Fugas - restaurantes e bares

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«As Vicentinas» estão como novas. O espírito é o de sempre

Por Luís J. Santos ,

Ao fim de um meio século de vida , “As Vicentinas” têm salão de chá renovado, com nova gestão e nome. Agora Casa de Chá de Santa Isabel, continua a saber conjugar chá (e muito mais), "calor humano" e solidariedade social. E, como sempre, os lucros vão alimentar obras de beneficência.

Ainda não entramos e já percebemos que vamos beber um chá de tempo. Sobre o rendilhado intrincado dos azulejos da fachada, uma velha e sóbria placa que reza Casa de Nossa Senhora do Amparo e é sublinhada com uma ondulada Obra Vicentina. Quase ao lado, uma placa a fumegar novidade, com design moderno e chamativo fundo rosa: diz Casa de Chá de Santa Isabel e, por baixo, Vicentinas. Pela montra, o grande salão até parece mostrar-se tal como se dá a ver desde sempre, mas pressente-se mudança e a ausência do certo ambiente quermesse que se avistava. Em quase palco, uma mesa com seu serviço de chá funciona como chamariz. Será que, ao fim de quase meio século de dar chá a Lisboa em nome da beneficência, as Vicentinas de São Bento mudaram?

A resposta é tanto sim como não. "Quisemos dar uma imagem mais fresca, mais jovem, mais moderna", resume-nos Rita Assunção, que agora dirige a casa. À primeira entrada, há muita gente a ficar surpreendida com as novas paredes verde-água ou cadeiras cor-de-rosa. Mas, com mais ou menos traços modernos, uma coisa é certa: "o espírito tem que se manter". O espírito e muito do que tornou este salão de aconchego, conhecido como As Vicentinas, célebre e estimado: os chás e uns idolatrados scones, os bolos e toda a comida caseira, a afabilidade e o contributo para a solidariedade social.

Criada por um grupo de beneméritas em meados do século passado - as Vicentinas da Obra de Nossa Senhora do Amparo -, a casa começou por servir como espaço de exposição e venda de modas. Isto porque o grupo apoiava famílias em necessidade, nomeadamente ensinando uma arte às senhoras: "a costura". As Vicentinas forneciam tecidos, máquinas e treino e os trabalhos eram vendidos em vendas organizadas. Onde, desde finais da década de 1950, se servia chá e, claro, os scones, cuja fama foi crescendo até suplantar o conceito inicial. E assim se viveram anos e anos n' As Vicentinas de São Bento. Mas, nos últimos tempos, a casa foi vendo as suas impulsionadoras desaparecerem. 

Em 2012, a paróquia local, Santa Isabel, decidiu que para manter o projecto seria necessário transferi-lo para outras vicentinas. Fecharam durante o Verão, fizeram uma operação de rejuvenescimento, mudaram alguns conceitos e propostas "sem deixar para trás nenhuma das tradições". E reabriram, "modernas", "com cores mais leves", numa casa mais "fresca" e arrumada. Conceição Moreira Rato, paroquiana voluntária ligada à área da restauração, iniciou a renovação. E Rita Assunção, com muita experiência em projectos de voluntariado na paróquia durante mais de uma década, foi convidada pelo padre José Manuel Pereira de Almeida para guiar "As Vicentinas" séc. XXI. A própria actualização da casa passou por muita solidariedade. Álvaro Roquette, decorador e antiquário, ofereceu o seu trabalho para o projecto, que passou por renovar praticamente tudo, do espaço em si ao mobiliário ou loiças. E houve quem oferecesse materiais, mão-de-obra, fizesse bons preços ou facilitasse o pagamento.

Mudam-se os tempos e a decoração, mas não se mudaram vontades: os lucros continuam a ir para obras sociais da paróquia e, na ementa, apesar de inovações, mantém-se as atracções clássicas. "As pessoas reagiram 98% bem à mudança", conta Rita. Ainda assim, "há uma ou duas senhoras mais idosas que não gostaram das cores leves... Mas a maior parte acha graça". E não se pense que a freguesia é apenas de um determinado nível etário; "vai dos poucos meses aos 98 anos" e "há muitos jovens que vêm para cá estudar e confraternizar".


O convento do chá

Sendo esta "uma casa marcadamente religiosa", como Rita sublinha, é também "aberta a toda a gente. "Não é um espaço para evangelizar ninguém", resume, ciente de que muita gente continua, mesmo com esta nova vida, a pensar que é gerida por freiras. Nada disso, são leigas, voluntárias e/ou profissionais, sem nada de vida conventual. "Até há roteiros estrangeiros que nos aconselham, apresentando-nos como parte de um mosteiro...". Faz tudo parte da lenda. 

Neste salão rústico, de facto quase conventual, as paredes rugosas guardam sinais e ícones cristãos. "Roma", "Amor", lê-se em dois quadros. Há paredes decoradas com citações da Bíblia, outras com santos e imagens religiosas, o presépio permanece em exposição o ano inteiro, nas mesas há orações ("mas quem quer lê, quem não quer não lê", diz logo Rita). "Sei que temos pessoas que vêm cá e não são crentes mas que se sentem bem neste espaço de amor e alegria".

