Fugas - restaurantes e bares

  • Helena Colaço Salazar
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Uma nova mesa a descobrir

Por Fortunato da Câmara ,

À entrada de mais um ano, Belém mostrou que ainda é local para descobertas. Desta feita, a novidade chama-se Descobre. Tem poiso numa rua de inspiração marítima, mas ainda há mar para desbravar.

Ao desenharmos um triângulo no mapa de Lisboa, com as extremidades a ligarem a Torre de Belém ao Padrão dos Descobrimentos, e a margem do Tejo a servir-lhe de sopé, fica apenas a faltar-nos um vértice. Se unirmos estes ângulos no n.º 65 da Rua Bartolomeu Dias afigura-se um triângulo escaleno. É esta a geometria ideal para traçarmos um plano e - ao contrário do heróico Bartolomeu -, navegarmos tranquilamente até um lugar que se "Descobre" no nome e no espaço.

A designação ambígua do restaurante podia ser facilmente associada à localização entre os dois símbolos que evocam a Época das Descobertas e ao facto de a morada ter como topónimo o navegador português que em 1488 foi pioneiro a dar cabo das tormentas que se faziam sentir no sul de África, quando o desafio era cruzar-se do Atlântico para o Índico. Afinal parece que o repto lançado aos clientes é que "descubram" produtos nacionais seleccionados e também algumas receitas que contam a história das epopeias portuguesas. Foi nessa boa esperança de encontrarmos novos sabores que nos dirigimos a Belém com o espírito de quem procura o "Descobre" (passe a cacofonia).

O estabelecimento tem duas valências e está instalado num prédio de traça pombalina. A entrada faz-se pela "mercearia", nome popular que se converteu em chique como se pode constatar pela sala aperaltada onde estão expostos vários produtos para venda directa, como compotas, especiarias, conservas, queijos, licores diversos, vinhos de mesa, mas também fortificados. Salta à vista a estante de madeira do lado direito que se funde na figura elegante de um tronco de árvore estilizado. Num cantinho desta sala, junto à coluna que faz de charneira aos quatro arcos de pedra que sobressaem de imediato na decoração, acede-se à agradável zona de refeições. Apresentação cuidada das mesas, boas cadeiras e um confortável banco corrido junto às paredes, com a costa a dissimular uma sanca percorrida por um fio de luz indirecta, o que torna o ambiente mais acolhedor. 

A casa aposta num horário contínuo desde os almoços até à meia-noite. Doze horas seguidas de funcionamento, e sem folgas, que comportam uma carta onde se incluem sugestões diárias aos almoços (uma de peixe, outra de carne) e pratos mais elaborados, que podem igualmente ser pedidos ao jantar, além de uma forte vertente petisqueira. A sugestão de cerca de 20 petiscos tanto pode preencher as tardes, numa das mesas da entrada com um copo de vinho ali à mão, ou saciar apetites mais tardios que podem surgir no final de um espectáculo no vizinho Centro Cultural de Belém. 

couvert colocado na mesa começou por revelar algum critério na selecção de produtos e preparações. Um bom "Azeite Pia do Urso" (1,50 euros), também à venda na loja, uma "Pasta de azeitona" (1,20 euros) sem excesso de azeite a perturbar a percepção do fruto, e uma belíssima "Manteiga de mel com flor de sal em Touriga Nacional" (1 euro), uma preparação simples feita com boa manteiga, a ficar ainda mais gulosa e por isso a ter de ser "domesticada" pelos cristais de sal negros e com suaves notas vínicas. Tudo aperitivos para emparceirar com "Pão" (1,80 euros), que embora referido como feito na casa tinha qualidade banal.

Os primeiros petiscos vieram de duas secções da ementa apelidadas de "Pic"aqui, Pic"ali" e "Descobre as espetadinhas". Para "picar" há uma dezena de hipóteses que tanto podem ser umas ovas de sardinha em conserva, uns filetes de sarda com ervas ou galinha com alho. Despertou a atenção a "Pica de pato com canela" (8 euros), mas infelizmente não cativou. Os pedacinhos do pato, temperados com mostarda à antiga (com sementes) e especiarias, vinham a puxar para o rijo. Depois havia um sabor alimonado - quiçá de gengibre a mais - que dominava o tempero, o que ofuscou a anunciada presença da canela sem se perceber o resultado gustativo da ligação entre a ave e a especiaria. O "Queijo de ovelha caramelizado com doce de malagueta" (4,50 euros) é que deu mesmo gosto "picar", pois a ardência da compota revelava-se no palato por debaixo de um manto de doçura. O choque positivo do inusitado doce com a rodela do queijo (Herdade da Amendoeira - Alentejo), protegido pelos cristais da caramelização e a fundir no interior, fez um belo contraste de sabores.

