Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Pimenta
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Uma caixa de surpresas na noite portuense

Por Andreia Marques Pereira ,

Primeiro parece que passa quase despercebido. Depois parece que é difícil percebê-lo. imprevisível que é - e falamos da música, num conceito que é uma espécie de "do it yourself". O certo é que o Tapas Bar 24 é diferente de todos os bares no Porto. A monotonia fica à porta.

É um pequeno, pequeníssimo, enclave em rua de restaurantes - não é um irredutível, é um posto avançado. Porque antes do Tapas Bar 24 já existiam uma série de restaurantes aqui na rua que quase parece um beco feito de um empedrado gasto e desnivelado mesmo a dois passos da Praça dos Leões. E no número 24, onde então agora (há cerca de dois meses) aterrou este bar, já existia outro bar de conceito mais restrito, um bar de alterne que Hélder Moreira preferia não recordar. De bar de alterne a bar de tapas (e este é também um conceito limitado) foi um salto que acompanhou a dinâmica noctívaga do Porto. "As pessoas saem aqui e eu quis vir para o meio da confusão", explica Hélder. "É do que eu gosto."

À primeira vista - que é como quem diz, por volta das 23h30 -, parece que a confusão anda alheada deste Tapas Bar 24, que até é mais conhecido por "bar do Hélder", não fosse Hélder uma personagem conhecida da noite portuense (entre outras coisas, esteve à frente do Café Teatro, mas já lá iremos). A confusão parece ficar à porta, entre grupos que saem dos restaurantes vizinhos. Lá dentro, meia dúzia de pessoas conversam ao som de jazz da velha guarda, gravações rugosas pela idade, pelas vozes de Sarah Vaughn, Ella Fitzgerald... Um relance apenas e abarca-se todo o bar, pequeno-pequeníssimo, insistimos, "muito maior do que o Café Teatro", replica Hélder.

Os pormenores vêm depois de instalados nos sofás e pouffs que ocupam praticamente todo o espaço disponível: os sofás têm costas direitas, estão encostados às paredes, intervalados por mesas baixas, onde se escondem pouffs que, como os sofás, têm assentos de várias cores (vermelhos, laranjas, verdes, beges) a constrastar com o negro restante. As paredes têm madeira até meio, depois uma recobre-se de papel (que cobre um espelho, sabemo-lo depois) que é um compósito de capas de jornais, a preto e branco (The Times, Daily Mirror, The Telegraph, Independent), a outra cobre-se de "fotos" de monumentos-ícones de várias cidades mundiais, como o parisiense Arco do Triunfo, o Coliseu de Roma, a Estátua da Liberdade (são também a preto e branco, algumas com uma cor - os táxis amarelos em Nova Iorque, por exemplo).

Quando Hélder o visitou, o espaço estava fechado, "praticamente devoluto", e todo este mobiliário foi ele e a mulher, Cecília, que o colocaram ali, "novo". Mas há vestígios do "passado" e o mais evidente, que foi também a primeira coisa que chamou a atenção do novo proprietário, é o balcão. "É tipo irlandês", diz Hélder, "pela madeira". Madeira nos tampos, madeira nas estantes (mas uma madeira que não é "típica" irlandesa), friso de copos pendurados - e espelhos nos espaços livres. "Fora, fica inestético", considera Hélder, "por isso cobri-os". Quase todos - a segunda porta é de madeira com espelhos e no recanto do DJ há um espelho que o amplia.

Não passou muito mais de uma hora e quando damos por nós o pequeno bar parece transbordar. Já nos tinham avisado: a uma da manhã é o momento de charneira. Ao balcão, pedem-se muitos "baldes" e a explicação está na "experiência" publicitada: esta semana, os baldes estão a ser introduzidos e lá fora há cartazes a anunciá-lo, dois pelo preço de um (€5). Há quem vá ao balcão pedir um reforço ("está fraquinho", queixa-se alguém), há, mais tarde, quem peça tratamento de excepção: "Ó senhor Hélder, nós até já bebemos uma garrafinha de vinho e tudo" é o argumento para se tentar pedir apenas um balde por metade do preço. É atendida a jovem que o faz: "São boas clientes."

Muitos dos clientes vêm do Café Teatro onde se fez o "senhor Hélder", cumplicidade evidente com os seus clientes (Hélder também trabalhou vários anos no Duque da Ribeira e na Taberna da Ribeira) e onde as multidões começaram a ser demasiado grandes para a exiguidade do local. Foi aí que se começou a ensaiar a fórmula que torna este bar diferente de todos os outros. Não há DJ - ou, todos são DJ, depende da perspectiva.

O jazz já é uma memória. A viagem musical passou pelos anos 60 e agora já ouvimos hip-hop a soltar "destination, top of the world". O destino desta noite não foi propriamente o top of the world, até porque há um aniversário para comemorar e os parabéns vêm em diversos formatos - de Batatinha e Companhia ("hoje é o teu dia, o teu dia mais feliz..." e parece um karaoke) a Marilyn Monroe (e só falta mesmo o presidente). "Um dia quis meter duas ou três pessoas no café", recorda Hélder, "e então fui ao computador procurar música que eles queriam ouvir". Podia não o saber bem, mas tinha acabado de nascer o conceito que fez do Café Teatro único e que faz o mesmo com este Tapas Bar 24: cada um põe a música que quer ouvir. Para tal, há um computador a fazer as vezes de cabina de som, e gente que se vai deslocando ao longo da noite para seleccionar a "sua" música - que pode vir acompanhada de vídeo se a sua origem é o You Tube, porque o computador está ligado a um ecrã televisivo.

Não é necessário dizer que esta espécie de do it yourself faz deste bar absolutamente imprevisível. Por vezes caótico, até, dependendo da clientela - em grupo, a tendência é esse "apoderar-se" da música com entusiasmo desmedido, o que pode fazer da transição de faixas um processo tudo menos suave (e sujeita a interrupções brutais: "O que é bom dura pouco", ouvimos dizer um dos DJ da noite). Mas, normalmente, diz Hélder, nunca há problemas musicais, há respeito mútuo do género "eu sei que para ouvir a minha música tenho de ouvir a dos outros", diz. Quem quiser, pode também tocar a sua música - uma guitarra "da casa" está na parede à beira do computador e outra é de um cliente que ali a deixou para improvisos mais ou menos habituais. "Também já passou um saxofonista", nota Hélder.

Sem darmos conta, o Tapas Bar 24 parece transformar-se na casa de alguém; sem darmos conta, há sing-a-longs ensurdecedores à laia de karaoke - em breve, poderá haver karaoke "a sério", em dias fixos e sempre até à 1h, a hora em que o Tapas Bar 24 se transfigura. E tudo pode acontecer. Um baile de swing e um mergulho sulista no country de outrora, os Smiths a conviverem com Shakira, a Lady Gaga com Violent Femmes e o techno pode aparecer de repente. E de repente tudo pode mudar. Porque nós podemos mudar (quase) tudo. E fazer deste bar uma caixa(inha) de surpresas.

Nome
Tapas Bar 24
Local
Porto, Porto, Travessa do Carmo, 24
Telefone
917166616
Horarios
Todos os dias das 19:00 às 21:00
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