Fugas - restaurantes e bares

Este não é um Rádio pirata

Por Andreia Marques Pereira ,

Há vinis nas paredes, rádios antigos em prateleiras e sempre muita gente a dançar. O Rádio Bar virou costas ao rio e ancorou na Baixa do Porto com emissões altamente dançáveis. Por enquanto funciona a duas velocidades, em breve acelerará e o comprimento de onda vai crescer.

Chamar-lhe-íamos super-bar indie, se ele não quisesse fugir do rótulo indie. E chamar-lhe-íamos isso porque, no fundo, é o produto de uma união informal entre dois bares-mecas-da-música-alternativa do Porto: o Rádio Bar (que também chegou a ser Rádio Sushi Bar), que emitiu durante quatro anos ali em Miragaia (que é como quem diz, a mirar o Douro) uma playlist imprevisível, num comprimento de onda entre o rock, pop, electrónica, mas sempre "do outro lado", fora do mainstream - até que fechou em 2009; e o Mercedes (como é mais conhecido, mas de nome oficial O Meu Mercedes é Maior que o Teu), quase mítico, que está há mais de 15 anos a conduzir-nos pelos meandros da música "menos comercial", num dos cantinhos da Ribeira quase encostada à Ponte Luís I.

Agora, o know-how dos dois bares uniu-se nesse tal bar, a que chamaríamos super-bar indie, se as coisas fossem absolutamente lineares. Mas não são, avisam os proprietários - e aqui veja-se a divisão: Pedro e Ricardo Salazar, os irmãos por detrás do Rádio (Sushi) Bar, e Abel Montenegro, António Matias e José Bastos, ligados ao Mercedes. E já podemos esquecer as linhagens, porque estamos no novo Rádio Bar, que voltou ao ar e passou a transmitir da Praça Filipa de Lencastre, bem na Baixa portuense. E até podíamos esquecer o indie e alternativo ("porque já não é o estilo de música que define um bar", dizem-nos), se não descobríssemos (e ainda bem) na agenda do bar noites como "Some Cool Rock Indie Pop Music By Master Supreme Abel Montenegro" ou "Sonic Nights Out!!! Rock n Indie".

Já voltaremos à música, por enquanto vamos à mudança de cenário. Primeiro, foi o Rádio Bar original que "encolheu" (o primeiro piso foi fechado), depois encerrou. Em Junho de 2009. "Porque estava fora do roteiro", justifica Pedro Salazar, "agora está tudo no centro do Porto". Os clientes também se mudaram para aqui, logo, lá foi o Rádio atrás de um novo posto emissor. E, bem no centro do furacão noctívago, encontraram-no - o edifício ideal: espaço (amplo) perfeito, acrescido de carga simbólica.

O público que dança quase até ao nascer do dia pode não o saber, mas Camilo Castelo Branco foi aqui julgado. Quando "aqui" era o Tribunal Criminal do Porto. Foi também o Clube Primavera, frequentado pelo jovem Manoel de Oliveira que lá voltou para filmar Porto da Minha Infância. Mais recentemente, foi encruzilhada de e para o Minho, num movimento contínuo de camionetas. Desde há dez anos, nada, além de abandono. "Achámos por bem não deixar cair o edifício e dá-lo a conhecer à cidade", explica Ricardo Salazar.

Estamos no rés-do-chão, bar e clube, apinhado de gente que dança MGMT e Smiths, Jefferson Airplanes e Waterboys e não imaginamos o que há por cima de nós. Esta parte - a única já em funcionamento, além da esplanada-jardim que abriu na noite de São João (e ainda estão lá os "destroços" da festa em forma de bandeirinhas e balões coloridos) - era a que não merecia "salvamento". "Em baixo, não havia nada para aproveitar. Só um arco de pedras, que ficou à vista", sublinha Abel Montenegro. "Era, basicamente, uma garagem de camionetas", resume. Assim, foi mais fácil intervir: entramos para a zona de bar, que exibe uma das imagens de marca do antigo Rádio, os vinis. Aqui, cobrem uma parede, os discos negros com as suas "bolachas" coloridas - também uma forma de recriar um pouco "as escamas" que rematam (e ornamentam) alguns dos edifícios da cidade, aponta Abel Montenegro. "A ideia também era puxar para o urbano, trazer um pouco da cidade para ali", continua - daí uma parede forrada com uma espécie de telha, cinza, inteira.

