Assim é também com a rica gastronomia da região, desde sempre avessa à adopção de novidades, à introdução de produtos ou técnicas vindas do exterior. Uma das mais marcantes características da cozinha minhota é mesmo a quase exclusiva utilização dos produtos locais, dos legumes do quintal que todos cultivam à criação do porco, cujo desmanche proporciona uma miríade de inigualáveis iguarias, como as papas ou o arroz de sarrabulho, os rojões ou a suprema delicadeza que constituiu o célebre pudim Abade de Priscos, que só é possível graças à utilização do toucinho do reco. "O Minho, com raras excepções, sempre comeu o que produziu. Como produtos de importação importantes na sua dieta apenas se podem assinalar o arroz e o bacalhau. Trata-se de uma cozinha de forte identidade", resume Alfredo Saramago no livro "Cozinha do Minho".
É, por tudo isto, território árido para aquilo que se possa considerar como cozinha criativa ou de autor, o que valoriza ainda mais experiências de ruptura como são os casos de Amaya Guterrez e a sua requintada Quinta do Prazo, em Valença, ou o já famoso São Gião, de Pedro Nunes, em Moreira de Cónegos. Também no Baixo Minho e não muito longe deste último, numa estrada interior entre Vila Nova de Famalicão e Braga, está o Ferrugem, uma experiência igualmente ousada e inovadora que se propõe desbravar caminho a partir dos produtos e da tradição locais.
Assim é também o espaço. Um antigo estábulo, do início do século XVII, foi exemplarmente recuperado para dar lugar a uma sala, ampla, agradável e com um enorme pé direito, capaz de acolher cerca de quatro dezenas de comensais. O cuidado trabalho de arquitectura manteve toda a traça granítica original, agora enquadrada por um surpreendente pórtico de entrada em chapa de ferro nua, que lhe confere o efeito de ferrugem que dá o nome ao restaurante.
O serviço é cuidado e esmerado, a casar com o ambiente de confortável elegância, e as propostas evidenciam a preocupação de recolher o melhor da tradição, mesclando-o com as modernas técnicas e tendências da cozinha actual. A visita do PÚBLICO coincidiu com a apresentação da ementa de Verão - que já na próxima semana dará lugar à de Outono -, da qual constavam um prelúdio (2 euros) composto por pão de água (nas versões de azeitona com tomilho-limão, maçã com canela e pasta de azeite com bálsamo de alho e estaladiços de lombo de porco); sorvete de caipirinha (1,70 euros); e creme de legumes (2,50 euros).
Como primeiro momento (6 euros) propunha-se lascas do lagar de bacalhau sobre cama de legumes salteados de crocante de pão com chouriço; pato com pinhões e uvas passas em massa tenra, sorvete de tangerina e redução de vinho do Porto; ou taco de porco preto com aveludado de castanhas e redução de vinagre balsâmico.
Um segundo momento (12 euros) convocava uma salada de frango panado em amêndoa, meloa da Póvoa, folhas da horta e pétalas de queijo de cabra; duo selvagem de robalo e boletos em arroz malandro (mínimo duas pessoas); pasta de vitela ao perfume de alecrim com batata a murro, creme de grelos e pimentos marinados; ou bochecha de porco em rojão minhoto e favas à batatada com beloura de Ponte de Lima.
O terceiro momento (4 euros) avançava com pêra rocha do Oeste em redução de vinho do Porto com tarte de queijo; língua da sogra com mousse de chocolate negro e espuma de morango; sorvete de maracujá e espumante em copo de gelo; ou fruta laminada.
A lista oferece ainda a opção por um menu de degustação (20 euros) ou um menu empresarial (10 euros), ideal para uma refeição mais rápida e ligeira entre as obrigações profissionais.
Além da qualidade da confecção e cuidado na selecção dos produtos, destaque para as lascas de bacalhau sobre cama de legumes e crocante de pão com chouriço, que convocam o melhor dos sabores tradicionais e dão mostras de poder convencer mesmo os mais avessos à inovação culinária. Também o duo de robalo e boletos com arroz malandro deu mostras daquilo que pode a cozinha do Ferrugem, ficando mesmo a vontade de uma experiência a solo, tal a volúpia desencadeada pelo macio aveludado do tortulho e do arroz que o complementava.
Quanto às sobremesas, diga-se que a pêra rocha do Oeste em redução de Porto com tarte de queijo é já uma espécie de ícone da casa e com prémios conquistados e que o sorvete de maracujá com espumante e gelo é bem o exemplo das saudáveis ousadias que caracterizam o Ferrugem.
Nos vinhos, louve-se a teimosia de reforçar a ligação aos produtos locais, fazendo o casamento com vinhos da região, mas a lista, sem ser exaustiva, abrange um leque de razoáveis propostas de todo o país. Treze brancos, vinte tintos, dois rosados e seis espumantes, com algumas opções de serviço a copo.
Dalila e Renato Cunha são os responsáveis pelo projecto, tendo abdicado de afazeres académicos e empresariais noutras áreas para se dedicarem à paixão pela alquimia da cozinha. Uma saudável ousadia que só pode merecer aplauso e incentivo.
- Nome
- Ferrugem
- Local
- Vila Nova de Famalicão, Vila Nova de Famalicão, Rua das Pedrinhas, 32
- Telefone
- 252911700
- Horarios
- Terça a Domingo das 12:00 às 14:30 e das 20:00 às 22:30
- Website
- http://www.ferrugem.pt
- Preço
- 35€
- Cozinha
- Portuguesa
- Espaço para fumadores
- Não