No amplo espaço decorado com móveis velhos, os bebes podem ser tomados a solo ou acompanhados pelos comes, que são variados. Cristophe, o cozinheiro, tira do forno um bolo coberto com metades reluzentes de pêssego. Um aroma doce enche o ar. "É a minha primeira tarte Tatin", diz Susana, orgulhosa. Começou a ajudar o cozinheiro há pouco tempo. Aqui todos ajudam - afinal, nada disto era sequer para ter acontecido.
Quando há dois anos voltaram de Barcelona, onde moravam, o sonho de Susana e de uma amiga era abrir um hostel em Lisboa. "Esteve quase, mas nunca conseguimos. Então pensámos: 'E se fosse antes um bar ou um café? Afinal, adoramos fazer bolos!".
Se bem o pensaram, melhor o fizeram. Com Ramon, um espanhol que entretanto conheceram, meteram pés à obra e começaram a palmilhar a cidade. Foram seduzidos pelo armazém de janelas até ao chão que estava para alugar nas traseiras do mercado, ao pé de negócios que não existem em mais lado nenhum da cidade, lojas de cordames e venda ambulante de minhocas -resquícios das vidas de marinhagem que desembocavam no Cais do Sodré.
Mas foi com os olhos postos em terra firme que os três amigos tomaram a decisão: "Percebemos que este bairro está a mudar. A revista Time Out vem para o primeiro andar do mercado [onde vai abrir uma discoteca e restaurantes, entre outras coisas]. A Bica está mesmo aqui ao lado, já há gente muito gira a viver aqui... E a luz, há imensa luz." Entra pelas janelas e ilumina as mesas de madeira trazidas da Feira da Ladra e de casa de amigos que já não as usavam, as cadeiras desemparceiradas, os sofás retro resgatados da rua, de uma morte mais do que certa. É também para aproveitar esta luz que o Tati tem um horário de funcionamento alargado: das 11h à 1h. Por enquanto só há duas mesas na rua, mas se um dia a zona for vedada ao trânsito, como acabou de acontecer ali ao lado, na rua do Jamaica e do Tóquio, a esplanada promete crescer.
Da actual ementa dos almoços, jantares e petiscos fazem parte iguarias gregas como o tzatziki - uma iguaria de iogurte com pepino e alho - e as tortilhas. A cozinha do médio oriente marca presença com o puré de beringela com tahine, uma pasta feita de sementes de sésamo. Quando o calor se for embora a carta acompanhará o ritmo da nova estação. Os preços dos pratos ficam abaixo dos dois dígitos. Aos sábados e domingos o brunch custa dez euros e é servido durante todo o dia. Inclui uma bebida quente, sumo de laranja, torradas com manteiga ou doce, salada de fruta ou iogurte com cereais e um prato de salgados com queijos, enchidos e truta fumada e ovos. Tudo rematado com uma fatia de bolo caseiro. "As mulheres, coitadinhas, não conseguem chegar ao fim disto tudo", ri-se Susana Torgal.
Os géneros vêm do mercado em frente, um dos mais bonitos de Lisboa. "Não nos abastecemos na Makro", assegura. O pão vem de uma padeira de Torres Vedras. Em torradas, barra-se com doce Flashes caseiro: "Este de tomate foi feito pela minha mãe." E é de comer e chorar por mais.
Aos sábados de manhã é aproveitar para fazer uma peregrinação ao mercado, andar pelo meio das bancas de legumes e peixe fresco e a seguir ir ler o jornal ao Tati. O ambiente luminoso e descontraído convida a ficar mais um bocado. Para os que não se conseguem manter desligados há wi-fi. Aos domingos, entre as 17h e as 20h, as jam sessions espalham jazz pela casa. O bar promove ainda concertos uma vez por semana: "Pode ser jazz, música africana, soul, rock espanhol, fado...".
Outra coisa que faz a diferença nesta "sala de estar", como lhe chama Susana, são as pinturas oníricas de outro amigo da pandilha, Lenny MacLeod. O artista pintou um mural verde-claro entre as duas salas que compõem o espaço onde dragões se enroscam em árvores povoadas de outros animais míticos. "É inspirado numa igreja mexicana", explica Susana Torgal. Ao fundo, um painel de azulejos antigos é outra das imagens de marca do espaço.
E depois ainda há os quadros de Lenny MacLeod pendurados na parede, fantásticos e diabólicos como se Paula Rego se tivesse cruzado com Hieronymus Bosch. Nada foi deixado ao acaso, nem as casas de banho. A deles tem o tecto estrelado, a delas é vermelha. Têm ambas a vantagem de ninguém ter de usar habilidades de contorcionista para conseguir fazer as suas necessidades, como acontece em muitos bares de Lisboa: além de simpáticos, os WC são de uma amplitude pouco habitual.
Num canto ao lado do bar destaca-se uma pequena estante de madeira escura, impecável na sua fechadura discreta, o vidro da porta sem um risco. Pode ter sido de uma antiga farmácia, ou de um escritório. "É linda, encontrámola ontem na Rua de S. Bento, tinha sido deitada fora", conta Susana. O feliz achado já tem uso: serve para albergar os livros que o Tati tem à venda, obras de Pasolini e Buñuel, entre outros autores.
"O Tati é um pouco de nós e daquilo que achamos que a vida deve ser: informal, espontânea, luminosa, descontraída, cheia de música a entrar pelos ouvidos directo a todos os pontos do corpo, paladares e amigos...", descreve a equipa. "Olhamos para o Tati e vemos móveis antigos, pequenos objectos usados e com história, que foram encontrar em diferentes lugares, desde a Feira da Ladra até às pequenas lojas de velharias em Lisboa e fora de Lisboa... e ficou assim, um ambiente entre o velho e o antigo, entre o jazz e a bohème." Os lisboetas agradecem - não só os boémios como também os mais sossegados.
- Nome
- Café Tati
- Local
- Lisboa, Santos-o-Velho, Rua da Ribeira Nova, 36
- Telefone
- 213461279
- Horarios
- Terça a Domingo das 11:00 às 01:00
- Website
- http://www.cafetati.blogspot.com