Fugas - restaurantes e bares

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Agora, o Downtown gosta mesmo é do Inverno

Por Andreia Marques Pereira ,

Já foi presença habitual no Verão portuense, desta vez preferiu o frio. Já foi estrutura amovível, agora é edifício de granito. Eis o Downtown Lounge, um bar que nunca perde de vista a sua índole sazonal.

Era quase uma tradição: vinha o Verão e com ele um bar-esplanada assentava arraiais bem no centro da Avenida dos Aliados. No início era uma tenda, depois começou a ganhar a sofisticação possível de um espaço que se sabia que tinha os dias contados - era uma fénix que desaparecia com o frio para ressurgir no calor, em localização privilegiada bem no coração da cidade do Porto, encruzilhada de rotas turísticas.

Mas, este ano, o Verão chegou e partiu sem que a estrutura branca que como um óvni pousava no jardim de granito fizesse uma aparição. Foi um contratempo que se tornou uma oportunidade. Agora é preciso olhar para as fachadas que ladeiam a avenida para descobrir o Downtown Lounge - perdeu o centro do palco, mas é difícil não darmos por ele, montra e porta XL embutidos em edifício granítico de traça Beaux Arts. E, no entanto, continua a ser um bar a prazo...

Wilson e Alex, os sócios, brincam. "Temos um vício grande: não gostamos de fazer nada às três pancadas. Quem entra aqui não vê um sítio sazonal." Abriu em Agosto e em Fevereiro encerra, seis meses de validade (a duração do contrato com a companhia espanhola proprietária do edifício onde planeia abrir um hotel), que ainda assim estica as encarnações dos últimos quatro anos. É meio ano que se encerra em espaço de fôlego maior do que a sua vida. Aqui, onde durante largos anos funcionou o stand da Fiat e que, entretanto, já recebeu um outro bar sazonal de Inverno, tudo é sobredimensionado.

Mesmo antes de se entrar já se sente na fachada o peso do pé direito de sete metros que lá dentro se espraia em espaço amplo quebrado por alguns artifícios e apoiado em colunas imponentes, brancas e rodapé de madeira. É uma mais-valia, a arquitectura, assumem, e essa amplitude que permite fugir da rua - e da tradição da Baixa noctívaga: "Não percebo o conceito de estar na rua", reflecte Alex - mas levando as multidões para dentro.

Afinal, foi por a Baixa ser "apreciada e procurada" pelas multidões que vieram para aqui. Ou melhor, que Alex veio, do seu Bar do Alex, em Gaia; Wilson já por cá andava, no restaurante W do Wilson e antes ainda no Black Coffee, bar que foi "pioneiro" - quando se instalou na Avenida dos Aliados "a Baixa esvaziava a partir das 19h". "Os meus amigos chamavam-me maluco", conta o empresário angolano feito portuense em 1978.

O Black Coffee entretanto fechou (mas poderá regressar em breve na órbita da Praça Carlos Alberto), a Baixa tornou-se "a Baixa" e o Downtown Lounge veio ajudar à festa. Da melhor maneira que sabe - sendo multifacetado. "Queríamos um espaço um pouco diferente do que há", explica Alex, "mais amplo, sobretudo, para podermos ter várias vertentes". "Estar, conversar, dançar, organizar festa. Já cá fizemos tudo isso", refere. E como o tempo urge, a música ao vivo vai entrar no cardápio de ofertas do Downtown Lounge, ao ritmo de um concerto por mês, mais coisa menos coisa. Sempre sem "muita divulgação", avisam, porque com as bandas que pensam trazer não vão ter "espaço de manobra para fazer grandes anúncios".

