Fugas - restaurantes e bares

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Este Joaquim tem dom para ser um dos bons

Por Fortunato da Câmara ,

Entrou no disputado campeonato dos bons restaurantes de Évora em ano de crise. A tarefa deve ser tudo menos simples, mas em pouco mais de quatro anos o Dom Joaquim tem superado o desafio e já faz parte dos melhores da cidade.

É bom ir a uma cidade cujo centro histórico ostenta o título de Património Mundial da Humanidade e onde a preservação vai além do edificado e se estende também às memórias gustativas. Em Évora ainda é possível encontrar - felizmente -, uma mão-cheia de restaurantes de qualidade apreciável em que uma refeição saborosa pode também ser edificante. Pratos locais que testemunham a vivência das gentes e a prodigiosa imaginação de com pouco fazer tudo, com aromas e sabores genuínos de uma simplicidade desarmante.

São vários os locais onde a cozinha alentejana ainda é apresentada na sua beleza singela, sem subterfúgios ou arrivismos culinários. Em 2008, o jovem Joaquim Martins de Almeida decidiu acrescentar mais uma morada de relevo gastronómico à bem composta lista de recomendações da cidade.

O restaurante fica a poucos metros da Porta de Alconchel, mas se o acesso for de automóvel basta entrar na Porta da Lagoa (junto ao aqueduto romano), virar de imediato à direita e seguir pelas ruelas sem perder a muralha de vista do lado direito. A Rua dos Penedos tem um arco a meio caminho e o Dom Joaquim fica mesmo aí.

Um espaço confortável com apontamentos decorativos simples mas eficazes a transmitirem à sala uma harmonia entre rústico e o contemporâneo. Mesas bem apetrechadas e copos de vinhos condizentes com a aposta que a casa faz nesta área. Há uma dúzia de referências a copo bem seleccionadas na abrangência de preços e na qualidade das propostas. Nota muito positiva para o facto de as garrafas estarem devidamente acondicionadas num dispensador próprio que possibilita o serviço do vinho nas melhores condições. Na carta de vinhos há uma natural incidência de rótulos alentejanos, alguns de produtores menos conhecidos, o que é de louvar, mas as restantes regiões também estão representadas, havendo até opções dos Açores. A tónica dominante é ter preços cordatos, uma decisão com aparentes resultados, já que num almoço de semana com a casa bem composta a maioria das mesas estava a consumir vinho.

E para uma boa carta de vinhos, um menu também alargado, onde não faltam clássicos da cozinha alentejana, como a sopa de cação, a açorda de bacalhau ou o borrego assado, sem deixar de fora os vegetarianos, que também podem contar com duas sugestões de pratos. Na mesa, um cesto de pão (1,90 euros), com quatro variedades de muito boa qualidade, uma delas com azeitonas. Fora do pão, as ditas azeitonas (1,40 euros) vinham temperadas e eram miúdas, multicolores, e de óptima qualidade. Tinham aparência e sabores "reais" sem oxidações apressadas para embelezar. Os ovos de codorniz (3,50 euros) temperados com azeite, ervas e um ligeiro toque avinagrado, saborosos e muito frescos. Generosa era a dose de ovos com farinheira (6,80 euros), mexidos até ao momento certo para se manterem húmidos, e com o enchido a estar crocante antes de entrar na mistura, impedindo-o de ficar desfeito e separando os sabores e as texturas. Ainda antes dos pratos principais, chegou um pratinho de torresmos de rissol (4 euros) acabados de fritar e com cristaizinhos de sal à superfície, que estavam estaladiços e gulosos.

Chegou então uma caçarola de barro com uma avantajada sopa de bacalhau com espinafres e ovo escalfado (12,50 euros), delicada no tempero, sem alho a mais e com a água de escaldar o bacalhau a reforçar o sabor, bem guarnecida com posta alta e bons espinafres "azedinhos", a equilibrarem com o ovo escalfado de gema cremosa. As típicas migas de espargos com carne de porco do alguidar (12 euros) teriam ficado a ganhar se os espargos não estivessem tão picados e misturados com nicos de chouriço, o que lhes retirou sabor, mas os vistosos pedaços de carne, que foram temperados com massa de pimentão e fritos em banha, estavam saborosos e suculentos.

Outro momento a sublinhar foi o da chegada do arroz de lebre malandrinho (12,80 euros), confeccionado com arroz agulha, de sabor apurado e carne de qualidade campestre, com o golpe certeiro de vinagre a dar-lhe a acidez certa. Com a generosidade das doses o espaço para guloseimas ficou drasticamente reduzido, mas era difícil ignorar o portentoso fidalgo (4,20 euros), com a combinação entre trouxas e doce de ovos a surgir sem reparos daquilo que se espera de um devaneio conventual desta natureza. O pudim de água de prata (3,90 euros), que foi buscar o nome ao aqueduto secular que abastecia a cidade, era uma vigorosa receita de pudim de ovos, de textura enqueijada e gulosa. Há mais sugestões conventuais de relevo mas para degustar com parcimónia.

Na sala denota-se que a jovem equipa tem formação adequada, mantém-se atenta e afável durante o serviço, e com disponibilidade para esclarecer. As temperaturas de serviço dos vinhos a serem cumpridas de forma correcta, mas sem grande informação extra a acrescentar, o que é pena quando a carta é extensa, como é o caso. O proprietário distribui simpatia e recolhe opiniões ao circular pela sala em conversa ligeira com os clientes. O toque de chef menos empertigado que o habitual descai-lhe sobre a cabeça, assemelhando-se a uma boina de pintor do século XVII. Talvez seja uma metáfora do que pretende este Dom Joaquim: ser um espaço artesanal nas técnicas e na autenticidade dos sabores, mas apresentando a cozinha regional como uma arte popular.

Este formato de restaurante bebe um pouco da inspiração que o histórico Fialho vem mantendo desde há décadas e que alguns "filhos" gerou à frente de outros restaurantes da cidade e arredores. A novidade aqui é ter orgulho na cozinha típica, praticá-la num espaço moderno, confortável e a preços sensatos, algo que vai escasseando noutros espaços vizinhos, onde o pudor em tabelar menus de forma desproporcionada já se perdeu há algum tempo. Merece, portanto, reparo positivo este caminho que o Dom Joaquim tem trilhado com qualidade e sabedoria, e que o coloca entre as melhores opções da "Mui Nobre e Sempre Leal Cidade de Évora", que não descura o seu valioso património gastronómico regional.

Nome
Dom Joaquim
Local
Évora, Évora (Sé e São Pedro), Rua dos Penedos, 6
Telefone
266731105
Horarios
Terça a Domingo das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:45
Preço
20€
Cozinha
Alentejana
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