A conjunção é única: um monumento de sólida história em pedra gravada com um ambiente quase religioso, um bar de vinhos conceptual e moderno onde se busca rigor e qualidade em cada detalhe, da carta ao serviço. Eis o Chafariz do Vinho, nascido no centro de Lisboa por alturas da Expo 98 dedicada aos oceanos, numa Mãe d' Água da rede do aqueduto alfacinha. Haverá amante de vinhos ou curioso que entre neste ex-líbris da cidade e da cultura enófila sem sentir uma ventura de elevação? O edifício de finais do séc. XVII mostra por fora sinais de clausura, quase conventual: ergue-se como um perfeito cubo de pedra a meio da colina, com grandes janelas gradeadas sob as quais três bicas lançam frustradas promessas de água. A beleza do cenário antes água/agora vinho é tão manifesta que ninguém resiste ao inevitável contraste poético.
O Chafariz, ligado intimamente a João Paulo Martins, um dos quatro sócios da casa, jornalista e crítico de vinhos, marcou o advento dos bares de vinhos a sério em Portugal que, estranhamente, apesar da sua vitivinicultura, continuava com uma relação de distância com a cultura dos vinhos e só nos últimos anos é que tem visto estas novas e selectas tavernas alastrarem. Manfred Kleinhans, desde o início ligado à sua gestão, suspeita que a razão era mesmo desconfiança: "as pessoas não tinham confiança na qualidade de um vinho aberto".
Agora, por fim, o vinho a copo, que aqui acompanha também petiscos e menus de degustação, já está a conquistar o seu merecido lugar, permitindo a muita gente ter acesso a vinhos de alta qualidade e, pelo menos, prová-los. Até porque, como aqui, há equipamentos que permitem manter o líquido (o tranquilo e o espumante) em boas condições para servir vinhos de alta qualidade a copo. E se há sítio onde se pressente que o vinho é realmente bem tratado é mesmo nesta Mãe d'' Água que nos dá vinho.
Para além destes factores, o Chafariz, é, indubitavelmente, na sua simplicidade monumental, um dos mais bonitos e singulares bares da cidade. Basta cruzar um pequeno átrio onde um balcão nos encaminha para um templo de uma ampla abertura em amplo pé alto que deixa respirar tudo, até o vinho. Uma robusta plataforma divide o bar: ao nível da entrada temos um espaço central, onde grupos maiorzinhos têm mais espaço. Deste piso, observa-se uma caleira por onde antes corria água (e não, agora não corre vinho: está sequinha) e que acompanha uma escadaria até ao túnel a onde descansa a garrafeira. A localização desta é uma "grande vantagem", diz João Paulo Martins, já que permite uma temperatura estável o ano inteiro.
No piso superior, um corredor mais aéreo com diversas mesas, algumas delas encaixadas nas janelas. Mas não se espere grandes vistas. É que aqui não é preciso mais paisagem que a interior - e leia-se duplamente esta paisagem interior: a do edifício e a dos copos.
No piso inferior, uma sala quase subterrânea, onde a Mãe d'Água faz menos poupanças na humidade (mas há aparelhos a tratar dessa mania), ideal para momentos mais íntimos e até românticos, perfeita para partilhar segredos dos vinhos e outros (há até mesas de canto a oferecer um cenário alcovado); ao centro desta salinha, um tanque acolhe uma instalação de caixas de vinho tão simples quanto eficazmente artística.
Qualquer ponto dos três níveis do Chafariz garante conforto suficiente, sempre em ambiente tertuliano, para dedicarmo-nos a esmiuçar a longa carta de vinhos, composta por um conjunto de vinhos velhos e algumas raridades gloriosas, a que se juntam "novas marcas, regiões menos faladas e longe das modas". Serão mais de duas centenas de referências, que vão mudando conforme as circunstâncias, com em redor de uma ou duas dezenas de garrafas abertas (mas abrem outras garrafas desde que garantido o consumo de dois copos). A produção nacional faz quase o pleno (até porque, dizem-nos, não há grande procura por vinhos estrangeiros) mas há lugar para outras proveniências (França, Alemanha, Chile, Argentina, Espanha ou Itália).
