Fugas - restaurantes e bares

Rui Gaudêncio

Do incontornável D.O.M. de Alex Atala ao pastel de nata da Mathilde

Por Alexandra Prado Coelho ,

Se no Rio de Janeiro fizemos a rota dos botecos “pé-sujo”, em São Paulo fomos para o extremo oposto e experimentámos alguns dos melhores restaurantes da cidade. E ainda uma pastelaria portuguesa.

São Paulo é o território dos grandes chefs brasileiros. Foi a partir daqui que, com Alex Atala, a gastronomia brasileira redescoberta partiu à conquista do mundo. Fomos descobrir os pratos por detrás deste sucesso.

 

D.O.M.
Alex Atala

Incontornável. O restaurante de Alex Atala é o princípio da história da nova cozinha brasileira. Foi Atala quem primeiro começou a explorar os ingredientes nativos, trazendo-os da Amazónia e de outras partes do Brasil para os servir à mesa do D.O.M.. A fama que o restaurante conquistou tornou Atala uma referência mundial e o D.O.M. influenciou muitos outros chefs que entretanto surgiram — e continuam a surgir — no Brasil. Acrescente-se ainda que o D.O.M. está no sétimo lugar na lista do World’s 50 BestRestaurants (desceu um lugar, mas Atala ganhou o prémio Escolha dos Chefs 2014) e ocupa o segundo lugar na lista dos melhores restaurantes da América Latina. 

E o que se come? Pode-se escolher entre três menus, uma degustação de quatro pratos (357 reais, 117 euros), um de oito pratos (495 reais, 163 euros) e o Menu Reino Vegetal (242 reais, 80 euros). Nós provámos o Menu do Reino Vegetal, a opção vegetariana de Atala, que é harmonizado, de forma muito interessante, com tisanas e sumos vegetais: água de goiaba e baunilha, água de erva doce, água de salsinha e poejo, infusão de arroz tostado e chá, granizado de jabuticaba e água de cumaru. 

O chef brasileiro usa aqui muitos dos seus produtos de eleição, entre os quais o palmito pupunha, uma palmeira tropical com a qual faz um fettuccine em manteiga e sálvia, com cogumelos; ou ainda o mini-arroz(que praticamente já não se produzia e que foi resgatado por Atala, através de uma associação ao produtor) com cogumelos e agrião. Há também um ceviche de beringela e algas, feijão manteiguinha com creme de couve e farinha de milho, legumes com roti de cebola e creme azedo, e, para sobremesa, mandioquinha glacê, com chocolate da ilha do Combu, no Pará, e chantilly de mel de abelha Jataí (tanto o chocolate como o mel são também exemplos de produtos que Atala trouxe da Amazónia para São Paulo e começou a trabalhar no D.O.M.).

Indispensável no D.O.M. é o aligot, o puré de batata com queijo, receita francesa que Atala adaptou, usando, para além do queijo Gruyère, o queijo de Minas, e que é servido com toda uma performance, enrolado com duas colheres bem alto sobre o prato, onde depois uma pequena porção é colocada enroscadinha. 

Se não estiver com orçamento disponível para ir ao DOM, pode atravessar a rua e ir ao Dalva e Dito, igualmente de Atala e bastante mais acessível, onde os pratos são também ligado à gastronomia tradicional brasileira, a partir das receitas “das mães, avós, tias e sogras”, e onde usa, embora não de forma tão sofisticada como no D.O.M., os mesmos produtos que o celebrizaram (alguns dos quais podem ser comprados lá). 

D.O.M.
Rua Barão de Capanema. 549
Cerqueira César, São Paulo
Tel.: +55 11 30880761
Encerra ao domingo
Preço médio: 150 euros

 

Maní
Helena Rizzo e Daniel Redondo

Se quisermos continuar pelo universo dos melhores do mundo, o melhor será ir ao Maní, o restaurante do espanhol Daniel Redondo e da brasileira Heleza Rizzo — ela foi considerada este ano a Melhor Mulher Chef, pela mesma lista da revista Restaurant, e o restaurante tem um espaço muito bonito, recentemente renovado, e um ambiente descontraído. 

Numa passagem por Portugal, no ano passado, Helena Rizzo explicou à Fugas a filosofia do Maní: “A gente cada vez mais busca produtos locais, relações com os produtores. No Brasil, a cada dia chegam-nos produtos novos, que nunca tínhamos experimentado na vida, e às vezes a gente sente-se como uma criança cheia de produtos para brincar e sem saber bem em qual é que vai pegar primeiro”, contou. Com estes produtos, faz uma cozinha que descreve como “muito centrada na simplicidade, uma coisa despojada, tranquila, em que se trabalha a leveza e a pureza dos ingredientes”.

