desafio é maior. Desta vez será um vinho de lote e Miguel Castro e Silva escolheu as castas Tinta Amarela, Tinta Roriz e Alicante Bouschet, para fazer uma brincadeira, uma espécie de versão do Douro de um vinho que faz com o enólogo Rui Reguinga no Alentejo e que leva castas semelhantes, embora com nomes diferentes (a Tinta Amarela é a Trincadeira e a Roriz é o Aragonez). “Desta vez não me limitei a escolher um lote, fui mais além e tornei-me um pouco enólogo”, diz, satisfeito com a experiência.

Marca construída lá fora
O desenvolvimento e exportação dos vinhos do Douro, e em particular os da Quinta do Ventozelo, é uma das grandes prioridades do grupo Gran Cruz para o próximo ano, explica Jorge Dias. Embora se trate ainda de um nicho. “Faremos 200 mil garrafas de vinho do Douro contra 25 milhões de vinho do Porto”, sublinha.

“A compra da Quinta do Ventozelo, no final do ano passado, permite-nos não só criar uma marca premium, mas também aprovisionarmo-nos de uvas para as outras marcas do grupo, a Porto Cruz e a Dalva.” Com a marca Ventozelo acabam de chegar ao mercado o Ventozelo Douro Viosinho 2014, o Branco de Ventozelo Douro 2014, o Ventozelo Syrah Regional Duriense Unoaked 2014.

Para perceber onde estamos e qual a estratégia do grupo, é preciso recuar no tempo e contar um pouco da sua história. “A Cruz é a maior marca internacional de Porto, exporta anualmente 10 milhões de garrafas para todo o mundo”, afirma Jorge Dias. “Mas é uma marca que foi quase construída fora do país”, sobretudo com a histórica campanha em França em que uma mulher de negro é fotografada em várias paisagens de Portugal, acompanhada pela frase “O país onde o negro é cor”.

“A Gran Cruz é uma empresa familiar que se desenvolveu sobretudo no pós-guerra”, prossegue o administrador, que ocupa este cargo desde 2009. “Inicialmente comprava vinho a granel em Gaia para o engarrafar em Paris. Mas em 1975, a seguir à revolução, a família decide vir investir em Portugal para começar a fazer o aprovisionamento na origem, antecipando-se em 15 anos à decisão do Estado português de proibir a exportação a granel. A partir de 1982, começam a engarrafar exclusivamente em Gaia.”

O que está a acontecer hoje surge na continuidade deste percurso. Em 2007, o grupo comprou a empresa C. da Silva, proprietária da marca Dalva, tornando-se dona de um valioso stock de barricas de vinho do Porto, entre as quais vários Colheitas, categoria que, segundo Jorge Dias, está a ser cada vez mais valorizada sobretudo pelos consumidores ingleses.

Surgiu depois o enorme investimento, de 16 milhões de euros, numa moderníssima adega em Alijó, inaugurada no ano passado, e a abertura do Espaço Porto Cruz, na marginal de Vila Nova de Gaia. É aí, no restaurante, que provamos os novos vinhos da Dalva e de Ventozelo. Uma oportunidade para Jorge Dias mostrar não só o potencial dos vinhos da quinta mas também novas formas de consumir vinho do Porto (este é outro dos desafios do grupo, para chegar aos consumidores mais jovens), seja em cocktails (entre os quais um gin que leva uma bola de gelado de Porto branco), seja a acompanhar uma entrada com sabores fumados, como o creme de batata-doce, gema e cavala fumada, apresentado por Miguel Castro e Silva.

A Fugas viajou a convite do Grupo Gran Cruz

 

 

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