Fugas - restaurantes e bares

  • Miguel Manso
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Fazem falta em Lisboa casas como esta

Por Fortunato da Câmara ,

Em Lisboa, uma casa onde a cozinha tradicional é um desígnio cumprido com empenho.

A capital sempre foi ponto de confluência migratória dos mais variados gentílicos do país. Às origens dispersas da população citadina eram muitas vezes associados negócios que remetiam para as memórias da terra natal. Pequenos clubes a lembrar as casas do povo ou mercearias de bairro com produtos "lá da terra" e, claro, um restaurante que matasse as saudades da gastronomia regional, que não podia ficar longe da vista, pois jamais saía do coração.

Nas últimas décadas, o lado regional lisboeta começou a dissipar-se lentamente no meio de uma vaga crescente de cosmopolitismo que é visível na diversidade de restaurantes étnicos que vão nascendo em vários recantos de Lisboa e lhe reforçam a imagem de urbe europeia. No Porto parece-me ser mais provável encontrar sem esforço um lugar onde se pratique uma cozinha regional genuína e honesta, coisa que cá por baixo parece estar em vias de extinção acelerada. É, portanto, motivo de interesse encontrar um restaurante moderno, mas que pretende manter vivas algumas especialidades regionais e tradicionais, como é o caso deste Dom Feijão. Vai a caminho do quarto aniversário e está instalado na área comercial de um conjunto recente de prédios a poucos metros da "urbaníssima" Avenida de Roma.

As propostas que compõem grande parte do menu saem para a mesa de duas grelhas fisicamente separadas (detalhe importante), e que estão num compartimento isolado do resto da sala. É ali que são confeccionadas cerca de duas dezenas de opções de peixe fresco a peso (40 a 50euros/kg) ou carne para grelhar. As propostas diárias variam e andam pela dúzia, retiradas da ementa fixa ou das especialidades, sendo aqui que se encontram pratos como o bacalhau à minhota, a caldeirada de peixe, a vitela à jardineira, a carne de porco à alentejana, as favas à camponesa ou um ensopado de borrego. Sala muito ampla, luminosa, com mesas espaçosas e bem apetrechadas, onde sobressai a aplicação de madeira na decoração, sem exageros, e em feliz contraste com o branco das paredes. Os televisores espalhados por alguns recantos e o cachecol de um clube de Paredes de Coura denunciam o cariz popular e familiar da casa, e também as origens minhotas da gerência.

Numa das visitas em almoço semanal petiscou-se uma "alheira de caça" (5 euros) de grande qualidade, sem excesso de gorduras e com recheio honesto. Seguiram-se uns bons "linguadinhos fritos" (13 euros) muito frescos, de cor dourada e sem deficiências de fritura, que vinham em par, de tamanho médio generoso, acompanhados por salada mista e arroz sequinho, mas solto (ao estilo nortenho), com ervilhas e cubinhos de tomate. Outra sugestão do dia era o "pernil de porco" (11 euros), igualmente em dose suficiente e com as febras a lascarem, mas de sabor discreto, sem aquele tempero guloso que costuma ser característico, a parecer que não tinha embebido o molho do assado. Acompanhavam-no umas saborosas batatinhas fritas aos cubos e um esparregado demasiado enfarinhado. A fechar muito bem esta primeira incursão, uma "tarte de gila" (3 euros) de base firme e com recheio húmido, enriquecido com amêndoa.

A clientela de negócios que maioritariamente se avista aos almoços é substituída ao jantar por famílias da vizinhança, cavalheiros que comemoram uma efeméride longínqua ou grupinhos em celebrações festivas que por vezes fazem aumentar os decibéis do éter, compondo um painel heterogéneo de frequentadores, sempre a preencherem bem a avantajada sala que chega à centena de lugares, sem contar com a esplanada.