O Chafariz trabalha com pequenos "stocks" e aposta numa grande rotação, sendo certo que nunca faltam pequenas grandes descobertas ou os produtores venerados. "Alguns vinhos são únicos, porque comprámos a produção toda", sublinha Martins. Há também uma selecção de vinhos velhos, "para quem gosta", porque não são para todos os paladares. Se não é um estudioso do vinho, é só pedir ajuda: há sempre alguém aqui para dar bons conselhos.
"As pessoas pedem muito o que está na moda, pedem muito Douro, pedem muito Alentejo, como se o resto do país não existisse. Forçamos um pouco a nota, nos tais menus de prova, porque indicamos quais são os vinhos para cada prato. Uma quinzena com vinhos de Lisboa, noutra do Ribatejo, vamos diversificando os vinhos e dando a conhecê-los. Por vezes as pessoas não provam por preconceito não é por falta de qualidade desses vinhos. "Neste momento, temos vinhos de qualidade em todas as regiões, é uma questão de saber escolhê-los". O vinho do Porto está também sem presente, até porque integra os menus de degustação: "Desde o princípio que fizemos uma força no vinho do Porto", conta Martins, "porque sempre achei que era importante servir mais vinho do Porto, dá-lo mais a conhecer".
No cofre, há alguns exclusivos, por exemplo, espumantes da Murganheira ou, por alturas desta conversa, um vinho branco do Dão de pequena produção (umas dezenas de garrafas). E alguns vinhos originais que se afastam das cartas de vinhos dos restaurantes, mais próximas do que as distribuidoras têm. "Como viajo muito pelo país", explica, "compro pequenas quantidades, às vezes nos próprios produtores, compro uma caixa, duas caixas", e "com essas pequenas quantidades vamos conseguindo ter uma lista de vinhos bastante alargada. Até porque também não podem ter grandes stocks, porque o túnel não é amigo da durabilidade de rótulos ou de caixas de cartão ou madeira. "Temos o que temos, quando acabar, acabou".
Servindo petiscos e menus, a enoteca não é de todo um restaurante. Os vinhos - repartidos por duas cartas, uma com espumantes, brancos e muitos tintos; outra de Porto - é que pedem boas companhias, estruturados para sublinharem os néctares. Porque aqui o mandamento nunca muda, como remata o senhor Kleinhans: "Em primeiro lugar, está sempre o vinho".
E pode contar-se com o Chafariz nesta Mãe d'Água pelo tempo que a EPAL e autarquia assim entenderem, porque, afiança, João Paulo Martins a vontade é de permanecer: "Não sei quantos anos ficaremos aqui, mas ficaremos enquanto nos deixarem" até porque, reforça, "o espaço continua a valer a pena, não como negócio financeiro, nem de perto nem de longe, mas porque é uma carolice e um gosto".
REFERÊNCIAS
O chafariz do crítico
E como mantém João Paulo Martins o equilíbrio entre comissariar a garrafeira do Chafariz e o seu trabalho de crítico de vinhos? "Tento não confundir as coisas". "Nem ando à procura dos melhores vinhos que eu dou classificação para ter aqui. Em caso algum compro vinhos directamente aos produtores que têm os melhores vinhos porque sei que se fosse comprar depois podiam querer oferecer e ficava uma relação complicada. Prefiro não fazer isso". " Se calhar, 95 por cento dos produtores dos vinhos que temos na lista não sabem que os temos cá", diz. "E isso para mim é importante porque trabalho no sector, na área do jornalismo e faço crítica de vinhos e isso é uma mistura que pode ser explosiva. "Daí, compro normalmente aos distribuidores" e "com factura, para entrar nas contas". Tudo para evitar questões mais duvidosas. E conclui: "a coisa tem funcionado bem".
