Estamos na Travessa da Cedofeita, que pode estar a caminho de se tornar o negativo da Rua das Galerias de Paris - o que as "galerias" têm em pose, esta tem em descontracção. É o Espaço 77 e agora esta Casa de Ló, que confunde quem espreita, mas, espreitando, é irresistível.
Um lugar com história, este, onde durante mais de um século funcionou a Casa Margaridense com o pão-de-ló, geleias e marmeladas do contentamento de tanta gente. Quando fechou, Sara Pinto e Adriana Rocha rondaram à espera do sinal "aluga-se" na fachada - enquanto procuraram espaços na Rua do Almada, na Rua de Miguel Bombarda... O projecto era o mesmo, para uma fuga à rotina de vidas no ensino: um espaço "vários-em-um", bar e qualquer coisa mais. A antiga Casa Margaridense, que Sara Pinto guarda nas memórias de infância, foi o ideal - e transformou a ideia de "qualquer coisa mais" em algo concreto, que abriu "oficialmente" no final de Janeiro.
Nem todos tivemos uma Casa Margaridense na infância, mas muitos de nós tiveram uma mercearia antiga, como se fosse a sépia, balcões e móveis de madeira pintados a casca de ovo, gavetas empenadas, portas que não fecham (mas a nossa mercearia não teria o interior dos móveis pintado a vermelho...). A Casa de Ló versão mercearia ainda é assim, uma cristalização do passado, o que antes era utilitário é agora "espécie protegida" - "aqui fizemos essencialmente trabalho de restauro", conta Sara Pinto. Mas nas prateleiras não se empilham anarquicamente bens de consumo, estão organizadas como expositores e o que está lá dentro são só produtos nacionais feitos de forma tradicional (é a herança da Casa Margaridense com um âmbito mais alargado): é o pão-de-ló Margaride, é a marmelada em tigelas, geleia e compotas (tudo Casas do Lúcio), o chá Gorreana (Açores), as bolachas Zira, o chocolate Mestre Cacau, os sabonetes Confiança, os rebuçados Dr. Bayard (e da Régua), as andorinhas de Bordalo Pinheiro, livros de cordel, lousas, vinho, licores...
Antes de avançarmos pelas portas duplas (encimadas por um relógio antigo, legado dos anteriores locatários) para o bar que também é salão de chá (ou será ao contrário?), ainda tropeçamos num antigo cofre - ali se guardavam as receitas da Casa Margaridense, confeccionadas do outro lado das portas. Os fornos agora são vestígios no terraço - já lá iremos -, a sala de luz baixa e paredes de granito com friso de madeira foi completamente transformada durante os 12 meses que duraram as obras. O resultado é despretensioso, algo austero mas acolhedor: há o balcão imponente de madeira, o mesmo material de cadeiras e mesas espartanas - estas com tampos de xisto pintado que fazem as vezes de lousa: escreva-se, desenhe-se, vale tudo -, com o vermelho algo desmaiado sempre a intrometer-se. As portas-janelas dão para um pátio. É a parte incompleta da casa, diz Sara, falta a esplanada, que deverá ser montada este mês. Por enquanto, parece um oásis alentejano no meio do Porto, paredes brancas e bancos improvisados com as pedras do antigo forno - é também a zona de fumadores e será uma espécie de cineclube ao ar livre (parede branca a servir de tela).
Entre a tradição e a contemporaneidade, a Casa de Ló instalou-se e parece que conseguiu o que queria: um público diversificado dos dois lados, um encontro de gerações. "Não queríamos chocar as pessoas mais velhas que vinham à antiga Casa Margaridense", refere Sara. Neste fim de tarde, as portas do bar abrem-se, duas mulheres, a caminhar entre os 50 e os 60 anos, saem e perguntam pelo pão-de-ló - se é o mesmo - e se têm suspiros também. "Ainda não", responde Sara, "mas estamos a pensar nisso". "Olha, têm os ladrilhos", diz uma, apontando para os quadrados de marmelada. "Passaram a tarde no salão de chá", conta Sara, onde se pode comer pão-de-ló à fatia (1,20€) e tomar refeições ligeiras, ao almoço.
Por isso a política musical da casa durante a tarde - à noite há mais liberdade. "É variada, mas tem de ser música para que ninguém tenha vontade de sair", explica Pedro Augusto, responsável pela programação musical. Não pode estar muito presente e tem de agradar. Saímos com a voz de Nico a assombrar "all tomorrow"s parties". Mas a noite ainda estava a começar - as portas fecham às 2h00 (e abrem às 12h00).
Lúdico
Num canto, as "prateleiras dos brinquedos": tabuleiros de damas e xadrez, mikado, baralho de cartas, Uno. E jornais e revistas: não é preciso muito para nos sentirmos em casa. Às vezes, até se vai mais longe: Sara lembra uma manhã em que chegou e tinha um jogo da macaca desenhado no chão (sim, pintado com uma tinta especial também pode funcionar como uma lousa gigantesca).
A música é omnipresente na Casa de Ló. Durante a tarde e nas noites de semana anda ao ritmo de quem "faz o bar". Ao fim-de-semana entram os DJ e até os concertos - por enquanto um, o segundo está previsto para este mês - sem limitações de géneros. Além da música, o espaço está aberto a exposições (a primeira abre por estes dias), "performances" de teatro e projecção de filmes. E nas prateleiras há livros - de pequenas editoras, com a Plana e Alma Azul.
- Nome
- Casa de Ló
- Local
- Porto, Cedofeita, Travessa da Cedofeita, 21
- Telefone
- 933619615
- Horarios
- Segunda a Quinta das 12:00 às 00:00
Sexta das 12:00 às 02:00
Sábado das 14:00 às 02:00
- Website
- http://www.myspace.com/casadelo