Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Pimenta
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Cabaret com alma indie

Por Andreia Marques Pereira ,

A inspiração vem dos (loucos) anos 20 dos cabarets e da boémia mas há traços identitários incontornáveis no novo Era Uma Vez em Paris: um certo ar de família que quer abrir-se à cidade sem perder a personalidade orgulhosamente alternativa.

Há um lado solar e um lado lunar neste Era uma Vez em Paris portuense, e isto significa que dia e noite têm personalidades vincadas. Não chocam, são as duas faces da mesma moeda que é o mais recente habitante do epicentro da noite portuense (para os mais distraídos, a Rua das Galerias de Paris). São dois projectos que se aliaram debaixo do mesmo tecto e como todos os que servem dois amos também aqui hátwists para agradar a ambos, o sol e a lua.

O nome é de família, podemos dizê-lo - e o negócio também é de família, mas já lá iremos. Há um irmão mais velho, que até é quase vizinho, o início desta história que, já vimos, começa sempre da mesma maneira. Era uma Vez no Porto e era o (parece já longínquo) ano de 2005. Foi uma espécie de pedrada na cidade e pôs algum Porto a desembocar regularmente no Passeio Alegre a ver o rio a chegar ao mar para usufruir de um conceito ainda raro na época: um salão de chá e bar acompanhado de cabeleireiro e antiquário, loja de roupa, de música, de bicicletas - os inquilinos mudavam regularmente na grande casa antiga a dois passos da Fundação Eugénio de Andrade.

Constante foi mesmo o salão de chá, que rapidamente se tornou bar de uma imensa minoria que se espalhava nas suas salas, todas com ambientes diferentes, a escutar as mais recentes novidades musicais do espectro alternativo. As lojas começaram a ficar pelo caminho à medida que o bar se apoderou de mais compartimentos da casa que até gato tinha.

Quando a noite portuense se "encontrou" na órbita dos Clérigos, o Era uma Vez no Porto foi atrás: trocou a casa por um apartamento com vista para a torre; deixou cair o conceito de múltiplas valências, que o próprio edifício proporcionava, pelo bar que era a alma do projecto; perdeu em espaço o que ganhou em centralidade.

"Foi um processo natural", recorda Nelson Pedrosa, o sócio-gerente, "porque na altura todos os bares acabaram por vir para a Baixa." "Não fazia sentido estar num enclave", continua, "onde as pessoas tinham de ir de propósito." A mudança foi bem sucedida: o "Era" manteve os clientes de sempre e ganhou outros que não o conheciam dos tempos em que a noite do Porto se fazia por toda a cidade.

E agora o conceito "Era" estendeu-se a algumas centenas de metros e uma esquina pelo meio, para chegar às Galerias de Paris a dois ritmos: o do dia, pela mão de Filipa Montalvão; e o da noite, pela mão do mentor de tudo, Nelson Pedrosa, e os seus dois sócios, a irmã, Célia Pedrosa, e o cunhado, Pedro Sousa. Os sócios idealizaram o novo Era Uma vez em Paris, espaço noctívago que apenas assim seria subaproveitado - por isso, subalugaram o espaço diurno à amiga Filipa que tinha um projecto à espera de "casa".

Estamos no Era Uma Vez em Paris by day como dizem as ementas espalhadas pelas mesas, vermelhas como são as paredes e chão deste espaço amplo com os pés na Rua das Galerias de Paris mas as janelas na Rua de Cândido dos Reis. É fim de tarde, a música já entrou em ritmo de transição para a noite mas ainda não se soltou totalmente (escutamos Passion Pit, mais cedo Feist e Gotan Project, por exemplo, podem ser banda sonora), as pessoas que entram, ficam e saem têm copos à frente, mas se há coisa que o Era uma vez em Paris tem durante o dia que não tem à noite é petiscos em forma de sandes, saladas e prato do dia. Esse era o projecto de Filipa, que aqui foi recebido de braços abertos.

"Queria um espaço para apresentar sandes e saladas originais", explica, descrevendo o processo de inspiração ocorrido em Barcelona, onde estudou e se deixou contagiar pela cultura dos bocadillos "a qualquer hora". Fez uma espécie de roteiro informal das melhores e aqui criou as suas, acompanhou-as de saladas e deu-lhes nomes como S. Bento, D. Luís ou Douro, que não revelam os seus ingredientes mais insuspeitos, como tâmaras e mel. "Durante o dia", conta, "espreitam curiosos, mas as pessoas ainda não associam o espaço a comidas." Daí o menu, agora exibido um pequena lousa à entrada, à laia de anzol.

