Fugas - restaurantes e bares

Luís Efigénio/ NFactos

Há Gato no Porto

Por Andreia Marques Pereira ,

O Aqui Há Gato, no Porto, entra na sua segunda vida: já é bar e mantém as suas raízes de casa das artes. Um oásis citadino e informal à espera de ser descoberto. Entre felinos, pois claro.

Que ali há gato, nós não duvidamos. A nossa única objecção é a quantidade: ali há gato, ali há gatos. Há-os de ferro, em pé, deitados; há-os de carne e osso, mas aqui temos de confiar no que nos dizem. Não os vimos, nem sequer a ninhada que se abriga no fundo do quintal. Mas já nos estamos a adiantar. Ainda não chegamos às traseiras inesperadamente bucólicas da Rua de D. Manuel II, centro do Porto de olhos postos nos jardins do Palácio de Cristal (que já não é de cristal nem palácio, Pavilhão Rosa Mota, portanto). 

Entramos no Aqui Há Gato como quem entra numa casa, inesperadamente aberta à rua: a porta e a janela-montra, por onde se espreita para uma quase sala de estar: sofás, de ferro negro e almofada bege, aparador de ferro com flores numa jarra, floreira de vários andares com plantas, uma instalação que parece uma antiga alfaia agrícola com um "homem" de ferro sentado, candeeiros e gatos espalhados nas superfícies, um baú. A parede, lilás escuro, e três degraus de pedra completam este primeiro cenário. Não é sala de estar nem esta é uma casa no sentido de lar - mas até é uma boa simulação.

E uma reencarnação. A segunda deste Aqui Há Gato, que nasceu há um ano para os lados do Carvalhido. No início era para ser apenas o atelier de Patrícia Santos, com um bar a funcionar. "Quando os meus contratos de trabalho terminaram, pensei criar o meu próprio posto de trabalho", lembra. Porém, esse projecto foi "frustrado" - como havia colegas na mesma situação (isto é, desempregados), o que seria um atelier de artes plásticas, a área de formação de Patrícia, tornou-se num projecto multidisciplinar, com os contributos dos tais colegas com percursos na área da dança e música.

No Carvalhido o Aqui Há Gato era uma escola de artes - "não profissional, de tempos livres", sublinha João Cardoso, o outro sócio-gerente do espaço e namorado de Patrícia - e galeria - o bar teve de "cair" pelo condicionalismo do espaço (havia apenas um de apoio às actividades da escola). Quando chegou a vez de esse espaço "cair", começou a urgência de encontrar novo poiso e o destino assim o quis: na segunda casa cumpriu-se o bar. 

Contudo, já nos estamos a adiantar outra vez. Não foi uma procura fácil - em desespero, até para os lados das Galeria de Paris buscaram, mas os preços estavam super-inflacionados. Ainda bem. Tinham um dia para decidir quando lhes falaram da placa "Aluga-se" que este edifício ostentava. Foram ver e foi "amor à primeira vista", diz Patrícia. "E havia um gato à porta, o que era um sinal", brinca. Claro que os gatos deles, os que inspiraram o nome, já vinham de trás, e de longe. De Óbidos, mais propriamente (de onde vem também a ginjinha que aqui servem - mas, novamente, estamos a avançar).

O projecto ainda estava a fermentar, quando o casal passou uns dias em Óbidos. Numa loja de artesanato às portas do castelo encontraram uma série de gatos de ferro - aí, foi paixão: "Comprámos a colecção toda". E quando voltaram sabiam que o nome desse novo projecto teria de andar à volta dos gatos. De jogo de palavras em jogo de palavras, de trocadilho em trocadilho, "aqui há gato" pegou.

Aqui, como dissemos, há gatos. Cinco, contabilizam - os de ferro e o real - deixando de fora a ninhada que não chegamos a ver. São figuras tutelares deste espaço que se distribui por três andares (e meio) e que tem logo no rés-do-chão o bar, finalmente (que é o que "acaba por dar lucro", uma vez que as mensalidades aqui "são baixas" - 30 euros mensais para aulas de guitarra).

E, como quem espera sempre alcança, este bar até vem com esplanada-jardim-quintal, uma faixa estreita e comprida que se some na cidade como se no campo estivéssemos - ou não fossem o cantar dos pássaros (de manhã, há sinfonia, asseguram), o latir de cães, o ruído do vento, a banda sonora mais persistente, debaixo de árvores (uma nespereira gigantesca entre elas), entre muros de pedra. A compor o cenário rústico, não falta sequer uma ruína granítica ao fundo, que em breve se tornará uma cozinha regional, com sala de petiscos e nova esplanada: "Esta será mais recatada". A outra, a já existente, é a "dos copos".

