Fugas - restaurantes e bares

Fernando Veludo/NFactos

A Baixa que quer ser mais do que noite

Por Andreia Marques Pereira ,

Abriu na zona dos Clérigos mas é mais diurno do que nocturno. Por isso, em vez de bar ou restaurante, que também o é, chama-se Café Vitória. Como quer ser ponto de encontro para quem gosta de beber e comer bem, não se importa de misturar vocações.
A Baixa que quer ser mais do que noite

Abriu discretamente em Dezembro contrariando um pouco o ímpeto do nome. Não há gritos de "Vitória, Vitória" na trajectória em pezinhos de lã deste Café Vitória, instalado na Rua de José Falcão quase ao lado do bem mais "barulhento" Armazém do Chá. E se se chama Café Vitória facilmente poderia ser também Bar Vitória ou Restaurante Vitória. Ou talvez não, porque, na verdade, café é bem mais abrangente e evocativo de uma determinada forma de estar - mas a tentação compreende-se, uma vez que este café também é bar e ainda restaurante. Não é sempre simultaneamente, mas há alturas em que se justapõem estas vocações, num espaço que abre ao meio-dia em ponto e fecha à meia-noite (não em ponto...) durante a semana, para à sexta e ao sábado se alargar um pouco nos horários e soltar mais descaradamente o bar que há em si. Não tem a dedicação noctívaga dos seus vizinhos - de rua, de "bairro" - mas em compensação aproveita o dia como (quase) nenhum deles o faz. E se a Baixa-Clérigos já ganhou a noite, talvez tenha chegado a hora de conquistar o dia - e, sem querer, lá estamos novamente na linguagem "bélica" que de modo algum se adequa a este café-bar-restaurante.

Devemos confessar que quando chegámos demos com o nariz na porta - nas portas, para sermos verdadeiramente honestos. E se não foi literalmente, facilmente poderia ter sido. Na fachada envidraçada do edifício há duas portas (também elas de vidro integral) - tentamos uma, depois a outra e ficámos a olhar para dentro (sim, havia pessoas). Descobrimos outra porta, esta escancarada, separada deste vidro todo por um capricho de pedra: é a entrada para o café, mas também o é para o resto do condomínio. Assim, passamos um hall com revistas espalhadas por uma mesa baixa e cadeiras encostadas que é a antecâmara do café e de todo o edifício, antes de entrarmos nessa sala que espreitámos de fora, toda ela aberta à rua e à luz que se consegue intrometer no meio da cidade. Quando o ano revoltear até ao Verão, mais aberta estará - essas tais duas portas darão as boas-vindas; por enquanto, é uma quase uma montra.

Mas essa é só uma das partes deste Café Vitória, que nasceu num edifício que roçará o centenário e que depois de "muitas paredes abaixo" chegou à configuração actual: duas salas, um "jardim de Inverno", um logradouro - e ainda se sobe para o restaurante. A concretização do projecto nascido entre um grupo de artistas que partia de uma premissa obscenamente simples: "Tínhamos necessidade de frequentar um sítio onde pudéssemos comer e beber e que fosse bonito", explica uma das responsáveis - e o bonito aqui não é de somenos, pelo contrário, "é o mais importante". Mas há ainda a cultura gastronómica, "de todos", e a vontade de comer bem - daí também a opção pela designação "café", comer e beber, uma refeição ou um petisco, um sumo natural, chás e infusões ou um gin tónico, cerveja. Como não havia nenhum espaço que cumprisse satisfatoriamente todos os requisitos, vai-se daí e cria-se um de raiz - simples?

Aparentemente. Queriam "deste lado da Baixa" (e "deste lado" é o dos Clérigos, com a linha divisória da Baixa a ser os Aliados) e nem demoraram a encontrar um espaço que assentava quase como uma luva. Mas depois descobrimos que a intervenção arquitectónica foi algo complicada, não pela condição do espaço, mas pela necessidade da sua adequação com as novas funções de restauração - o resultado, conta-nos uma das responsáveis, tem sido alvo de curiosidade por parte de arquitectos. Há pormenores que só um olhar treinado pode valorizar - como a "ousadia" de rasgar um nicho separando a sala de jantar da cozinha e onde se alinha a "garrafeira" (não é por acaso que todas as garrafas têm um design apelativo). E há claramente uma distinção entre o rés-do-chão - onde funciona a cafetaria que se traveste mais obviamente de bar quando o dia avança (mas que na realidade gosta mesmo é de ser os dois ao mesmo tempo) - e o restaurante. E já lá iremos.

