Fugas - restaurantes e bares

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Do coração para a mesa

Por Fortunato da Câmara ,

Um economista de ascendência moçambicana largou a razão dos números para se entregar de coração aos tachos. O resultado desta derivação profissional é servido à "Mensa" numa morada histórica de Oeiras.

O remanso de mais um fim de jornada anuncia a lenta desertificação do centro histórico de Oeiras. A luz ainda se declina no horizonte e um ambiente quase fantasmagórico já se apodera das ruas, como se continuassem a circular por ali as pessoas que ao longo dos dias se vão distribuindo entre o comércio local e os serviços da zona.

A zona que em qualquer cidade se supõe ser nobre, com o crepúsculo transforma-se em pobre de vida e de energia - um cenário igual ao de tantos outros centros urbanos. Felizmente parece que vai despontando algum movimento no jardim em redor da igreja matriz.

O novo ânimo é proporcionado pelo Centro Cultural Palácio do Egipto, um edifício aristocrático devoluto e que a autarquia restaurou e ampliou. O palacete ganhou o cognome por estar integrado na já desaparecida Quinta de Recreio de Nossa Senhora do Egipto, espaço amplo sem data certa mas que no início do século XVIII estava na posse de João Rebello de Andrade, patriarca de uma família que haveria de ficar ligada à história de Oeiras. O esplendor da propriedade só diminuiu na segunda metade do século ao ser construído o palácio de Sebastião Carvalho e Melo, conde de Oeiras e futuro Marquês de Pombal. O antigo palácio reabriu como centro de exposições há cerca de três anos. Surgiu com uma ala moderna de linhas rectas onde se evidencia um pórtico esguio e imponente por onde se acede a uma zona de lazer ao ar livre com esplanada, e também às exposições temporárias que têm preenchido a agenda desde a inauguração em 2009.

Por essas alturas, enquanto o Palácio do Egipto dava os seus primeiros passos como centro cultural, abria numa zona residencial de Paço de Arcos o restaurante Mensa. O menu propunha um híbrido entre a chamada "cozinha de fusão" e um conceito do tipo "comidas do mundo". Apesar de haver alguma mistura de estilos, a pedra de toque foi sempre os sabores asiáticos. Foi por aí que o Mensa foi fazendo o seu caminho e ganhando clientela até se mudar em Fevereiro para um dos espaços comerciais do Palácio do Egipto. Fica no corpo original do edifício e está virado para a praça interior do centro, onde divide com uma casa de chá a parte reservada a esplanadas. O restaurante faz parte de uma pequena área comercial que tenta dinamizar a zona histórica da cidade. O horário alargado dos jantares acaba por ser um elo de ligação com o bar que existe paredes meias, e onde se podem prolongar um pouco mais as conversas noite fora.

A premissa gastronómica mantém-se inalterada, com a carta a ser cosmopolita o suficiente para ter lado a lado na oferta de "Pratos ligeiros" a taça de caril de camarão, o bife à Marrare, ou o arroz indonésio com tiras de frango e camarão. Nos peixes predominam o atum e o camarão trabalhados ao estilo asiático, enquanto nas carnes pode encontrar-se um lombinho de porco com redução de frutos do bosque, ou bifes do lombo com massa folhada ou com queijo chèvre. Há uma secção denominada "Vegetais" onde curiosamente os pratos não são vegetarianos, com os ingredientes a serem salteados no wok e conjugados com carne ou marisco, sendo possível pedir uma versão só com legumes.

À semelhança da anterior morada, a decoração da sala é simples, aproveitando o contraste entre a alvura das paredes e o negro das mesas, preparadas com chemins estampados, copos e pouco mais. Na única superfície que não é branca destaca-se um texto com a definição da palavra mensa, de etimologia latina e que tanto no português como no espanhol evoluiu para o vocábulo "mesa". É pois a ela que passamos para experimentar as derivações culinárias de Walter Oliveira, um cozinheiro autodidacta que deixou uma carreira ligada à economia para abraçar a sua paixão pela cozinha. O seu empenho começa a ver-se na "Travessa de manteigas aromáticas" (1,50 euros) onde três fatias finas com sabores a azeitona, caril, ou alho, deram muito boa conta de si. Melhor atenção merecia a curtíssima carta de vinhos que anda pelas três dezenas de opções, em geral de gamas baixas, a que se juntam algumas sugestões a copo.

