Teresa Ruão podia até ser apresentada como uma exemplar guardiã das comidas naturais e genuínas, mas é bem maior o sonho e ambição desta filha da burguesia rural que teima em não abandonar a terra e a cozinha tradicional. Já andou, é certo, pelo mundo empresarial, mas a memória e o gosto pela cozinha de raiz rústica e rural nunca lhe deram sossego. Passaram quinze anos desde que, em boa hora, decidiu partilhar esse gosto abrindo as portas do casarão de granito da Casa de Louredo para servir refeições com a saborosa marca dos produtos e saberes locais, mas nem isso a sossega.
Ao casarão do século XVII associa agora as antigas casas de caseiros e aposentos de apoio à agricultura, recuperados para turismo de habitação, e também a velha cozinha foi integralmente recuperada. Acolhe grupos para a confecção e degustação de petiscos da mais genuína cozinha tradicional, e funciona como Escola de Cozinha e Sabores da Terra. “O segredo é não ter segredos”, diz Teresa Ruão, que orienta essas Oficinas de Sabores “dedicadas ao ensino das técnicas de confecção da mais tradicional comida da região de Entre Douro e Minho”, com destaque para os ciclos relacionados com as sopas, a matança do porco e os doces festivos.
E como esta é a época do capão, foi neste contexto que preparou um desses corpulentos e saborosos galináceos. Assou no forno durante quatro horas, permitindo que entretanto se preparassem os rojões, as pataniscas, a bola de carnes e ainda umas deliciosas tortas de São Martinho, saborosa especialidade de Penafiel entretanto desaparecida. Tudo em volta da lareira e com o lume a crepitar.
É no pote de três pernas que se cozem os rojões, envoltos pela própria gordura. Cortadas em pedaços, as carnes são antes temperadas com alho picado, folha de louro e um golpe de vinho branco. Sobre o fogo da lareira está ainda a grelha com a sertã onde alouram as tripas enfarinhadas e o tacho para o qual são transferidos os rojões depois de cozinhados e onde gordura solidificada (pingue) os há-de conservar pelo tempo necessário. Provaram-se no prato e sobre fatias de pão de milho que os tornam ainda mais delicados e apetitosos.
Antes já a fofas pataniscas de bacalhau e a bola de carnes (enrolada e cortada em fatias como se fosse uma torta) tinham mostrado como é diferente e saborosa a cozinha de lareira. Especiais mesmo são as tortas de São Martinho, que juntam o doce e o salgado num pitéu de antigamente e que há muito se apagou na tradição da culinária da região. Eram, ao que dizem, famosas as da Casa das Tortas, em Penafiel, mas das quais pouco mais resta que a memória. Teresa Ruão recuperou a receita, que passa por uma massa de pão trabalhada como se fosse folhada e com gordura de vaca para a tornar mais maleável. A carne, de vaca velha, é longamente refogada em vinho branco, com alho, louro, cravinho, noz-moscada e pimenta preta, e depois finamente esfiada. A massa com o recheio é dobrada em meia lua (ao estilo do pastel de Chaves) e polvilhada com canela e açúcar.
Tostado e crocante
Enquanto isto, já o capão tinha por três vezes sido rodado no forno, ao ritmo de uma volta por hora. Por se tratar do galo capado, o bicho torna se mais corpulento e as suas carnes mais macias e suculentas, mas há que ter cuidado para que assadura e sabor sejam uniformes. Na Cozinha da Terra começa a ser preparado de véspera, quando é colocado a marinar em água e sal.
O recheio é preparado com as miudezas do próprio galináceo, vitela e fumeiro, num leve refogado temperado com cebola, alho, louro e alecrim. E há ainda que ser bem atestado para que a pele não venha depois ceder e a estalar com a assadura. Para isso, é também depois barrado com uma papa de cebola, alho, salsa, malagueta e pimentão doce com vinho branco e vai ao forno envolvido numa folha de alumínio. “É como se fosse assado ao vapor. A pele fica porosa e vai absorvendo o tempero, que mantém a carnes macias e suculentas”, explica Teresa Ruão, acrescentando que há que ter também cuidado para que na primeira hora o bicho fique com o peito para baixo, de modo a reter o máximo de humidade. Ainda para contrariar a secura, é também colocado dentro do forno um tacho com água que vai mantendo alguma humidade através da evaporação.
Só depois da última volta é que o animal é despido da folha de alumínio, de modo a que a pele fique tostada e crocante e liberte toda a gordura para o molho, que é coado antes de ir à mesa.
Das finas e suculentas fatias de peito, aos nacos de coxa e pele crocante, tudo tem um sabor único - do forno a lenha e da arte culinária, mas também de ingredientes naturais e genuínos que são, afinal, o maior segredo da verdadeira cozinha da terra.
O capão é, por tradição, um produto de temporada mas que bem pode também ser degustado em qualquer altura, desde que previamente encomendado. Para além dos pitéus de temporada, na Cozinha da Terra há também um arroz de pato já distinguido com vários prémios, bacalhaus, cabrito e vitela, tudo com a mesma chancela do forno a lenha e as receitas da tradição.
O mesmo saber e carinho nos doces e sobremesas, que vão da tarte folhada de maçã com nata e canela ao pudim da avó e pão-de-ló húmido. Tudo, claro, de confecção caseira. Nos tempos mais recentes, o destaque vai para um bolo de noz que acompanha com um gelado e doce de ovos, que parece mesmo irresistível.
- Nome
- Cozinha da Terra
- Local
- Paredes, Louredo, Largo da Herdade, 8 (Casa de Louredo)
- Telefone
- 255780900
- Horarios
- Terça a Domingo das 12:30 às 15:00
Sexta-feira e Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 22:00
- Website
- http://www.cozinhadaterra.com/
- Preço
- 40€
- Cozinha
- Trad. Portuguesa