Pela casa, recantos e mesas para lanches ou refeições mais ou menos íntimas. Uma das grandes novidades da nova Vicentinas (como a casa continua, e decerto continuará a ser conhecida) é precisamente a oferta de refeições. Há almoços, jantares para grupos e até se pode ir buscar comida para levar para casa ou fazer encomendas. "Tudo caseiro e feito cá", sublinha Rita. Na cozinha, manda agora a jovem "chef" Mariana Rosado, que fez a escola de hotelaria. 

"As pessoas procuram o espaço pela qualidade dos scones e do resto, mas procuram-nos sobretudo porque somos um espaço diferente na restauração, não queremos ser ‘um' restaurante", diz-nos Rita. É que, como sublinha, "todos os lucros revertem para obras da paróquia": o trabalho da obra vicentina no apoio a idosos e famílias, as "colaborações com o banco alimentar, as comparticipações de remédios" e outras ajudas.

Um dos projectos apoiados directamente é a Ceia de Santa Isabel, que, duas vezes por semana oferece refeições a pessoas carenciadas, famílias e idosos - e, na verdade, a qualquer pessoa -, como "num restaurante normal". "As pessoas entram e sentam-se à mesa com toda a dignidade. Por vezes, os voluntários fazem companhia e conversam com quem está mais sozinho". Os voluntários servem à mesa, lavam a loiça, cozinham. Um projecto que "não é apenas alimentar, é também para combater a solidão, fazer comunidade, ajudar na crise", um projecto feito de "calor humano" como, aliás, é a própria casa de chá d' "As Vicentinas".

Aqui, o trabalho voluntário alia-se ao trabalho profissional - como aliás sempre aconteceu. Além de voluntários, "a casa precisa de empregados, porque há serviços que é preciso manter, há leis a cumprir e é essencial ter pessoas qualificadas e certificadas", lembra. Mas, no fundo, cada colaborador dá um pouco mais de si. "Ainda na sexta, trabalhámos umas 18 horas para organizar um jantar de grupo. Digamos que metade foi trabalho, metade foi voluntário, é sempre assim". "O voluntariado é bom, a boa vontade é fantástica. Mas depois precisamos também de ter técnica. Hoje em dia, o voluntariado só por si já não basta". Por isso mesmo, estabeleceram uma parceira com a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa e o Hotel da Estrela, que "vêm dar formação aos voluntários e empregados". Até o menu, sinal dos tempos, "foi revisto por um chef, que fez ‘engenharia de carta'".


O espírito da mesa

Fiquem descansados os fãs: as preciosidades clássicas - os scones, por exemplo -, continuam imaculados e segue-se a mesma receita. Para lanches ou sobremesas avantajadas, há os decanos bolo russo (amêndoa doce, ovos ou nata), o de caramelo, o de chocolate ou o moka. E novas adições, mais "light", como o bolo de maçã. Há sumos e batidos, chocolate quente e, obviamente, muito chá, dos clássicos às tisanas tradicionais portuguesas, da cidreira à erva-príncipe, e novas misturas. Ao almoço, bufete, há sempre dois pratos, de peixe e carne - pode ser lombo de porco com mostarda, um bacalhau, favas ou feijoada ou um arroz pato. Entre empadas, rissóis e croquetes, é de provar novidades como a sopa de castanhas e cogumelos. Para ficar de água na boca, basta seguir para o Facebook oficial.

Além das comidas e bebidas, a Casa de Chá de Santa Isabel tem mais para oferecer: a programação paralela pode incluir tertúlias e palestras (religiosas mas não só), cursos (até de mandarim), ateliers e workshops (de costura criativa, por exemplo, fazendo jus à história da casa) e muito mais. 

É todo um conjunto de propostas que pretende ir muito além de um normal espaço de restauração, que o aconchego das Vicentinas sente-se na casa, nas ementas, nos voluntários e profissionais que aqui trabalham. Especialmente "em tempo de crise", sublinha Rita Assunção, esta casa "é um bom exemplo de alegria, numa altura em que as pessoas estão tão tristes e desanimadas". "É trabalhar para algo maior", resume. "E os clientes que aqui vêm sentem-se a contribuir do mesmo modo".

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Preços: Chá desde 2€ (bule); scones 1,10€; chocolate quente 2,50€; fatia de bolo 2€. Almoço bufete 7,80€ (sopa, prato e acompanhamentos), prato do dia 6,30€.

Nome
Casa de Chá de Santa Isabel (Vicentinas)
Local
Lisboa, Lisboa, Rua de São Bento, 700
Telefone
213887040
Horarios
Segunda a Sexta das 11:30 às 19:00
Sábado das 16:00 às 20:00
Website
http://www.casadecha.org
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