Tem poucos meses de existência - mesmo assim, mais do que pensámos - mas já tem "apelido": 22. É o "22", não o Baixa 22, o nome oficial, que anda de boca em boca. É o "22" como o eléctrico que ainda há pouco vimos passar, castanho e bege, turista empoleirado à frente, máquina de filmar numa mão (a outra a agarrar-se firmemente a um poste) a seguir um grupo de estudantes - caloiros, supõe-se - a cumprir mais uma etapa do calvário da praxe. É o eléctrico turístico do Porto, com passagem pela Praça Filipa de Lencastre. E paragem - era nessa paragem que os proprietários do Baixa 22 se reuniam. "''Onde estás?'' ''Estou no 22''" eram trocas de palavras recorrentes. Eram e são, mas agora o "22" tem tecto e paredes. É um bar, sim (e é escritório e armazém, pois os proprietários dividem-se ainda pelo vizinho Praça - e a Casa do Livro, também nas redondezas), e é uma homenagem declarada ao eléctrico.
Na parede lá está, uma imensa tela com o eléctrico 22, o "original" (que é verde, amarelo e branco e "agora está no Museu do Carro Eléctrico", sublinha Pedro Trindade, um dos sócios), a espreitar num canto. Mas a primeira homenagem, talvez involuntária, não é ao eléctrico nem é primordialmente visual. É olfactiva e homenageia o antes. O antes de o "22" ocupar os números 203/206 da praça: o antes era uma carpintaria e é o cheiro da madeira que nos envolve quando passamos a soleira da porta. Depois, somos envolvidos visualmente pela madeira. Está por todo o lado e o resultado é rústico-urbano, quase como uma tasca sofisticada, atrevemo-nos a sugerir a Pedro Trindade. Sem objecções.
Não é só o cenário. Há ainda o leit motiv do "22". O vinho, ou melhor, a sangria. O Praça é o bar dos cocktails, porque não um bar de sangrias?, pensaram. Não é à toa a referência ao Praça: é duas portas à frente e, constatou-se, perdia-se lá muito tempo a preparar sangrias. "O Mário [outro sócio] é conhecido entre os amigos por preparar a melhor das sangrias", conta Pedro Trindade. Por isso, entre o colorido tropical das bebidas exóticas, o vermelho e o branco tingidos de frutas eram muito requisitados. Para grandes males, grandes remédios, está visto. Um bar temático, que faz da sangria uma arte (além do prazer) - e uma arte ao alcance de todos os potenciais artistas. É o que Pedro Trindade chama "sangria à medida": partindo de quatro bases escolhe-se o vinho (ou espumantes e champanhe) para completar e aí tudo depende do que se quer (ou não) gastar.
E, claro, há a sangria "da casa", branca, rosé ou tinta. E, claro, com tanta sangria in your face é a sangria que mais se vende - "pelo menos até aparecer o próximo bar a vender sangria". E, como antes da sangria há o vinho, as opções são variadas e com espaço para algum "exotismo", o vinho quente. É bebida de Inverno, de invernos rigorosos ("Um copo daquilo aquece brutalmente. Aquece de mais para o nosso clima"), por isso o vinho aquecido com canela e fruta está prestes a despedir-se - até ao próximo Outono. O que não se despede é a sangria repousada, que aliás virá em força nos próximos tempos - "as mulheres preferem-na assim, aliás", nota Pedro Trindade, "o álcool evapora-se mais e fica mais doce". A manter também é a soul, a música negra dos Estados Unidos, com variações pelo r''n''b e pelo hip hop, que foi a banda sonora escolhida para acompanhar a celebração do vinho. Sem DJ, mas com o cuidado de evitar o lado mais comercial da música, explica Pedro.