Porque tudo isto se fez para servir o tal propósito - beber e comer bem num sítio bonito. Ao meio-dia há pratos do dia e é na cafetaria-bar que se servem - mas ao fim-de-semana o prato do dia pode tornar-se brunch, com menu especial. No resto do dia, continua-se com serviço de cafetaria e o serviço de bar começa a imiscuir-se. Ao final da tarde, já é normal o copo de vinho a sair - e, desde há pouco, com tapas a acompanhar. "A ideia veio de um cliente. Queria petiscar algo não tão pesado quanto as habituais tostas", contam-nos. Hoje há, entre outros, sardinhas de escabeche com tomate e mix de cogumelos e pimento assado - estas provámos e gostámos. O restaurante começa a funcionar pelas 20h00, e em baixo, business as usual. O "bar" ganha preponderância, mas a cafetaria nunca fecha - beber, sim, mas sem esquecer comer. E, claro, pela noite a música impõe-se mais, porém, não se esperem sessões de DJ. Indierock é a dieta musical todo o dia, toda a noite, sem malabarismos de "pratos". Porque os pratos que se valorizam mais aqui são mesmo os outros - afinal, com a pouca oferta de restaurantes na zona, o que se pretende é ter mais uma âncora de dinamização. A noite não é declaradamente uma aposta - e o horário durante a semana é disso eloquente. "Para nós seria fácil apostar mais na noite, temos a estrutura para isso", explicam, "mas dessa forma não poderíamos abrir às 12h00". E assim se percebem as prioridades.

Têm realmente espaço para isso - para a noite e tudo o resto. Percorremo-lo e notamos a tal diferença entre o rés-do-chão e o primeiro andar: não é apenas uma diferença espacial - é quase uma diferença de classe. No restaurante, a sala recuperou os lambris altos e as molduras de portas e janelas trabalhadas, em baixo não havia tanta ornamentação - foi espaço comercial, mas a função anterior a memória dos novos locatários não guarda. À sua maneira, são todos espaços clean, despojados quase até à austeridade. Algo que pode mudar. "Se calhar, agora vamos complicar". Agora está o essencial dizemos, à espera de se encorpar com novas adições. Que podem vir de onde menos se esperam: o pequeno escadote de madeira com uma taça de laranjas em cima que encontramos na primeira sala foi um acaso funcional - de tanto se usar, está sempre por ali e alguém se lembrou de o tornar um adereço. E o candeeiro de pé mesmo ao lado vai no segundo dia como parte do cenário: estava em casa de alguém, agora complementa os focos de luz que iluminam o rés-do-chão, bem sobre as mesas.

Mas, quase apostamos, a sobriedade que parece inata do Café Vitória irá manter-se inalterada. O mobiliário é tão clean quanto o espaço: mesas quadradas de madeira e cadeiras que seguem um estilo nórdico com braços e assentos de cores distintas (excepto as poucas cadeiras, madeira escura reminiscentes de outros cafés, de outros tempos, que vieram da Holanda) - e estamos em baixo, mas em cima tudo se mantém, só o colorido das cadeiras é substituído por tons crus e as mesas estão postas com toalhas brancas.

E não podemos sair sem falar do jardim de Inverno, como começou a ser chamado - um cubo integralmente envidraçado que se une à sala das traseiras, reinvenção inspirada pelo acrescento prévio -, a navegar pela escuridão com luz suave e cores mais atrevidas, entre os azulejos azuis e brancos originais, plantas e fumo de cigarro (é o espaço de fumadores). É um local de transição, e por isso com uma forte relação com o exterior, o logradouro de design cuidado: na terra batida erguem-se entre focos de luz diferentes espécies de áceres - um de folha caduca cumpre, por agora, a sua função na perfeição: nu, permite ao sol aquecer o "envidraçado", no Verão espera-se que lhe dê sombra -, uma Tipuana Tipu, uma Aroeira Schinus Molle (a árvore da pimenta rosa)...

Dizíamos que o Café Vitória tem espaço. Tem espaço para o que quiser. Basta querer. E este querer é dinâmico aqui. O que é verdade num dia, no dia seguinte pode deixar de o ser - vejam-se as ementas. Alguém quer ser surpreendido?

Comer & beber

É à noite que se abrem as portas do restaurante no Café Vitória. No primeiro andar, com vista para o jardim, a ementa não é vasta, antes procura a originalidade. Que começa logo nos couverts, que pode ter compota de ruibarbo ou mandioca frita, por exemplo. Nas entradas, vejam-se as sardinhas marinadas ou o queijo fresco grelhado e, por enquanto (há dinâmica aqui, "faz sentido"), os pratos principais são estes (e estes apenas): meia desfeita de bacalhau (€12), bife de lombo com frutos secos (€15) e funcho grelhado com queijo de cabra (€9). Para a sobremesa experimente-se um toucinho do céu ou uma salada de citrinos com gelado (toranja, laranja, gengibre, gelado de castanha ou caramelo). A acompanhar tudo, os vinhos Niepoort ocupam lugar de destaque - Sedna e Valle Pradinhos e são só exemplos. Tudo pode ficar entre os 18 e os 25 euros. Ao meio-dia, servem-se sopas do dia (€1,50) e pratos do dia (€6) na cafetaria. Ao fim-de-semana, mantém-se apenas a sopa do dia e uns pratinhos - ideais para um brunch: sanduíches de salmão (€5), ovos mexidos (€3), salada de bacalhau (€5)... Há sempre tostas e uma tarte (€2) ou queques de frutos (€1) do dia, feitos ali mesmo. E o fim de tarde pede tapas (€1,50) e copos.

(Janeiro 2011)

Nome
Café Vitória
Local
Porto, Porto, R. José Falcão, 156
Telefone
220135538
Horarios
Domingo, Segunda-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 00:00
Website
http://www.cafevitoria.com
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