São pequenas metáforas, num espaço algo minimalista e cinzento (de cor mesmo) ocupado centralmente por um enorme balcão a meio caminho entre a entrada e a pista de dança, nas traseiras (e com porta para o jardim). Na parte da frente, as mesas e cadeiras e sofás brincando entre o negro, o branco e o vermelho e um antigo rádio com móvel; nas traseiras, um festival de cores, roxo, amarelo, vermelho, azul, verde num espaço que é pista de dança - com varão e, frequentemente, candidata(o)s a dançarina(o)s.

E, sim, o espaço é diferente (e será ainda mais diferente, como veremos), mas o espírito "é o mesmo". Boa qualidade: de serviço e, sobretudo, de música. "Não cedemos a playlists e é sempre altamente dançável", explica Ricardo Salazar. Não se vai em modas aqui no Rádio, dizem - dizemos nós: vão em modas, mas as modas aqui são intemporais, tanto se ouve uma música da semana passada como de há 50 anos; tanto se abandona o corpo em balanços inconsequentes como se improvisa um twist. E, por vezes, o alinhamento é irreverente, piscando o olho ao "mais comercial" - de há 25 anos, que esta coisa da passagem tempo dá uma patine imprevisível a (quase) tudo.

E quer toda a gente a dançar ("Quando as pessoas dançam é porque está tudo a correr bem", nota Pedro Salazar), "ao fim-de-semana, sobretudo". O mais cedo possível. Já tínhamos notado: uma da manhã e a pista está mais do que composta (é véspera de feriado). Não é coincidência, é mesmo para contrariar (o que acontece nos outros sítios). "Fazemos questão que isso aconteça", confessam. Assim, na Baixa onde "se janta, se toma café, se bebe um copo sem necessitar do carro", pode dançar-se antes das quatro da manhã subvertendo-se as rotinas já estabelecidas. Mas há rotinas que já existem no próprio bar. As sextas-feiras "pertencem" a Abel Montenegro ("Friday I''m in Love"), de resto, há rotatividade e tentativa de exclusividade, para que os DJ não sejam os mesmos que fazem todo o percurso da Baixa. E uma vez por mês há noite "Rádio Pirata": "Uma junção do rock actual com música antiga, com um pendor mais... kitsch", explica Pedro Salazar.

E este é o Rádio Bar que conhecemos, por enquanto. Em breve, os tentáculos espalhar-se-ão. Há um primeiro andar, um "meio andar" (não entramos em "Being John Malkovich" mas andamos lá perto) e um segundo andar - e a uni-los uma escadaria (precária, por agora) encimada por uma clarabóia brilhante. O primeiro andar é a terceira fase deste work in progress que é o Rádio Bar.

Aqui, entre salas de pé direito insuspeito para quem vê o edifício de fora, tectos trabalhados em madeiras e estuques a compor abóbadas e "pirâmides", remates de portas ornamentados de querubins dourados, está o edifício histórico que os proprietários não querem perder. Está tudo à espera da reconstrução (as obras deverão estar concluídas em Setembro ou Outubro), à imagem do que já existe, o que significa mais trabalho, mais tempo, mais dinheiro. Serão salas lounge, mais para estar (com vista privilegiada para a praça, ou não fosse servido de cinco varandas, ferro forjado a delinear as formas) do que para dançar (e a música aqui será ainda mais "livre", prometem, mas haverá também espaço para outro tipo de programação cultural) - e também para comer. Um restaurante faz parte dos planos e a cozinha até já está definida. Foi uma opção "lógica": convive-se entre a história, dança-se com a modernidade.

Nome
Rádio Bar
Local
Porto, Miragaia, Prç. Filipa de Lencastre, 178
Telefone
0
Horarios
Terça-feira e Quarta-feira das 14:00 às 20:00 e das 22:00 às 02:00
Quarta-feira, Quinta-feira e Sexta-feira das 14:00 às 20:00 e das 22:00 às 06:00
Website
http://www.radio167.blogspot.com
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