Eram os anos 80. Ninguém por aqui tinha visto um bar polinésio, e por isso as filas à porta do Bora-Bora depois da inauguração, em 1982, eram intermináveis. Dizia-se que lá dentro se serviam bebidas estranhas, em louça a imitar máscaras das ilhas longínquas do Pacífico e que das bocas das máscaras saía fumo.
Os lisboetas, que ainda há não muitos anos tinham corrido às salas de cinema para verO Último Tango em Paris, queriam agora ver máscaras polinésias a deitar fumo. E o sucesso era tal que, dois anos depois da abertura do primeiro bar, na Almirante Reis, os proprietários abriam o segundo, na Rua da Madalena. As mesmas estátuas à porta, as mesmas máscaras fumegantes, os mesmos odores doces, de frutas exóticas misturadas com álcool. Mais tarde abriu o Tangaroa, mesmo ao lado do primeiro Bora-Bora.
Passaram-se 30 anos. O Bora-Bora da Rua da Madalena está fechado há mais de um ano. O da Almirante Reis continua de portas abertas, com as máscaras impassíveis prometendo bebidas como o Testamento, inventadas por "deusas perversas para que todo o nativo sucumbisse aos seus fatídicos encantos".
Olhamos a lista. O Fogo Líquido promete "um paraíso de prazer" saído da união de rum, licor e "néctares nativos". Passamos. O Testamento, o tal da deusa perversa que convida a sentirmos "essa sensação estranha". Humm... talvez para a próxima. Noites de Bora-Bora parece suficientemente inofensivo, ao contrário do Escorpião, um "endiabrado sabor" que "penetrará no seu fino paladar" com a força com que penetram os tufões nas praias de Honolulu. Talvez seja excessivo para uma noite de segunda-feira em Lisboa, num Bora-Bora deserto.
Viemos para confirmar que ainda há coisas que não mudam. E confirmámos. A funcionária que nos recebe à porta conta que trabalha ali desde o início. E o barman que prepara as bebidas chegou nos anos 90. Os sofás baixos de verga são os mesmos, tal como a fonte pela qual a água cai de patamar em patamar, num som que ambiciona transportar-nos para uma ilha paradisíaca. Hoje vêm os clientes antigos, e já vêm os filhos e os netos deles, conta o barman.
Pedimos uma bebida não muito doce nem muito alcoólica. Mas pode ter fumo? Sim, claro, todas as bebidas podem ter fumo. Afinal, é só azoto líquido, não é magia negra de poderosos deuses polinésios que vieram passar a reforma a Lisboa. Vem então um Dr. Funk (será possível ser mais anos 80?), beberagem criada por um médico "que encontrou a fórmula de curar todas as doenças dos trópicos à base de runs e sumos naturais - decida-se por esta fonte de saúde bebendo Dr. Funk". Decidimo-nos. Mas que seja num copo Mata-Maridos, porque o efeito do fumo é mais espectacular.
Nos anos 80, tínhamos visto pouco mundo. E não tínhamos certamente visto a Polinésia. As raparigas na foto do menu das bebidas, com flores na cabeça e ao pescoço, lembravam as mulheres de Marlon Brando. E o fumo espalhava-se pelas mesas, inquietante.
Espreitamos a página do Bora-Bora no Facebook e está lá tudo: "Fui muito feliz aqui!!!", "Conheci este bar há muitos anos, muitos, e adorei os cocktail", "Gostei muito dos momentos que aí passei", "Sinto muita saudade dos bons momentos que passei neste incrível bar".
Eram os anos 80. O fumo parecia diferente. Chega a nossa bebida, com duas longas palhinhas, para partilhar, e cor de groselha. O fumo espalha-se devagarinho pela mesa, contorna o prato das batatas fritas e o dos amendoins. Tentamos convocar as deusas perversas e a magia negra, mas se calhar em 2012 já vimos demasiado mundo. Ou então é a crise que nos deixa menos polinésios. E o fumo, ao fim de algum tempo, já se desfez no ar. Será que devíamos ter pedido um Testamento?
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Preços: cocktails a cerca de 7€ por pessoa
- Nome
- Bora-Bora
- Local
- Lisboa, Alto do Pina, Av. Almirante Reis, 194 - C
- Telefone
- 218405873
- Horarios
- Todos os dias das 19:00 às 03:00
- Website
- http://www.facebook.com/polinesian.bar