Funk e soul é "essencialmente" o que se ouve por aqui. À semana com uma playlist que sai do computador bem visível na cabina, ao fim-de-semana com DJ - o da casa, Rúben Soares, e, ocasionalmente, convidados. E nestas noites mais longas, o normal é que depois a música evolua para o house. E eis que na música surge outra diferença deste Downtown Lounge relativamente à vizinhança, sublinham. Numa zona muito povoada de "pop e rock" não quiseram ir atrás do que "parece ser obrigatório". "Para sermos diferentes, não sermos mais um", justifica Wilson. "Na noite funciona muito o conceito "se está a dar o vizinho copia"", continua Alex, "aqui é diferente".

Diferente na música, portanto, que inclui ocasionais festas temáticas (Motown e Start Me Up são regulares - mensais mas sem dia específico), na qualidade de serviço e produto ("servimos bem produto bom", concretiza Alex - não entram copos de plástico, por exemplo, e a cerveja Heineken é um parceiro da casa). "Dizer que o meu bar vai ser diferente é um bocado vago", assume Alex, ""Em quê?" perguntam as pessoas. Porque depois vai-se a ver e é tudo igual". "Eu trabalho nisto há 25 anos", continua, "e acho que é nos pormenores que se faz a diferença, que se faz um bar". Outro exemplo de pormenor, aponta: "À noite, temos uma pessoa do sexo feminino para receber as pessoas à porta".

E, depois de passada a porta, poderia parecer que estamos num grande armazém tornado bar (pela imensidão), não fora a decoração emprestar uma escala mais intimista ao espaço. Quase toda a decoração aqui havia sido pensada para o Downtown Lounge versão estrutura desmontável de Verão. Wilson tinha tudo preparado para a abertura até que cerca de duas semanas antes foi informado de que afinal não poderia montar o bar. Por isso, lançou o desafio a Alex, que aproveitou a boleia e quando viu o edifício não hesitou - e lançou as mãos ao trabalho, literalmente.

Se o espaço não é monótono isso deve-se à decoração harmonizada em "zonas" e em grande parte ao desnível que Alex criou, fazendo um estrado de madeira que agora parece uma área-salão, recheado que está de sofás e poltronas em torno de mesas baixas (e a única mancha não branca de parede: a tela do tratamento acústico da sala virou elemento decorativo). "Quando chegámos, havia um pequeno palco", recorda Wilson, "pus-me em cima e disse "gostaria de alguma coisa..."". Não precisou de terminar, Alex percebeu onde ia. "Depois falámos, disse-me".

Quando voltaram a encontrar-se ali, já Alex estava a fazer a plataforma: é a "sorte desta pareceria", afirma - completam-se. Não só Alex fez o estrado, como as mesas altas que preenchem outra área, de madeira, negras. O negro é, aliás, uma cor comum - as fotografias penduradas nas paredes, de actores, músicos, panorâmicas da cidade, são o espelho do espaço: a preto e branco com cinzentos intrometidos (e essa é, aliás, uma imagem de marca das casas de Wilson).

Junto da fachada-janela com vista para a avenida entre os cortinados brancos está o espaço "lounge" - tudo aqui é rasteiro ao chão, sofás que são como "ovos", cadeiras que são quase pouffs, num "estilo moderno e arejado". As cadeiras e mesas preenchem outra área em estilo quase de esplanada e nos interstícios há mobiliário antigo, aparadores, mesas, consolas, vindas de antiquários - dentro do balcão, as garrafas de bebidas também se alinham sobre cómodas que, com certeza, já estiveram em quartos.

Há candeeiros gigantes no tecto, candeeiros-cubos pelo chão e lanternas com velas pousadas a dar diferentes jogos de iluminação e como que a presidir a toda a sala, uma escadaria e balaustrada brancas surgem no fundo como um cenário. O que talvez seja apropriado, e voltamos ao início: afinal, este bar vai estar em cartaz durante um tempo limitado e a contagem decrescente para a saída de cena já começou.

Nome
Downtown Lounge
Local
Porto, Porto, Avenida dos Aliados, 165
Telefone
914287391
Horarios
Segunda a Quinta das 21:00 às 02:00
Sexta e Sábado das 21:00 às 04:00
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