Existe um menu de degustação (só à noite) e a carta, onde há uma forte marca de confort food. Entre as entradas, há propostas como tutano com pupunha, açaí, espinafre e vinagrete de mostarda, escondidinho de carne seca com pimenta biquinho, moqueca de lagostim com terrine de mandioquinha ou (um dos pratos que Helena e Daniel apresentaram em Portugal, durante a sua passagem pelo Vila Joya, no Algarve), ovo “perfecto” cozido a 63 graus durante duas horas e meia, com espuma de pupunha. 

Para o prato principal, as sugestões incluem arroz de frango com quiabo, bochecha de boi com tutano e puré de taioba, fideuá de lagostim, peixe do dia a baixa temperatura no tucupi (um molho amazónico) com banana da terra e migalhas do Maní ou falsos tortéis de pupunha e abóbora com melão, amêndoas e manteiga de sálvia. 

As sobremesas reflectem também as influências amazónicas, como acontece com o açaí banana nanica, gelatina de guaraná, farofa de aveia, marshmallow de açúcar mascavo, raspadinha de morango e sorvete de açaí. Ou outra chamada “Da Lama ao Caos”, com uma curiosa combinação de sabores, que funciona muito bem: doce de beringela defumada com coalhada seca de queijo de cabra, sorvete de gergelim, gelatina de flor de laranjeira, com crocante de massa filo e pistáchios. 

Maní
Rua Joaquim Antunes 210
Pinheiros, São Paulo
Tel.: + 5511 30854148
Encerra ao domingo à noite e segunda-feira
Preço médio: 40/50 euros

 

Mocotó
Rodrigo Oliveira

É o mais recente sucesso de São Paulo. E, contra todas as expectativas, não fica na zona chique da cidade, mas sim na Vila Medeiros. Não vale a pena ir de táxi a partir do centro. O melhor é ir de metro (linha azul, última paragem) até ao bairro e lá apanhar um táxi para uma pequena corrida de menos de cinco minutos — e nem é preciso saber a morada, basta dizer “para o Mocotó” que todos os taxistas de Vila Medeiros sabem onde é.

Rodrigo Oliveira é um filho do bairro e todos falam dele com carinho. Até porque esta é uma história que começa com o pai, Seu Zé Almeida, que chegou a São Paulo jovem, vindo do sertão pernambucano, com duas camisas e um par de calças. Foi ele quem criou o primeiro bar da família na Vila Medeiros e aí nasce o famoso caldo de mocotó. Feito com mão de vaca (inclui as cartilagens), suculento e com uma gelatina que pega aos lábios, o caldo continua a ser um sucesso na casa.

Até porque no Mocotó tudo mudou e nada mudou. É verdade que um dia, aproveitando uma ausência do pai, Rodrigo — que por vontade do pai tinha ido estudar Engenharia Ambiental, mas que sonhava era com cozinha — fez obras no restaurante. “Madrugadas adentro com pedreiros, encanadores e electricistas e o boteco foi se ajeitando”, lê-se na história da casa, que acompanha o cardápio. “Quando o pai voltou, tomou um susto. E o filho uma bronca.” Mas no final tudo deu certo. 

Rodrigo foi estudar gastronomia, viajou pelo Brasil, explorou o universo das cachaças (o Mocotó é também cachaçaria) e voltou cheio de ideias. “A nossa é uma cozinha marginal, relacionada à escassez, à pobreza, e foi preciso um trabalho de muito tempo para fazer diferente aos olhos do público, da imprensa”, contou Rodrigo à Fugas, durante uma vinda a Portugal, onde cozinhou na Herdade da Malhadinha, no Alentejo. “O meu pai fundou a casa em 1973, há 40 anos, e eu estou lá há 20 anos, comecei lavando pratos. Eu sou paulistano, mas os meus pais são do interior do estado, e essa é a nossa herança, o nosso chão.”

No Mocotó, as paredes são pintadas de cores vivas, com desenhos, os empregados são simpáticos, o ambiente é mais de boteco do que de restaurante, e a comida é generosa, dos atolados ao feijão de corda, do baião-de-dois (feijão com arroz e ainda queijo coalho, bacon e linguiça) à carne de sol, pratos nordestinos que o Seu Zé Almeida sempre fez, e que Rodrigo trabalha agora de uma maneira um pouco diferente, mas fiel ao espírito de sempre desta casa. Numa das paredes lê-se uma frase que resume a filosofia do Mocotó: “Considero amigos caros, comemoro sabores raros”. 

