Fugas - restaurantes e bares

Nelson Garrido

Café Candelabro

Por Pedro Rios ,

Numa antiga livraria alfarrabista da Baixa do Porto, nasceu um café com livros lá dentro e que mantém a alma da velha Candelabro. Descobrimos um espaço onde os fins de tarde são a melhor altura do dia para conversar.

O dia gasta as últimas réstias de luz. As pessoas metem-se dentro dos carros ou caminham, a passo apressado, rumo aos transportes públicos que os hão-de levar para casa, depois de um estafante (ou nem por isso) dia de trabalho. Na esquina da Rua da Conceição com o Largo Mompilher, um discreto rectângulo da Baixa do Porto, surgiu, no final de Dezembro do ano passado, uma alternativa a este cenário.

Miguel Seabra e Hugo Brito, primos, de 38 e 36 anos, respectivamente, montaram o Café Candelabro, a pensar no entardecer. Em países como Espanha ou Inglaterra, o luscofusco é um dos períodos mais desejados para conversas entre amigos. Em Portugal, por alguma razão, os encontros ficam quase sempre para depois de jantar. Os primos acharam que no Porto a culpa estava também na falta de espaços.

"O ideal de bar que tínhamos era um sítio onde se pudesse tomar um copo ao fim da tarde", diz Miguel. Algo que era "muito difícil" no Porto, "a não ser num bar de hotel", complementa o sócio. O projecto existia na cabeça dos dois há pelo menos cinco anos. "A ideia foi sempre recuperar um sítio, que o próprio espaço tivesse carisma", aponta Miguel.

O espaço ideal veio parar-lhes às mãos. Miguel e Hugo vivem no mesmo prédio do último proprietário da livraria Candelabro (inaugurada em 1952, era um importante ponto do roteiro alfarrabista da zona), que os informou de que pretendia mudar-se para um espaço maior. A livraria passou para a Rua de Cedofeita, a poucos passos dali, e no seu lugar surgiu o Café Candelabro, no "largo mais bonito do Porto" (garantia de Hugo Brito).

É um espaço a meia-luz, com decoração sóbria, a meio caminho entre o passado e a contemporaneidade. "Não queríamos que voltasse a ser um alfarrabista, mas queríamos que mantivesse a alma dos livros", explica. Conseguiram: os livros estão um pouco por todo o lado, nas estantes fixadas nas paredes ou na montra (nela encontramos, por exemplo, um guia prático de fotografia, uma fotobiografia de Manoel de Oliveira, livros sobre o expressionismo alemão e o cinema no Estado Novo e uma máquina de escrever com as primeiras palavras de O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, aliás, Bernardo Soares).

Há livros à venda, mas outros podem ser lidos pelos clientes, enquanto bebem ou petiscam qualquer coisa. A vertente livreira do espaço "vai ter que crescer", mas "não é um negócio fácil de entrar", reconhece Hugo Brito. O café é um "ponto de partida" para um projecto maior que passará pela edição de livros e pequenos eventos, como a apresentação de obras literárias e revistas.

A selecção literária espelha a formação e o percurso dos dois sócios, com passados ligados à fotografia, escultura e belas-artes. Miguel esteve ligado ao projecto multidisciplinar Artmosferas, no Porto, misto de espaço artístico com bar. Hugo trabalhou "mais de 20 anos" em restaurantes e bares no Algarve e foi arqueólogo subaquático.

A inspiração marinha reflecte-se no mobiliário deste café com livros lá dentro. Como num navio, os móveis adequam-se facilmente a várias funcionalidades. Foi um dos frutos do diálogo entre os mentores do projecto e António Pedro Valente, também responsável pela arquitectura da vizinha Casa de Ló.

A intervenção arquitectónica foi mínima. As montras são as mesmas, a pedra foi limpa e os vitrais foram descobertos (estavam "tapados desde sempre") e revelaram a sua beleza. Intacto ficou também o mosaico do chão, do início do século XX, comum nas casas antigas do Porto. "Não poderia haver nenhuma agressão no espaço", refere Miguel Seabra. Uma mala de viagem do pai de Miguel e um relógio do avô são alguns dos objectos decorativos do Candelabro.

A música deu o mote no brainstorming entre sócios e arquitecto. A Factory de Andy Warhol foi uma inspiração, mas, sobretudo, os Morphine. A sensualidade melancólica, vagamente "jazzística", da banda do falecido Mark Sandman foi "o ponto de partida": quando imaginavam um espaço deste tipo, Miguel e Hugo ouviam sempre os Morphine como banda sonora. E em que é que se vê a inspiração dos Morphine? Na luz, "especial, dentro e fora" do café.


Referências

Música a meia-luz
A música reforça as características acolhedoras do espaço. É "uma ambiência intimista que cria uma predisposição para as pessoas se sentirem à vontade", descreve Miguel Seabra. A selecção musical espelha o ambiente a meia-luz do Candelabro: os Morphine, venerados pelos dois sócios, Velvet Underground, Tom Waits, Tindersticks e Nina Simone são presenças regulares.

Serviço de hotel
O Candelabro distingue-se de outros espaços de lazer da Baixa do Porto por funcionar também durante o dia. A partir das 22h00 e até às 2h00, transforma-se num bar, sem perder a pacatez. Os donos gabam-se de oferecer "serviço de bar de hotel a preço de café". O Vinho do Porto, por exemplo, custa apenas 1,5 euros e é servido num copo com a dignidade que o néctar merece. As torradas custam 1 euro e servem-se com compota, manteiga e mel.

Nome
Café Candelabro
Local
Porto, Porto, Rua da Conceição, 3
Telefone
966984250
Horarios
Segunda a Sábado das 13:00 às 02:00
Website
http://cafecandelabro.blogspot.com
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