Fugas - restaurantes e bares

Pedro Cunha

Vai um cocktail no bar-museu?

Por Luís J. Santos ,

Um ícone dos bares portugueses, o Pavilhão Chinês prossegue a sua evolução na continuidade. Em ambiente clássico e salas de estar forradas a milhares de peças e pecinhas, o bar do Princípe Real, em Lisboa, continua a atrair tanto turistas quanto os clientes de sempre.

Abre-se a porta, abrem-se os olhos de espanto... Abracadabra!, cantava Paulo de Carvalho nos anos 80, poucos anos antes de o Pavilhão Chinês, em 1986, abrir as suas portas e espantar muitos olhares com as suas cinco salas sobre decoradas e impor um serviço e carta esmerados. Duas décadas depois, o efeito Abracadadra mantém-se.  

A sobre decoração mantém-se, com milhares de objectos de artes várias. O serviço e a carta, especializada em cocktails, chás puros e álcoois de excelência, mantém-se. E até o gerente e proprietário do bar são os mesmos de sempre. Bem se pode apreciar a renovação contínua de muitos bares e afins, mas, não há dúvida que dá um certo conforto ao espírito saber que há coisas que nunca mudam, como este bar de tertúlias, passeios de turistas e bebidas para apreciar devagar a passagem do tempo. É tal o peso de instituição que se impõe a questão: mas é ainda um bar ou já passou a museu? A resposta deve estar algures a marear no Dry Martini ou no Daiquiri à nossa frente. E é de presumir que, antes do fim de um ou do outro, se apure a resposta.

Entretanto, vejamos: primeiro, admira-se a fachada ornamentada da casa que, já sob o nome de Pavilhão Chinês, foi uma antiga mercearia nos princípios do século XX; depois de se encontrar a porta fechada, como sempre, é tocar à campainha e aguardar que alguém, gentilmente, nos encaminhe para dentro. Por mais vezes que se cruze a porta, é sempre espantosa a sensação de que acabamos de entrar no salão de visitas de uma tia abastada e travessa com algum gosto pelo excesso. Isto, sabendo já que não estamos num museu, por mais que estas salas sejam verdadeiras galerias de artes, onde, nos armários recuperados da mercearia, nas prateleiras, paredes e até no tecto se espraiam infindáveis colecções de tudo.

Há medalhas, infindáveis exércitos de soldadinhos de chumbo, quadros, canecas, caricaturas, bandeiras, bustos, peças únicas de Bordalo Pinheiro, itens militares, carrinhos, enfim, uma miríade caótica de objectos. Ou quase, que a ordem de tudo isto deve ser muito clara na cabeça de quem a criou e é proprietário do espaço, Luís Pinto Coelho, uma referência nas últimas décadas para as noites mais tertulianas de Lisboa, cuja diligência deu origem a bares como o Procópio, Fox-Trot ou Paródia. Para o Pavilhão Chinês, trouxe a tradição dos bares clássicos depois de ampliar o antigo espaço da mercearia e recuperar todo o imóvel, incluindo a fachada ou os estuques artísticos. Muita feira, antiquário e afins deve ter percorrido Pinto Coelho para, com evidente gosto ecléctico e sentido de humor, ter encontrado tanta peça para decorar a casa.

Daí ser normal que a todo o momento haja gente a deambular pelas salas, apreciando esta exposição de um caos narrativo. Mas as passeatas são museológicas e não incomodam. A freguesia é respeitadora, entre os turistas em busca da surpresa descrita no guia aos clientes habituais, dos casais chegados em busca de um certo romantismo bem-educado, aos grupos de amigos ou mesmo aos fanáticos do snooker. E, para todos estes, a escolha do local não poderia ter sido melhor. O sítio, que também serve sanduíches, queijos e tapas várias, é ideal para escapar aos mares de gente e rios de cerveja em que facilmente escorrega o eixo Bairro Alto - Príncipe Real. Menos ideal para quem busca uma qualquer adrenalina noctívaga.

E, lá está a tal pergunta, é mais museu que bar? Não. É um quase museu, sim; mas os dois amigos do início desta conversa, o bom do Dry Martini e o belo do Adquiri, dão um contributo final à questão: os olhos bem podem deambular por tanto artefacto, mas os cultivados cocktails e a imponência da carta de chás e álcoois são a garantia de que a arte maior continua a ser o esmerado serviço de bar. O resto é conversa, que, como sabemos, é uma arte à parte e que, no Pavilhão Chinês, é também cultivada, claro, até porque a música ambiente é propositadamente ligeira e só perturbará quem se enerva com tons de tal leveza.

Referências

Chinês?
É só de nome: herdou-o da mercearia que por aqui vendia especiarias, chás, cafés e outras mercearias finas nos inícios do século XX. Quando em 1986 se tornou bar, por artes de Luís Pinto Coelho, manteve-o.

O livro menu
A carta do bar é um achado, uma obra de arte de 82pp em formato livro, repleto de ilustrações divertidas, da autoria de Luís Pinto Coelho, e que reportam à cultura boémia, dos clubes ingleses ou dos cabarés franceses, entre a caricatura e uns toques de erotismo, com muitas pin-ups à antiga.

Culto do cocktail
O portefólio inclui mais de 100 e a casa faz honra de cultivar a arte de bem fazê-los e bem bebê-los. Há os clássicos esmerados (o tal Dry Martini, o Daiquiri. etc) sem álcool, short, o da casa (Pavilhão Chinês, claro: inclui Rum e Curaçao citrinados e com toque de ananás), os longos, os old fashion (caipiras, Maris Virgin e Bloody, etc, etc.

Chás, mas chás mesmo
A carta é vasta na arte do chá, com três dezenas à escolha, incluindo alguns aromatizados e outros puros e duros: Ceilão, Índia, Formosa, China, Japão, Geórgia, Nepal, Quénia...

Snooker & fumo
Mantém-se a tradição da jogatina, com duas mesas ao dispor na última sala, que é também a única onde se pode fumar.

Nome
Pavilhão Chinês
Local
Lisboa, Santa Catarina, Rua Dom Pedro V, 89
Telefone
213424729
Horarios
Segunda a Sábado das 18:00 às 02:00
Domingo das 21:00 às 02:00
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