Por enquanto, a cozinha do Aqui Há Gato é uma "cabana" de jardim, de madeira, à saída da sala do bar, que dá para as traseiras, um nível abaixo do jardim. "Tem todas as condições de segurança", realça João, e permitiu manter intocada a estrutura original da casa. Onde, neste nível sobressai o bar, quase minimalista num estilo clássico muito contemporâneo: as paredes recuperam o lilás da entrada e estão cobertas de posters vintage emoldurados - no meio, um enorme relógio de parede que mais parece um relógio de bolso tamanho XXL dá as horas em numeração romana e veio direito da Loja do Gato Preto, dizem-nos entre sorrisos.

O balcão é negro (como o chão, pintado por cima da madeira) e há uma pequena prateleira que faz as vezes de biblioteca pouco ortodoxa (entre os livros ali à mão, a certeza de encontrar vários volumes do Hiper Disney) - há também wi-fi e em breve haverá jogos de tabuleiro e baralhos de cartas à disposição de quem se quiser sentar nas cadeiras de palha a rodear umas poucas mesas de ferro com tampo de vidro que preenchem este interior. 

Na esplanada, entre empedrado desalinhado e gasto, e outro reluzente e geométrico, há vários conjuntos de mesas abrigadas por grandes guarda-sóis brancos - de madeira, com cadeiras que parecem bancos de jardim, de ferro e vidro, e metálicas, negras, compridas, servidas por bancos corridos que são úteis para os grandes grupos que se juntam para refeições. Sim, porque a ausência da cozinha regional não impede a presença de comida.

Há petiscos sempre (as estrelas são os caracóis, as tostas de galinha e o presunto com queijo das ilhas, como se pode ver numa lousa pousada na esplanada, numa antiga floreira de pedra agora viveiro de erva, ao lado das especialidades líquidas: sangria de vinho tinto, de espumante, de frutos vermelhos - e há branca ainda -, caipirinha e cocktails); para grupos maiores de dez, há jantares à base de grelhados (na brasa) e saladas (o menu que passará a ser diário e sem mínimos de presenças em pouco tempo). Produtos nacionais, "de qualidade", algumas ofertas insuspeitas (como as madeirenses poncha e nikita) e hábitos importados, como o das mini-tapas que acompanham as bebidas (milho seco e tremoços com a cerveja, as línguas de gato com o café, por exemplo) - que serão tapas de corpo inteiro em noites especiais: a cerveja aumenta de preço (de €1,20 passa a €2) e vem acompanhada de petiscos.

O terraço não é só para estar, também é para fazer - espectáculos. Ao fim-de-semana pode virar palco para concertos, teatro (dos "alunos" da escola - ontem fizeram o segundo espectáculo aqui), cabaret circense (ainda por "estrear" - será em Setembro ou no Natal, depende da disponibilidade do artista, a estudar em Madrid).

A música, essa, anda sempre no ar. No bar, é a bossa nova, o jazz e os blues - com algumas ousadias rock pelo meio - que compõem o menu; mas como esta é uma casa das artes, as aulas e workshops que funcionam todo o dia podem incluir música de guitarra, piano, cavaquinho e adufes, por exemplo, que transborda para todo o lado. Sons intemporais, portanto, nacionais e internacionais, numa casa que "não quer ir em modas" - quer ir de boa onda em boa onda. Com gatos, mas sem dúvidas ou suspeitas.


A escola

Na primeira vida, o rés-do-chão deste Aqui Há Gato, não existia - porque não havia bar, então. Existia o que agora fica nos dois andares superiores da casa: uma galeria (por estes dias tem exposição de Cyntia Estevinho, retratos algo viscerais), uma sala de dança (espelho numa das paredes, duas portadas viradas para a rua, aparelhagem para dar o(s) ritmo(s)), uma sala de música (já vamos no segundo andar e ainda incompleta - ou completa de forma insuspeita: na marquise, uma banheira antiga sob as janelas que dão para a esplanada), e uma sala de artes plásticas (na verdade uma e meia - porque há escadas para um sótão com varanda - onde há aulas e iniciativas individuais para quem quiser ocupá-las fora de horário lectivo).

A escola volta em força em Setembro com "menu" reforçado, em horários entre as 10h00 e as 24h00, com incidência nos pós-laborais. Na dança, o hip hop, as latinas, as africanas, e as danças tradicionais do mundo vão ter novas companhias - nestas últimas, incluir-se-ão também as portuguesas ("é um aposta"), e haverá break dance, Broadway e jazz (de três em três meses, oficinas de dança contemporânea). O tai-chi e a capoeira vão regressar e na música o investimento forte continua a ser na guitarra, no piano (digital, por enquanto), na percussão africana, na bateria - porém, os workshops de instrumentos tradicionais portugueses serão reforçados.

Nome
Aqui Há Gato
Local
Porto, Porto, Rua D. Manuel II, 222
Telefone
912066377
Horarios
Segunda-feira e Terça-feira das 10:00 às 00:00
Quarta-feira e Quinta-feira das 10:00 às 02:00
Sexta e Sábado das 10:00 às 04:00
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