Fugas - restaurantes e bares

Miriam Lago

E então fez-se música

Por Luís J. Santos ,

Ao novo Cais do Sodré, há uma nova Glória: noite após noite, um recém-chegado palco vibra com música ao vivo. Aconchegado numa rua calminha, a um passo do Sodré e dois do Chiado-Bairro Alto, o Glória Live Music Club chegou, viu e tocou.

Berg, Vânia Fernandes, Sandra Horta, Nuno Norte, Rui Drumond, António Zambujo, David Ripado, Yami, Tomás Ramos de Deus, Orlanda Guilande, Júnior Meirelles, Paulo Ramos, Philip Hamilton, Margarida Campelo, Rodrigo D''Orey, Maria Anadon, Rita Reis, Lola, Victor Zamora, Gustavo Roriz, Sebastian Sheriff , Tiago Esteves, Lourenço Cordeiro, Salvador Carvalho.

Chegados a esta segunda estrofe, modestamente admitimos desde já que nunca por aqui se começou um texto de uma forma tão musical. São os riscos da improvisação em palco sem rede. Umas vezes saem golpes de génio, outras... enfim... Ao espectador e aos seus olhos e ouvidos, fica o juízo final. Quantos nomes lhe soaram? E porém, garantirão alguns mais conhecedores, acabou de passar os olhos por grandes músicos, tanto instrumentistas quanto cantores; uns habituados a acompanhar estrelas, outros já estrelas, outros candidatos a estrelas, todos amantes da música que não passam sem o prazer de a tocar ao vivo e, haja óbvia harmonia, já todos passaram (e continuarão alguns a passar) pelo nosso palco de hoje - e, claro, são apenas uns poucos de muitos mais, escolhidos quase aleatoriamente para esta primeira impressão musical. Basta juntar-lhes público e temos o Glória Live Music Club, aconchegado numa pacífica rua ao Cais do Sodré.

Um "clube de música" - tecnicamente bem apetrechado num salão chique e confortável - mas também um "clube de músicos", sublinha duplamente Rui Tavares, musicómano apaixonado pela arte ao vivo, que dá a cara, a alma e o coração pelo projecto (não é exagero textual: dois dedos de conversa e perceberá logo a dedicação) junto com Rui Glória (e cá temos o mote do baptismo).

A casa abriu nos finais de Maio, em jeito de aquecimento, para afinar e fazer experiências, e, sobretudo, para servir de tubo de ensaio e pôr à prova, em exercício de combate musical real, músicos e candidatos ao palco. "Uns excelentes", "outros muito maus", ri-se Rui, que, embora dedicado a outras áreas profissionais, sempre teve uma perninha na produção de espectáculos. "Mas encontrámos pessoas fantásticas e ficaram os melhores", trauteia logo a seguir, com um sorriso rasgado. Após o período de ensaios, o Glória fechou umas semanas para férias de Verão e voltou preparado para marcar a rentrée da música ao vivo com as energias retemperadas e os ritmos acertados, já com uma programação cadenciada e coerente, dedicada a dar a ouvir grandes canções de sempre e outras novas por bons executores. A garantir a selecção do palco, está Berg - na coordenação musical e como músico residente -, profissional com anos de experiência a acompanhar dezenas de músicos portugueses e que integra a banda de Rui Veloso (além de apostar na sua carreira a solo); um homem de sete artes musicais e animal de palco, multi-instrumentista, compositor, cantor...

Um dos objectivos da programação, explicam-nos, é criar rotinas, noites especiais em que o espectador sabe com o que pode contar mas sem deixar de ser surpreendido. As terças são para Storytellers, i.e., contadores e cantadores de histórias: a música intercala-se com histórias, experiências e memórias numa revisitação de "todo o processo criativo do momento musical" apresentado. Às quartas, a noite é dos convidados especiais de Berg: o mote é precisamente "Berg Convida...". As quintas pertencem à banda residente (a Gloria Live Band) e convidados (ainda na quinta passada houve um especialíssimo: o fadista António Zambujo). As sextas contam com bandas rotativas (de pop, rock, soul, funk, swing, blues, tributos, etc.) e os sábados são destinados a bandas cheias de energia ou a concertos especiais. Esta é a base, o resto é música.

Claro que para tanta ambição musical era preciso o espaço ideal. E é assim que desta sala única e bem alinhada, uma antiga loja de antiquário em prédio pombalino, se fez esta novíssima catedral da música, de chão e tecto em pedra, com as devidas arcadas e uma desafogada acústica garantida. Começa logo por surpreender com a entrada: um átrio de paredes decoradas com velhas portadas de madeira recicladas, uns acolhedores candeeiros, uma mesinha de apoio iluminada, uma poltrona a prometer conforto - um átrio-bastidores, digamos. Já lá dentro, o espaço foi cirúrgica e tecnicamente adaptado a clube musical e, num ambiente cortês que conjuga a solidez e perfeição da pedra com paredes a vermelho e mobiliário clarinho, encontram-se confortáveis sofás e uma dezena de mesas e cadeiras (bem arrumadinhas e sem caos), com um imponente balcão de bar a enquadrar naturalmente o espaço. A decoração, feita de pequenos e grandes detalhes, preservou elementos do passado, destacando-se uma bela e chamativa composição de velhas máquinas de escrever e calcular - que, agora em vertical exposição numa parede, marcam o sítio - ou os candeeiros em bola e os espelhos que ampliam a sala.

Claro está que, sendo a música a religião da casa, o altar é o elemento central: o palco é primoroso, perfeito para os concertos intimistas a que se propõe e, realça Rui Tavares, foi feito um grande investimento nos instrumentos e sistema topos de gama. Sublinhe-se o "pormenor": a casa está apetrechada com os instrumentos necessários e qualquer músico que chegue encontra tudo preparado; é só juntar o talento e está pronto a servir.

E assim se fez e faz música, num espaço que poderá marcar a nova cena musical lusa, sob um conceito e espírito diferentes de locais como o MusicBox ou Maxime e uma verdadeira alternativa para outros voos e para deixar na memória novas e revisitadas melodias mas, principalmente, a arte dos músicos. E, na nossa e na memória de Rui Tavares, também fica a ecoar uma bela frase-resumo que lhe disse um cliente, por acaso até um com jeito para a música (inconfidência: Olavo Bilac, que se celebrizou com os Santos e Pecadores): "Só a casa já canta". Aplausos, entrem os artistas. 

Nome
Glória - Live Music Club
Local
Lisboa, Lisboa, Rua do Ferragial, 36A
Telefone
913596474
Horarios
Terça a Sábado das 22:30 às 04:00
Website
http://www.glorialivemusic.com
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