Não temos um copo de sangria à frente, enquanto nos sentamos numa das duas únicas mesas do Baixa 22, quadradas, sólidas, tampos de chapa zincada ("como as antigas mercearias"), rodeadas de cadeiras resistentes, antigas, populares, pintadas de casca de ovo. Estão logo à entrada do espaço comprido e esguio (a largura é dada logo na fachada: duas portas-janelas estreitas), pé direito altíssimo rematado por vigas de madeira - parecem antigas, mas as aparências enganam. Se é verdade que as madeiras foram herança do negócio anterior - a carpintaria que esteve 80 anos na mesma família - também é verdade que há excepções. As mais notórias são as traves e o balcão, comprido e sólido, ripas de madeiras pintadas dessa cor casca de ovo que lembra (todas?) as mercearias de outros tempos. O bar desenvolve-se em tons ocres e declinações (tirando uma parede negra, nas traseiras, revestida de um material que pretende imitar pele) e a madeira é quase sempre pintada para dar o toque antigo. A luz é amarela e escassa, saída de dois focos discretos na entrada e depois dos candeeiros do balcão ou daqueles, de cores e formas dissonantes, que se penduram sobre a banca nas traseiras, rodeada de bancos altos. Por detrás do balcão, quadros de ardósia alinham-se na parede com as sugestões da casa desenhadas a giz, e num armário um aquário enche-se de gelo a rodear os jarros de sangria, iluminados por uma luz que vem de baixo para ensaiar um caleidoscópio colorido (e controlado).
O Baixa 22 é sóbrio, algo austero e despojado. Para não escapar ao espírito do lugar. É certo que do outro lado da praça se ergue o Hotel Infante de Sagres, um dos mais luxuosos do Porto, mas deste lado, no correr de edifício baixos e despretensiosos, o movimento sempre foi popular. Ainda não há muitos anos, mesmo ali ao lado, saíam as camionetas para o Minho e se agora há bares e restaurantes neste correr ligeiramente elevado sobre a praça, a verdade é que Pedro Trindade e os sócios não quiseram perder o contacto com o que foi. Já não é, definitivamente, o Porto de antigamente, mas é o Porto de antigamente que indica o caminho: o Baixa 22 quer ser a imagem de uma cidade que está em mutação, mas não esquece as raízes. "As pessoas passam por aqui e dizem ''Está quase igual''", conta Pedro, arquitecto, "e eu gosto de ouvir isso". "Quero sempre tentar que as pessoas percebam as épocas e as casas que o Porto teve e manter essa imagem."
O edifício do Baixa 22 será dos anos 20, 30 do século XX, foi carpintaria e agora é bar onde o vinho tem aroma incontornável de madeira e a música de eleição é a soul. Porque a alma da cidade tem de mudar para se manter igual.
Sangria à medida
Há quatro bases para cada um desenhar a sua sangria - que, no final, encherá um jarro de dois litros. A lower sugar (sobieski, safari, royalty red, frutos do bosque, lima canela e ginger ale) e a peachy (sagatiba, amarguinha, triple-sec, peach monin, laranja, pêssego, lima, guaraná e hortelã) ficam por €6; a fruity (apricot brandy, marie brizard, bombay, laranja, limão, pêssego, morangos e snappy) custa €9 e a Premium (chancella, grand-marnier, marie brizard, gengibre, limão, maçã, vimeiro sparkling) €12. Mas a base é isso mesmo, o começo. Depois, há quase duas dezenas de opções para "fazer" a sangria - ou seja, a lista de vinhos. Há tintos, brancos e rosés e espumantes e champanhes. Entre os €9 do Mateus Rosé e os €70 do champanhe Tattinger, encontramos, por exemplo, o Terra Franca, branco e tinto, a €10, ou o Vinha Grande (branco) a €32 e o Callabriga a €42. Tudo depende da bolsa de cada um.
Baixa 22 e Praça: em rede
Estão quase lado a lado e à noite as "esplanadas" tocam-se, cruzam-se. O Praça é todo cocktails e reggae com decoração a combinar, branco e cores fortes, porque estamos na "praia". O "irmão mais novo", o Baixa 22, é mais sério e urbano, ou talvez seja uma capa. A verdade é que nenhum dos espaços é estanque e do Praça pode transitar-se para o "22" com um cocktail na mão e a sangria pode ir ouvir reggae. São complementares, por natureza e convicção.
(Março 2010)
- Nome
- Baixa 22
- Local
- Porto, Porto, Prç. Filipa Lencastre, 203/206
- Telefone
- 926810921
- Horarios
- Quinta a Sábado das 22:00 às 03:00