Fugas - restaurantes e bares

Fernando Veludo/Nfactos

De vinho e de poesia

Por Andreia Marques Pereira ,

É uma garrafeira pouco convencional e não apenas por apresentar vinhos pouco óbvios - chega a confundir-se com um bar: primeiro prova-se, depois compra-se (ou não). N' A Vindimeira, no Porto, o convite a descobrir o vinho é explícito e as propostas de harmonizações eclécticas: com petiscos, mas também com música e poesia.

Foi preciso ir ao outro lado do mundo para se chegar à Vindimeira; de Hong Kong para a "D. Alzira", que personifica os trabalhadores das vinhas e se inspirou na figura do painel de azulejos da estação do Pinhão para o logótipo. O nome é o da bisavó de Pedro Leitão, mentor e proprietário desta "casa do vinho", como ele define A Vindimeira. Não precisávamos que ele o dissesse; mas é a ouvi-lo que percebemos que é uma casa onde não faltam cantinhos (compartimentos?) para outras especialidades cá da terra, umas mais corpóreas que outras: dos produtos regionais ao bom e ameno convívio, em torno do copo e não só. Um aviso: este não é um bar - é loja e garrafeira, onde as provas ocupam o centro do palco. Contudo, tem algumas das coisas que um bar tem e guarda um dos tais cantinhos para uma certa boémia, como veremos.

Não é bar, mas há música no ar - veremos mais tarde que vem de um gira-discos (branco, revisitação retro) e os vinis são da casa ou de clientes que aqui os deixam para ouvir quando vêm, conta Pedro Leitão. Há uma total democracia musical: quem chega pode dirigir-se aos vinis e colocar a girar o que lhe aprouver entre "relíquias de música popular brasileira e bossa nova", brinca Pedro, "muito jazz clássico, Frank Sinatra, Nat King Cole e um bocadinho de fado, para os turistas, sobretudo". A selecção garante sempre uma espécie de harmonização entre o vinho à música, resume Pedro Leitão.

A sua vida também se harmonizou com o vinho e por isso estamos aqui hoje. Primeiro no Douro, na Quinta do Vallado, num estágio no final da licenciatura em Economia; depois em Hong Kong, onde trabalhou para a marca na área de marketing e distribuição. Num mercado "recente e em franca expansão", o seu papel era "tentar explicar o que era o vinho do Douro e, por arrastamento, o vinho português". "Tinha de começar do zero. Falar das castas, das regiões, do processo de vinificação em Portugal", conta. "Era muito complicado."

Não passou incólume pela experiência. Voltou a Portugal e ingressou num mestrado de História, para explorar a vertente do vinho. "Dá-me mais gozo a história [do vinho] do que a enologia", assume. Afinal, considera, "as pessoas quando compram vinho também compram história". "[O vinho] É a melhor expressão da história da região, da família, da quinta, da aldeia." Estes são os ingredientes que Pedro juntou; o resultado da "fermentação", que se apresentou no final de Junho, é A Vindimeira, a casa que promove o vinho, a sua cultura e história. "Aí, marcamos a diferença", defende.

Uma diferença que tem na oferta a sua doutrina - não se encontram aqui "vinhos de top, relíquias": "Procuro ter vinhos sem grande fama, que sejam representativos da terra de onde vêm" (a geografia sentimental anda pelo Dão, Verdes e Bairrada - por enquanto, Douro e Alentejo estão sub-representados); e a sua eucaristia na prova e promoção - tenta-se desmistificar dogmas, entre eles o das regiões menosprezadas: "Às vezes, só depois [da prova] digo de onde vêm", diz Pedro, "as pessoas raramente conhecem os vinhos e raramente ficam decepcionadas".


Montra do vinho

A tarde já escureceu no morro da Vitória, mas a noite ainda não assentou de vez. Na inclinada Rua das Taipas, as duas portas-janelas bordeaux que são a fachada de A Vindimeira surgem como um pequeno oásis: de dentro, espaço de linhas simples, branco, pedra e madeira clara com velhas alfaias espalhadas, a luz sai amarela; nos degraus há quem se sente com copos de vinho. Chegamos em plena happy hour, que aqui é território integralmente vinícola - a mostrar que o vinho "é bebida para ser consumida por gente jovem". Há vários vinhos a copo, do dia ou não, reservas ou não - e há muitas garrafas numa garrafeira que espera engolir a parede, mas por enquanto cobre metade, em "caixas" a lembrar as de vinho, que se arrumam como um jogo de Tetris e têm espaço para livros à espera de serem consultados. Quem quiser, compra a garrafa e pode consumi-la aqui, sem pagar mais por isso; quem quiser, terá entregas em casa, em Portugal e no estrangeiro - porque A Vindimeira tem muitos turistas entre o seu público, a quem Pedro não se cansa de explicar as idiossincrasias do vinho português ou, até, da cidade (faz visitas guiadas em torno do vinho do Porto).

Para nacionais ou estrangeiros, conhecedores ou leigos, A Vindimeira surge como montra pouco convencional para o vinho português. E, por contágio, para outros produtos regionais: há sempre petiscos para acompanhar o vinho, ocasionalmente provas (em colaboração com produtores) e venda de produtos seleccionados (por estes dias, compotas). De vez em quando, haverá sessões de poesia - mas a poesia vive permanentemente aqui, em cartões espalhados pelo espaço, para acompanhar o vinho. "É uma companhia tão boa como outra qualquer", brinca Pedro Leitão. Baudelaire haveria de gostar: "De vinho, de poesia ou de virtude, como quiserdes. Mas embriagai-vos".

Nome
A Vindimeira
Local
Porto, Sé, Rua das Taipas, 8
Telefone
222085041
Horarios
Todos os dias das 16:00 às 00:00
Website
http://www.avindimeira.wordpress.com
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