Fugas - restaurantes e bares

  • Daniel Rocha
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O gosto alentejano da resiliência

Por Fortunato da Câmara ,

Talvez um restaurante não tenha as mesmas vidas de um gato, mas o Rolo já conseguiu amealhar algumas. De Portalegre até Lisboa, Francisco Rolo trouxe a vontade felina de não deixar morrer a sua cozinha do Alto Alentejo que os clientes se tinham habituado a apreciar com prazer.

É contra ventos e marés que remam aqueles que teimam em manter-se de pé. A solução costumeira é aquiescer que “é a crise” e assim deixar-se morrer um sonho, um projecto, ou um negócio sensível como é um restaurante. Felizmente ainda há pessoas como Francisco Rolo, que em vez de alinharem num relambório de desgraças dão aquele doloroso “passo em frente” que define os audazes e que não se enleiam em amarguras. Neste caso foram “milhares de passos” desde o Alto Alentejo até chegar à capital e se plantar à beira Tejo.

Quando há cerca de quinze anos me “estreei” como cliente do “Rolo” em Portalegre a surpresa foi grande e interessante. Na parte de baixo de um edifício situado na zona alta da cidade, com a estrada para Marvão ali mesmo à mão, encontrava-se um restaurante alentejano que não se baseava apenas na habitual oferta de cozinha regional, mas tinha uma ementa personalizada cuja aposta era a qualidade das carnes e o domínio da grelha. As visitas repetiram-se.

Alguns anos mais tarde parti de Évora para o tentar encontrar em Cabeço de Vide, e lá o descobri a funcionar numa antiga estação de comboios recuperada. A sala era agora mais luminosa e ampla, e funcionava no antigo armazém de mercadorias. O espaço tinha um cariz hoteleiro que lhe tirava algum do encanto castiço que tinha a decoração de Portalegre, mas por outro lado permitiu que a oferta de entradas petisqueiras crescesse bastante. A surpresa maior foi quando em 2011 me depararei com um enorme letreiro a dizer “Rolo – Grelhados do Norte Alentejano” mesmo junto às bombas de gasolina nas imediações da Torre Vasco da Gama, em Lisboa.

Os edifícios da actual cidade judiciária ainda estavam por ocupar e já Francisco Rolo se posicionava para que lhe fosse feita justiça à tenacidade que teve em vir para Lisboa “ao encontro dos seus clientes”, como me disse nessa altura. A entrada “oficial” na crise forçou muitos a deixarem de “ir para fora” ao fim-de-semana, um simples decisão racional e de contenção, que fez agonizar e perecer boa parte da restauração no interior do país. Será que este desafio urbano prejudicou a matriz e originalidade do Rolo? Após algumas visitas a respostas é ambivalente.

O conceito proposto baseia-se numa extensa zona de entradas quentes e frias servidas em tachos de barro que está disponível aos fins-de-semana (durante a semana vem para a mesa um prato com alguns petiscos), e em complemento há uma lista de carnes grelhadas com diferentes cortes e tipos de peças entre origens bovinas e porcinas. Para quem preferir peixe há sempre um exemplar do dia (de espécie variável) para grelhar, ou então um “bacalhau assado à moda dos lagareiros”, e até um inusitado “camarão à alentejana” (!?). Neste último caso, se a ideia do prato for do anfitrião até o podia baptizar com nome próprio (como faz noutros pratos da lista: “à Dr. Berengas”, ou “à Dr. Graça Moura”), pois não há rasto de tradição que “case” um camarão com um “à alentejana”. Voltando às carnes, também se pode encontrar, embora sem regularidade garantida, costeletas de borrego com ervas aromáticas, espetadas ou febras de javali, e veado em escalopes ou igualmente em espetada.

Num saquinho de papel, chegaram quentinhas umas belas fatias de “Pão alentejano” (2 euros) e um pratinho de muito bom “azeite alentejano” (2 euros), o que ainda valorizou mais a simbiose perfeita dos dois produtos. Na mesa estava um suporte de madeira com um excelente trio de porco composto por presunto, copita e paio. Estas carnes não foram solicitadas, no entanto há que referir que estavam envoltas em película transparente, ficando protegidas de uma exposição ao ar desnecessária caso não sejam consumidas. Seguiu-se pelas “Entradas frias e quentes” (5 euros ou 12,50 euros), um extenso rol de petiscos onde uns brilharam mais do que outros.

As “Pataniscas de bacalhau” a saberem ao dito, de fritura seca e escorreita, mas um pouco massudas e com um intrusivo sabor a alho, ingrediente estrangeiro à maioria das preparações tradicionais. As “Bochechas de porco”, temperadas com massa de pimentão e estufadas vagarosamente surgiram gulosas e a lascar. Os “Passarinhos fritos” em azeite e bem temperados com alho e louro deram o seu sabor marcado através dos mini peitos e coxinhas. Gulosos estavam os “Pezinhos de porco”, com o respectivo osso, o que não impediu a carne de se delir na boca. Saborosas versões fininhas de linguiça e farinheira grelhadas. Os “torresmos de rissol” frios, de fritura em hora distante e nada crocante, característica que os torna irresistíveis quando estão quentes. Uma competente, embora deslocada, chamuça de frango, e uns mini pastéis de bacalhau que ora se mostram banais, ora se destacam entre os demais aperientes. As moelas tenras cozinhadas num molho rico em tomate e pimento. Na boa “salada de favas com linguiça” sobressaía um refrescante toque aromático a hortelã. E muito ficou por provar.