A descoberta de sabores que este moçambicano apaixonado faz questão em cruzar começou pelo "Cogumelo Portobello flambeado" (3,75 euros), com o chapéu vistoso e agradável do fungo grelhado na chapa o tempo suficiente para ficar marcado sem perder volume, foi temperado com alho, especiarias e molho de soja, mas acusou excesso de sal para além daquele que o molho habitualmente acrescenta. Os "Quadrados de atum com sementes de sésamo" (4 euros) eram oito cubos preparados de forma simples e gulosa, apenas marcados na chapa e rolados nas sementes brancas e pretas do gergelim, mantendo-se húmidos e carnudos, com o tempero final a vir para a mesa numa tacinha com molho de soja e cebolinho. Pouco interessantes foram as anunciadas "Casquinhas de camarão" (3,75 euros), que na realidade era apenas uma, a saber, concha de vieira recheada com uma miscelânea de sabor indiferenciado onde mal se conseguiam descortinar uns troços de camarão. O resultado era monótono no palato e sem cativar na aparência. Apesar de parecer elaborado de ingredientes e agradável de sabor, a imagem que fica é a de uma amálgama imperceptível.

Mais entusiasmantes eram os pratos principais como o "Teppanyaki, grelhada japonesa" (16 euros) em que uma dose generosa de legumes diversos foi a grelhar (yaki) na chapa (teppan) para guarnecer alguns camarões e tiras de lombo de novilho de boa qualidade, sendo tudo envolvido num molho apetitoso, servido com arroz branco. No "Bife de atum com molho Teriaky" (14,50 euros) destacou-se o clássico molho agridoce japonês, aqui mais delicado que o habitual e com notas de gengibre, o que valorizava ainda mais o belo naco de peixe, cozinhado a preceito, sem secar no interior, e acompanhado por um pratinho de legumes salteados no wok, firmes e saborosos, com cenoura, cebola, couvinha pak choi e cogumelos de Paris laminados. Outra boa surpresa foi o "Porco lacado com arroz birmanês" (14 euros), com fatias do lombo lacadas por fora e rosadas no interior, passadas em molho Teriaky e em boa companhia de um arroz escuro e aromático, rico em legumes e de sabor intenso, com as malaguetas doces a fazerem o contraponto a algum excesso de bacon.

Das sobremesas provadas nenhuma se destacou. O "Strudel de maçã com gelado de nata" (3,50 euros) de aparência caseira, cumpriu o esperado no recheio de puré de maçã, passas e nozes. A "Tarte de lima e gengibre" (3,50 euros) vinha montada em três camadas, em que o sabor irreverente do rizoma se revelou bem mais discreto que o da lima. O "Merengue Pavlova de frutos vermelhos" (3,50 euros) trazia apenas morangos e ficou com a consistência próxima à de um suspiro, ou seja mais seca, em vez de exibir a delicadeza de um merengue húmido.

Num dos móveis junto ao balcão pode ver-se uma pilha de livros de receitas com uma selecção tão abrangente que vai desde o exotismo da cozinha tailandesa até ao classicismo de Maria de Lurdes Modesto, passando ainda por vários títulos de Jamie Oliver. Como se constata, as fontes de inspiração de Walter, como alguns clientes já o vão tratando, são díspares e ecléticas e isso reflecte-se na sua cozinha onde se sente que há muito coração em cada prato e uma forte identificação pessoal com cada sugestão. Só lhe falta alguma regularidade na confecção dos pratos e refrear um pouco o entusiasmo na hora de temperar. Na sala, a afabilidade e timidez da sua mulher Sara é genuína, e quase que desculpa alguns deslizes do serviço por parte da restante equipa, também ela esforçada e afável mas de quem se percebe que não há experiência ou formação adequada. Este Mensa é um local descontraído onde cada visita acrescenta um pouco mais de animação a uma zona outrora adormecida e que lentamente já vai atraindo clientes locais e até turistas.

Nome
Restaurante Mensa
Local
Oeiras, Oeiras e São Julião da Barra, Centro Cultural Palácio do Egipto, loja 2
Telefone
912054077
Horarios
Segunda a Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 01:00
Preço
25€
Cozinha
Contemporânea
Espaço para fumadores
Não
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