Nos "espetos" havia algumas opções, entre eles, o de porco com maça, o lombo à madeirense, ou o salmão com pepino e aneto. Foi no entanto acertada a escolha da "Espetadinha de lulinhas com molho de coentros" (6,50 euros), que na realidade eram duas, com três exemplares cada. As lulinhas frescas, muito saborosas e grelhadas com delicadeza (mantendo o interior cremoso) temperadas na dose certa de coentros para que o conjunto brilhasse, ainda avivado por raspa de limão. 


Abordagem séria ao vinho

Os vinhos são uma área em destaque, só que aqui parece que a máxima da casa é levada demasiado à letra. A oferta é alargada e tem várias referências de qualidade nas diversas gamas de cada região, mas como não há carta o cliente tem que andar algum tempo à "descoberta" do que vai beber ao percorrer as prateleiras da "mercearia". Com lista seria mais fácil, e a eventual curiosidade sobre algum rótulo em particular poderia à mesma ser satisfeita in loco. Os preços de venda ao público são amigáveis, e se a garrafa for consumida no local acresce apenas 20% sobre o valor afixado - um exemplo a seguir. Os vinhos são servidos em copos adequados e estão acondicionados em cinco garrafeiras climatizadas. A única lista é a de vinhos a copo, com cerca de uma dúzia de sugestões a preços módicos, com especial incidência no Alentejo.

Em geral, os pratos principais não têm acompanhamento incluído, e andam pela meia dúzia nos peixes, e cinco nos de carne, sem esquecer duas opções vegetarianas. Podia ter sido uma garoupa com abóbora assada, um bife de atum, ou até umtagliatelle de choquinhos, mas de peixe experimentou-se o "Torricado de bacalhau" (9 euros). Fatia generosa de pão saloio torrado a servir de base a grelos de nabo salteados, rodelas de tomate grelhado e quatro boas tranches de bacalhau frito - ao lado um pouco de piso de azeitonas. Um conjunto robusto e bem pensado no balanceamento dos ingredientes que foi o melhor "negócio" desta descoberta. Das carnes veio o "Peito de pato no forno" (12,50 euros), fatiado e servido com figos em calda de vinho tinto. A carne surgiu novamente passada do ponto e com algumas partes secas, o que é pouco compreensível tratando-se do peito. Também não ajudou o facto de a compota de figos estar fria, uma solução que retirou brilho ao tempero da carne.

Da lista de acompanhamentos escolheram-se as "Migas de batata com bróculos" (2 euros), de boa textura e com o legume viçoso no meio das batatas. Num desvio até aos mares do Índico - foi para se chegar até lá que Bartolomeu Dias tanto navegou - pedimos o "Xacuti de borrego" (11,50 euros). Uma dose esquiva do estufado rico em especiarias foi servida num tachinho, mas a precisar de um pouco mais de apuro. Escolheu-se por companhia um "Puré de batata-doce e aipo" (2,50 euros), muito bom e a fazer um agradável contraste com os condimentos da especialidade goesa. 

Na doçaria também há uma ou outra variação. Primeiro veio um "Arroz doce" (3,50 euros) a cumprir os cânones, mas sem deslumbrar. Simples e imaginativa foi a ideia de jogar com a oposição entre doce e ácido no "Doce de ovos e sorbet de limão" (4 euros) servido num copo de cocktail. Apresentado da mesma forma e igualmente bom era o contraste que se sentia no "Creme de requeijão com doce de ameixa e gengibre" (4 euros), a pedir até um pouco mais gengibre para provocar as papilas gustativas.

O serviço é amável e hospitaleiro, a mostrar-se disponível para as explicações solicitadas. No global foi uma descoberta positiva embora se sinta que há ajustes a fazer no que diz respeito a certas preparações. Há também algum desequilíbrio nos preços praticados em relação às porções servidas, tendo em conta o acompanhamento ser à parte. É no entanto um local a seguir por ter ideias interessantes na elaboração de alguns pratos e pela abordagem séria aos preços dos vinhos - caso raro no panorama restaurativo. Esperemos que as duas sócias que gerem o espaço continuem as desbravar novas ideias para a felicidade de quem as for descobrindo.

Nome
Descobre
Local
Lisboa, Santa Maria de Belém, Rua Bartolomeu Dias, 65 e 69
Telefone
218056461
Horarios
Segunda a Sábado das 12:00 às 00:00
Domingo das 10:00 às 00:00
Website
http://www.descobre.com.pt
Preço
25€
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