Os pratos principais centraram-se nas carnes com as “Plumas de porco preto” (18 euros, cerca de 6 mins.) e o “Lombete de porco grelhado”, aberto ao meio e ainda assim suculento (17 euros, cerca de 12 mins.), a serem dois bons exemplares de qualidade de produto (tanto no porco de raça alentejana como no “doméstico”), e confecção atenta. Muito boa a “Posta de novilho” (27 euros, cerca de 12 mins.) num naco alto e devidamente rosado e suculento no interior do corte. Deliciosa a “Costeleta de vitela do montado” (21 euros, cerca de 10 mins.), também conhecida como “vitela branca” (em França é muito prestigiada a da região de Corrèze), e cujo animal (com 6 a 12 meses) por ser criado em regime semi-extensivo evidencia um agradável sabor lácteo da sua carne pouco vermelha e uma consistência delicada. Num prato compartimentado vêem diversas guarnições: migas (muito boas); mini cenouras; couve ripada e salteada; e puré de maçã. Cumprem bem a função de acompanhar, mas sem deslumbrarem.

Tenho reservas em relação à “unção” de várias carnes diferentes com molhos à base de azeite e ervas aromáticas, ou com alho e pimento picado misturado com azeite. Reconhecendo que são preparações agradáveis e que por vezes complementam o sabor de carnes mais intensas como a de porco, não deixo de verificar que também obliteram parte das qualidades gustativas naturais de uma peça de sabor mais refinado como a vitela ou o novilho. Este reparo deve-se ao facto do usos de alguns molhos não ser sempre nos mesmos “cortes” parecendo não haver um critério definido. A referência que a ementa faz aos tempos de grelha é sensata para com o cliente e indicadora de que a preparação é “ao momento”.

Na “Mesa de doces” (6; 8,50; 13; ou 16 euros) com preços que variam consoante o tamanho do prato, pode escolher-se livremente de entre cerca de uma dúzia de guloseimas, algumas delas de origem nos conventos de Portalegre. A prova de sobremesas andou pela óptima “Encharcada de nozes” do convento de São Bernardo, um “Arroz do Japão” rico em gemas e de textura corrida que tem herança no Convento de Santa Clara. A popular “Boleima de maçã” surgiu húmida e macia como convém a este bolo simples do norte alentejano. Feito num tabuleiro, o bolo surge cortado em quadrículas, recheadas com pedaços de maçã polvilhados de canela e açúcar. O Sr. Rolo faz também uma derivação com frutos vermelhos. Deliciosamente inteligente o “Torrão real de castanha” em que este “fruto” emblemático da época outonal faz as vezes, e muito bem, da amêndoa na receita típica de Évora. A pular fora da cerca regional surgiu um “Pudim Abade de Priscos”, de cozedura deficiente a apresentar rachas no corte das fatias, e sem acrescentar nada à qualidade superior das restantes sobremesas.

De referir que além da lista se pode optar por uma espécie de menu “chave na mão” em que por 35 euros/pax se pode degustar sem restrições o bufete de entradas, saborear uma selecção de carne grelhadas, passar às sobremesas, e ter bebidas incluídas, com a selecção vínica a ter natural pendor alentejano.

Duas notas a reter: Francisco Rolo é exímio a grelhar as diversas carnes, respeitando o ponto de cada uma, e tem talento para escolher bem o produto que em Lisboa até arrisco dizer que a qualidade carnal é mais regular que no Alentejo. Por outro lado acho que com a excelência de carne que tem e a sabedoria a manuseá-la, o que não é pouco numa cidade em que é difícil encontrar este produto com qualidade e bem tratado, talvez merecesse dar mais destaque a cada peça sem molhos “distractivos” da excelência da matéria-prima. O buffet de entradas, tendo um visível esforço de confecção de toda a variedade apresentada poderia brilhar mais se não fosse tão extenso. Privilegiar a regularidade no nível de execução das confecções seria um ganho para os dois lados, com mais sabor, menos desperdício e algumas “novidades” a cada fim-de-semana. O facto é que aqui há muito trabalho e dedicação, e o “Rolo” fugiu ao compressor da crise para enriquecer o panorama da restauração lisboeta sem ir em tendências, mas a apostar na resiliência – que até é “palavrão” tendência.

Nome
Rolo - Grelhados do Norte Alentejano
Local
Lisboa, Santa Maria dos Olivais, Alameda dos Oceanos, Galeria Rio Plaza, Loja 6
Telefone
218954816
Horarios
Terça a Domingo das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:30
Website
http://www.restauranterolo.com/
Preço
30€
Cozinha
Alentejana
Espaço para fumadores
Sim
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