Há uns anos atrás, quando Suzana e Raul dirigiam, de forma exemplar, a Estalagem de Penedono, fora a descoberta de uma cozinheira talentosa, de paladar apurado, praticante de uma cozinha que respeita e faz sobressair as melhores qualidades de produtos seleccionados com rigor. Na altura ficaram-me na memória os pastéis de bacalhau e o bacalhau à Brás, mais a vitela grelhada servida com batatas a murro. Reencontrei o trio neste jantar da Casa do Largo e dou graças aos deuses por terem feito Suzana abandonar a sua profissão de engenheira agrónoma, conduzindo-a para o reino dos fornos e tachos, onde o seu talento e gosto conspiram para a criação de momentos de grande felicidade sápida. "Comeu-se muito bem!", comentou, com um sorriso de beatitude, um dos participantes no jantar.
Verdade! Tudo o que se provou, num caso ou outro com um toque de sofisticação que nunca perturba o registo de simplicidade e depuração da cozinha de Suzana, esteve perfeito. A saber: pastéis de bacalhau, rissóis de camarão e croquetes (1,5 euros cada três). Também podem ser servidos como prato a 12 euros, os pastéis com salada de feijão frade, os rissóis com arroz de tomate e os croquetes com arroz de manteiga. Três fritos, que andam por aí tão maltratados, são, na Casa do Largo, uma escolha feliz.
Também se saborearam uma salada de bacalhau cru (sete euros), com este em espessura de folha de papel, excelente, na companhia de grão-de-bico macio e bem temperado; um "carpaccio" de polvo (oito euros), servido com uma salada de várias alfaces e pedacinhos de Parmesão, com um "pesto", tudo de alto nível; e uns ovos mexidos, suculentíssimos, com "trombetas da morte" [um cogumelo muito aromático], sobre fatia aparada de pão de forma (oito euros), um mimo. Para este conjunto, mais o "couvert" (dois euros), com pão, umas rodelas de um bom painho alentejano, manteiga, azeite, atum de lata em molho de coqueteil e umas torradinhas da espessura de hóstias, irresistíveis, escolheu-se o branco Vértice de 2003 (23 euros), que está no auge, marcado por uma fruta fresca e um carácter mineral e corpo dionisíaco. Copos Riedel, dos que não têm pé, a ajudar à festa.
Os pratos de resistência escolhidos foram: bacalhau à Brás (10 euros); bacalhau assado com batatas a murro (16 euros), polvo panado com arroz de tomate (18 euros); vitela de Alcáçovas com arroz de legumes (20 euros); e vitela grelhada com batatas a murro (16 euros). O bacalhau à Brás, pedra de toque de uma cozinha séria, que quase sempre desilude, amarelinho de gemas de ovos que tudo - o bacalhau desfiadíssimo, a batata palha sem a gordura da fritura a perturbar, a cebola transparente - envolviam, sem mácula; o bacalhau assado com batatas a murro, posta do lombo bem demolhada, assadura no ponto, conjunto encimado por cebola, alho e pimentos doces ligeiramente fritos, batatas saborosas, azeite aromático e fino; polvo tenríssimo, panado com pão ralado, acompanhado por um arroz de tomate bem atomatado; a carne, em duas versões, a mesma qualidade, cor de caramelo por fora, rosada por dentro: a servida com o arroz de legumes (lombardo, feijão vermelho e cenoura), apenas com o molho que dela sai; a outra, a lembrar a posta transmontana, acompanhada por um molho de azeite, vinagre balsâmico, alho raspado e folha de louro.
Bebeu-se, com grande prazer, um tinto duriense, da região de Lamego, o Viseu de Carvalho Grade Escolha 2003 (26 euros). Quanto às sobremesas, optou-se pelos doces, todos a três euros e todos deliciosos: o bolo de chocolate servido a 0º, o pudim conventual e o gelado da Casa do Largo. O café também se recomenda. O serviço está à altura de tudo o resto. "Comeu-se muito bem!", cito outra vez. E acrescento: e também se bebeu muito bem!
- Nome
- 5 Sentidos - Casa do Largo
- Local
- Cascais, Cascais, Largo da Assunção, 6
- Telefone
- 214831856
- Preço
- 25€
- Cozinha
- Portuguesa