Nova visita num jantar que começou com uns "croquetes" (1 euro/cada) de massa agradável, mas de fritura falhada, ficando gordurosos e molengos. Depois, as brasas e o mestre assador foram testados com um "cantaril grelhado" (11 euros), peixe de sabor delicado que se solicitou expressamente para não ser escalado (apesar de muitos clientes pedirem para abrir os peixes, segundo consta), e assim surgiu à mesa com uns viçosos grelos de couve salteados em alho, batata torneada cozida, e com os requisitos necessários da grelha a serem cumpridos. A sensibilidade do cantaril (e de outros peixes médios) pede para que seja grelhado fechado e com olho vigilante no lume, evitando que as extremidades sequem, e mantendo a humidade dos lombos para assim conservar os sucos junto à espinha, onde reside parte do sabor. Missão cumprida na íntegra.

Outro peixe do dia saído da apetecível vitrina piscícola foi a "garoupa assada no forno" (14 euros), em que a posta robusta e suculenta foi acamada sobre a tradicional base de cebola e tomate, e trazia batatinhas assadas e uma forma de arroz de tomate. Um prato que já é chamariz da casa é o "cabrito assado" (13 euros), com um paladar rústico no tempero e carne de gabarito. Veio igualmente com batatas assadas e o arroz dos miúdos (sequinho, claro!). Nas sobremesas, um "leite-creme" (2,75 euros) com o preceito esperado e uma vistosa "tarte de maçã" (4,50 euros), de fatia muito alta com o recheio vidrado dentro de uma caixa de massa saborosa e que no interior conservava cubinhos de maçã ligeiramente estufados, mas crocantes, envoltos num creme firme, translúcido, e com um toque de canela. Foi servida tépida com duas bolas de gelado de baunilha.

A carta de vinhos é alargada, apresentando quase uma centena de propostas de diversas regiões com preços realistas, não esquecendo alguns clássicos de prestígio, mas também com rótulos fora da rotação habitual a preços apelativos. Podia estar mais bem organizada na informação e nas datas que surgem de forma quase aleatória, mas o serviço cumpre ao nível dos copos e das temperaturas.

Como já foi referido, o espaço é grande, a equipa de sala idem, e por isso o serviço decorre a um ritmo ligeiro consoante a afluência da casa, mas que não deixa de ser eficiente e prestável. Em nenhuma das visitas consegui que um empregado me explicasse o porquê do nome Dom Feijão, que já vinha da anterior gerência. O restaurante abriu no início de 2008 e a designação manteve-se quando o actual responsável pegou na casa, em finais desse mesmo ano.

A nova zona residencial onde fica o restaurante forma o recém-criado Largo Machado de Assis, escritor romântico contemporâneo de Eça de Queirós. Aqui é que podia ter havido inspiração brasileira, nomeando o restaurante de Dom Casmurro, obra maior do autor carioca. Segundo se apurou, o proprietário do restaurante, João Araújo, é desde há décadas um defensor persistente neste estilo de menu tradicional, fruto da experiência familiar que trazia d" Os Courenses, e depois, a solo, do Sem Nome, de onde trouxe alguns pratos e parte da equipa de sala. Uma saudável "casmurrice" - sem malícia - que se enaltece com prazer.

Talvez o apelo exótico das cozinhas estrangeiras seja mais persuasivo para as segundas gerações de migrantes e para os citadinos mais viajados, mas seria bom encontrar espaço para todos dentro desta malha urbana tão vasta em termos culturais como é a lisboeta. Por ser um lugar de encontros geracionais à mesa, onde se podem degustar bons pratos da cozinha portuguesa, e que oferece variedade de peixes frescos tratados com respeito e sem especulações de preço absurdas, este Dom Feijão é um género de restaurante que continua a fazer falta em Lisboa.

Nome
Dom Feijão
Local
Lisboa, Lisboa, Largo Machado de Assis, 7D
Telefone
218464038
Horarios
Segunda a Sábado das 12:00 às 15:30 e das 19:00 às 22:30
Website
http://www.turisplan.pt/domfeijao/
Preço
20€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Não
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