No Verão
Brancos a reinar, em geral ligeiros, de Lisboa ou Setúbal, um ou outro alentejano, alguns verdes (três ou quatro, casta Alvarinho em foco, a copo), rosés (normalmente secos, sem gás, mas "um pouco de gás" também não estraga o rosé), espumantes. Aconselha-se até um Porto Tónico ("quando abrimos ninguém conhecia em Lisboa, foi uma surpresa para muita gente, hoje já está mais divulgado", diz Martins). Nas ementas, pratos de marisco. Há mexilhão, gamba, pratos de peixe, etc., "coisas que puxam para um vinho mais leve". Os tintos bebem-se menos, de facto, mas aqui bebem-se sempre "sobre o fresco", diga-se à temperatura certa da casa, 17/18 graus. Dentro da mãe d' água é que não há calor que incomode, com tal magnitude sólida da pedra, mais de um metro de grossura em pedra, há sempre frescor; "não entra aqui nada".
A carta
Reparte-se por centenas de referências. Entre champanhe e espumante; vinhos brancos (varietais - uma só casta), tradicionais (várias castas); rosé, colheita tardia e Relíquias em branco; vinhos tintos (varietais e tradicionais - de todas as regiões), incluindo as Reservas do Chafariz e vinhos velhos e raros; vinhos do mundo (contava-se uma dezena de proveniências). Há ainda cocktails e o vinho especial da quinzena ou os Melhores a Copo (de stock muito limitado).
Bom vinho, boa companhia
A ementa oferece iguarias várias e que podem integrar também os menus de degustação. Nos petiscos, mexilhões à marinheira, carpaccio de bacalhau ou vieiras frescas, mousee de pato Armagnac, trouxa de alheira de caça, borrego estufado com polenta, tartine de queijo de cabra, presuntos ou queijos, entre muitos outros. Nos menus, há quatro pratos principais, um com espumante, o segundo com branco, o terceiro com tinto, o quarto (sobremesa do dia) com Porto. Também há menus especiais e mais avantajados em comidas e bebidas.
Prova e horas felizes
Das 18h00 às 20h30, há "happy hour": propõe a degustação de quatro vinhos, a seleccionar pelo cliente de entre os diversos vinhos servidos a copo, "o custo será equivalente ao valor médio de um copo da carta". Podem fazer-se provas especiais de Porto com quatro vinhos - "de 10, 20, 30 e 40 anos, perfazendo Cem Anos de Vinho do Porto" - sendo que o custo varia conforme os vinhos servidos quinzenalmente. Consulte a agenda: podem existir provas comentadas por João Paulo Martins e/ou convidados.
Eventos e passeios
Há alguns eventos (até já houve um casamento, conta Martins), algumas apresentações de livros, mas acima de tudo, apresentações de vinhos que, no Verão, beneficiam do espaço exterior do Chafariz. Já o Museu da Água, em colaboração com a enoteca, promove passeios que levam os visitantes pelas galerias subterrâneas da Patriarcal (Príncipe Real) ao bar. Normalmente para grupos sob marcação (museudaagua.epal.pt | Tel.: 218100215) por 2,5€ por pessoa.
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Preços: Vinho à garrafa a partir de 10€, a copo desde 2/2,5€. Vinhos especiais ("vinhos caros") podem custar 10€/copo. Petiscos desde 5,40€. Menu degustação (4 pratos, 4 vinhos) a 35€
- Nome
- Enoteca - Chafariz do Vinho
- Local
- Lisboa, São José, Rua da Mãe d'Água (Praça da Alegria)
- Telefone
- 213422079
- Horarios
- Terça a Domingo das 18:00 às 01:00
- Website
- http://www.chafarizdovinho.com
- Preço
- 30€
- Cozinha
- Portuguesa
- Espaço para fumadores
- Não