Fugas - restaurantes e bares

  • Fernando Veludo/NFactos
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Orgulhosamente tasca

Por Andreia Marques Pereira ,

"A ideia é, em tudo o que fazemos, ter sempre presente o que é Portugal", diz Graça Almeida, responsável pela nova Casa Santo António Baixa, no Porto. "Tasca gourmet", vive na órbita da casa-mãe, na Rua de São Bento da Vitória, a umas centenas de metros.

Dona Graça gosta de falar. E nós gostamos de a ouvir - afinal, ela recebe-nos na sua sala de jantar. Num canto de uma estante, estão dois pratos, "antiquíssimos", risca amarela, flores no centro, onde a mãe servia o bacalhau de Natal: a mãe é a sua musa inspiradora na cozinha. "Fazia sempre comida a mais, dizia que podia sempre aparecer alguém." Quando cozinha, ainda utiliza os tachos da mãe. "É pouca quantidade, mas é diferente. É como cozinhar para amigos", explica. Porque ela nem é cozinheira: "Sou mãe". E por ser mãe é agora a responsável pela comida na Casa de Santo António, uma tasca que se multiplicou por dois e que nasceu por nostalgia do filho e dois amigos. 

"Quase uma brincadeira", porque os três - Tiago, o filho, Pedro e António, os amigos - têm as suas carreiras profissionais. À mãe coube uma mudança inesperada de profissão: calhou-lhe o papel de cozinheira e, atrevemo-nos a dizer, de rosto da Casa Santa António, que agora acrescenta Baixa ao nome porque se estendeu bem ao epicentro da noite no Porto.

Na verdade, não se deslocou muito e até se pode dizer que a nova Casa Santo António Baixa está na órbita da casa-mãe, na Rua de São Bento da Vitória. Esta proximidade não foi de somenos nesta nova aventura: a cozinha é una, na casa antiga, e a logística de transporte das comidas resolve-se com uma caminhada. Contudo, as centenas de metros que as separam dividem o Porto mais tradicional deste Porto que ensaia cosmopolitismo. Aqui, na Casa Santo António Baixa encontra-se numa "tasca gourmet", identidade arreigadamente portuguesa - na gastronomia, na música, na forma de ser. "A ideia é, em tudo o que fazemos, ter sempre presente o que é Portugal", conta Graça Almeida.

Por isso, entramos e é fado que nos envolve - e à quinta-feira, uma semana em cada casa, há fado ao vivo, de Lisboa e de Coimbra, com um elenco fixo: "Não temos fado vadio, apostamos na qualidade. E o fado de Coimbra é um sucesso entre estrangeiros: adoram a melodia, mas não identificam como fado. Eu explico-lhes a diferença entre o de Lisboa e de Coimbra e até escrevo nomes de fadistas para eles irem comprar"; os petiscos e as bebidas da casa que se anunciam na lousa gigante são todos nacionais. Tão nacionais, na verdade, que não entram, por exemplo, bebidas destiladas: há vinho da casa, sangria, vinho do Porto, Amarguinha, ginjinha, Favaios, Macieira, CRF, cerveja; e os petiscos incluem clássicos como os ovos verdes, os peixinhos da horta, favas com chouriço, as pataniscas, moelas, bifanas, farinheira com ovos mexidos, bacalhau com natas, sandes...

"Local de socialização"

Foi apenas com sandes que começou a história da Casa Santo António, há pouco mais de quatro anos: sandes e bebidas, claro. Esse era o plano inicial dos amigos que um dia decidiram ir ver o que era feito da tasca ("mesmo tasca", brinca Graça) que frequentavam quando eram mais novos (e onde Tiago até cantava fado de Coimbra). Estava para arrendar e, num acesso de nostalgia, decidiram ficar com ela. Abriam de quinta-feira a sábado, à noite; depois, Tiago começou a pedir à mãe para fazer uns petiscos; poucos meses após passou a abrir todos os dias (excepto no descanso semanal, à segunda). Até que chegou o dia em que Graça Almeida ficou a tempo inteiro e se passou a abrir à hora do almoço - isto na casa original, nesta abre-se às 16h. Nunca houve, porém, prato do dia. O lema da Casa Santo António nas suas duas casas é petiscar e conviver. "Os pratos pequenos propiciam mais a conversa e nós começamos a ter falta de comunicação", considera Graça Almeida.

Por esta cultura de incentivo à comunicação, os espaços são pequenos. "É uma opção, estamos mais próximos dos clientes, há mais intimidade, melhor atendimento", nota Graça, "e dá sempre para dois dedos de conversa". E por essa opção de espaços pequenos surgiu a necessidade de abrir outra casa. "Na outra, a partir de quinta-feira está sempre tudo ocupado, com reservas." "Apareceu este espaço para arrendar, num prédio apetecível..." - "É um Marques da Silva!", exclama Graça Almeida, referindo-se ao arquitecto que na viragem do século XIX para o século XX ajudou a moldar a face da cidade.

Até há não muito tempo, funcionou neste rés-do-chão uma mercearia que escondia a arquitectura original. Durante as obras revelaram-se, por exemplo, um espelho Arte Nova, que se exibe agora encaixado na madeira (original) da parede como se fosse uma peça única, e os mármores das casas de banho, que ostentam as marcas do tempo. Para a decoração do espaço, fez-se um estudo das tascas dos anos 1950 - amarelo, azul, vermelho - e fez-se uma aplicação subtil em peças que oscilam entre o rústico e o contemporâneo: o balcão é em lambril de cor amarela como as mercearias antigas, a estante (recuperada no local) foi pintada de azul e acrescentou-se-lhe uma rede (também a lembrar o antigamente), as mesas são brancas e os bancos de madeira - para ajudar à convivialidade, há uma mesa comum, alta, onde desconhecidos deixam de o ser. Os objectos piscam o olho à portugalidade, seja nos galos de Barcelos ou no Santo António (estilizado, branco) e à tradição - há alhos pendurados, garrafões, leiteiras "antigas", nas mesas há flores, os individuais têm pássaros coloridos.

Apesar da tentação em que vários incorrem, a Casa de Santo António Baixa (e a outra) não quer ser rotulada de restaurante, porque é nas tascas, à moda antiga, que se inspira: eram "local de socialização, não apenas de bebedeiras", sublinha Graça. E de criar laços: a outra casa foi palco de um pedido de casamento entre dois clientes que aí se conheceram e aí se namoraram. E para lembrar a importância dos laços, há uma porta azul num dos cantos da sala: por cima o azulejo tem o número 80 - a porta não dá para nenhum sítio, a não ser para o da afectividade: é o número da casa-mãe.

Nome
Casa Santo António Baixa
Local
Porto, Sé, Rua da Fábrica, 93
Telefone
938704632
Horarios
Terça a Sábado das 16:00 às 02:00
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