À noite já não está lá. Apenas uma luz escura se entrevê por detrás das grandes portas de madeira branca, vidro e delicado ferro forjado. Em noite de inauguração a multidão transborda na rua, em noite velocidade-cruzeiro faz-se e desfaz-se à velocidade de caprichos e a momentos ganha pista de dança, movendo-se mais ou menos discretamente trazendo o espírito dos primórdios do rock"n"roll para um cenário que busca inspiração nos loucos anos 20 - parisienses. Porque, diz Nelson, os anos 20 a ele remetem para a capital francesa e um bocadinho de Paris está nas paredes em fotografias, a preto e branco sobretudo, de locais e pessoas. "Não queríamos nada demasiado agressivo, apenas que se sentisse a atmosfera." 

A atmosfera boémia (e burlesca) de cabaret que encontrou nos últimos anos um renascimento em algumas cidades europeias foi, portanto, o leit motiv do espaço intensamente encarnado onde as mesas (de madeira e tampo de mármore) e os candeeiros de tecto e os abat-jours dos de pé (de veludo ou tecido, maiores ou mais pequenos, mas com "franjinhas" todos) foram mandados fazer de propósito baseados em fotografias de época; o resto do mobiliário e pormenores de decoração foram resgatados em antiquários.

Agora espalham-se nesta área ampla, que se divide informalmente na zona de estar, na parte de trás, junto às janelas com reposteiros verdes, onde as mesas dominam, e a zona de "pé", à frente, quase vazia de mobiliário e, por isso, mais dada a movimentos dançantes - mas nisto já é o público que manda porque não há qualquer intenção prévia, "é só para as pessoas estarem mais à vontade". Durante o dia, apenas na parte da frente se fuma: há só uma mesa, mas Filipa já pondera colocar mais.

Se a ideia era convocar um certo espírito de "transgressão", como refere Nelson, a pista que não o é consegue-o. E se há noites em que se dança twist é porque, apesar de manter a identidade musical do Era Uma Vez no Porto, aqui abre-se um pouco mais o registo musical. "Sempre alternativo", sublinha Nelson, "mas com mais opções". Que é como quem diz, "mais sons", desde "um pouco de bossa nova ou electrónica, sem minimalismos ou afins". No Carnaval, por exemplo, a noite aproximou-se, também musicalmente, dos anos 20, porém, em abono da verdade, a música indie-alternativa é aqui o abono de família. "Não tanto de nicho quanto no Era Uma Vez no Porto", explica, até porque este é um "um espaço mais de massas" - de abertura declarada à cidade que, curiosamente, até continua a dar preferência à bebida da casa "mais procurada desde os tempos da Foz", o mojito.

É um dos factores que ajudam, aliás, a que os dois locais não choquem, dada a proximidade geográfica. Este "acaba por ser mais transversal, mais ecléctico" - na música como no público. Foi uma questão de "perceber a sinergia entre espaços e o que se poderia acrescentar à noite da cidade". "Sem perder a personalidade "Era Uma Vez..."", acrescenta Nelson. O tal ar de família, portanto.

 

By day
De sandes e saladas se faz grande parte do menu diário do Era Uma Vez em Paris - incluindo o do dia (5€), com sopa, sandes ou salada, água e café. De Espanha para Portugal com sabores exóticos - e nomes bem típicos: vejam-se as sandes (4,50€) S. Bento, com tomate, Brie e abacate, ou Paris, de salmão fumado e queijo Feta, ou as saladas (5€) Batalha, com tomate cereja, Feta, tâmaras e azeitonas, ou Ribeira, de ananás, abacate, tomate e cebola roxa. Além destas, os petiscos da casa abarcam ainda os "pratinhos" (2,50€), que incluem desde espetada kebab a tostinhas vegetarianas, e os doces (2,20€), como fruta laminada com iogurte natural e hortelã ou bolo do dia. Há também menus de brunch (5€), entre as 11h e as 19h.

Nome
Era uma vez em Paris
Local
Porto, Vitória, Rua das Galerias de Paris, 106
Telefone
222083756
Horarios
Segunda a Quinta das 11:00 às 19:30 e das 21:30 às 02:00
Sexta e Sábado das 11:00 às 19:30 e das 21:30 às 04:00
Website
http://eraumaveznoporto.blogspot.com
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