Mocotó
Avenida Nossa Senhora do Loreto, 1100
Vila Medeiros, São Paulo
Tel.: +55 11 29513056
Encerra domingo ao jantar
Preço médio: entre 15 e 20 euros

 

Brasil a Gosto
Ana Luiza Trajano

Nunca se sabe por onde Ana Luiza Trajano pode estar viajando. Geralmente é algures pelo interior do Brasil, pesquisando para os seus cardápios — um trabalho de pesquisa e de recolha de informação sobre produtos, receitas e formas de cozinhas de todo o Brasil, que traz depois para o seu restaurante de São Paulo, o Brasil a Gosto.

Neta de uma avó cearense e outra mineira, tirou o curso de administração de empresas num tempo em que a cozinha ainda não era bem vista. Foi só em Itália que se apercebeu como os italianos valorizam a sua gastronomia — e começou a pensar por que é que os brasileiros comiam a sua comida e os seus produtos em casa, mas quando iam aos restaurantes só valorizavam o que era estrangeiro. A partir de 2005 começou a viajar pelo Brasil, não perdendo nunca um mercado, uma feira, falando com toda a gente, tentando perceber o que comiam, o que cozinhavam. Em 2006 abriu o Brasil a Gosto, mas a pesquisa não está nunca concluída — a par do trabalho no restaurante, Ana Luiza continua a viajar. 

O resultado das viagens (para além do livro Cardápios do Brasil) são menus temáticos no restaurante, onde quem vive ou visita São Paulo pode descobrir, por exemplo, o que comem as tribos indígenas que habitam longe de tudo no interior do país — e que Ana Luiza também visitou. 

Por isso, o Brasil a Gosto é o sítio certo para quem quer ficar a conhecer as diferentes gastronomias brasileiras. Oportunidade para provar petiscos como o bolinho de arroz, o queijo coalho na chapa, pastel de pirarucu, casquinha de camarão com farofa de dendê, ou, nos pratos principais, baião de vegetais, moqueca de legumes com arroz de coco, pirarucu grelhado com molho de coco, carne seca desfiada ou fraldinha de panela. Os cardápios especiais são temáticos, embora não necessariamente sobre uma região. É toda a história da gastronomia brasileira que passa pelas mesas do Brasil a Gosto — ideal para quem quer conhecer tudo mas só tem tempo para ir a São Paulo. 

Brasil a Gosto
Rua Professor Azevedo Amaral, 70
Jardim Paulista, São Paulo
Tel.: +55 11 30863565
Encerra domingo ao jantar e segunda-feira
Preço médio: 40/50 euros

 

Epice
Alberto Landgraf

O restaurante de Alberto Landgraf é actualmente um dos mais interessantes de São Paulo. O espaço é relativamente pequeno, mas o serviço é muito atento e simpático. A filosofia aqui é também a de usar os produtos da estação, como, aliás, está explicado na ementa: “Nossa comida é inspirada unicamente nos produtos que temos disponíveis, entendendo que as pessoas que pescam, plantam, colhem, transportam, armazenam e vendem, têm tanta ou maior importância que os cozinheiros que a preparam.”

Discreto, o jovem chef Alberto Landgraf abriu o Epice em 2011 e rapidamente recebeu o reconhecimento do seu trabalho, através de vários prémios, tendo sido eleito chef revelação pela revista Veja de São Paulo logo nesse ano. E o que se pode comer no Epice? O problema começa logo na opção a fazer perante as entradas: ovo 64ºC Fazenda da Toca, emulsão de mandioca, vinagrete de cogumelos e mandioca desidratada? Ou antes mandioquinha assada, tutano de wagyu, suco de agrião e farelo de avelã? Ou ainda foie-gras com milho verde, requeijão, farinha de milho, endívia e azedinha?

Entre os pratos principais há, por exemplo, polvo grelhado, milho doce, alho negro, bróculos e caldo de legumes, ou pé de porco, mousseline de foie-gras, cogumelo cep, pickles de cenoura e lentilhas. Outra opção (que foi a nossa e recomenda-se) é o leitão caipira, um confit de paleta de leitão, abóbora japonesa, lasanha de leitão e leite de amêndoas. Mas, como em qualquer restaurante, para conhecer bem a cozinha do chef o melhor é optar pelo menu de degustação, que traz à mesa, por exemplo, orelha de porco e mostarda, pele de frango e fígado, coração de pato e beterraba, músculo e tutano ou pupunha e algas.

Epice
Rua Haddock Lobo, 1002
Jardins, São Paulo
Tel.: +55 11 30620866
Encerra domingo ao jantar e segunda-feira
Preço médio: 30 euros

 

Pastelaria Casa Mathilde

Se depois de uma volta pelos melhores restaurantes de São Paulo o que lhe estiver a apetecer for mesmo um pastel de nata, a melhor opção é ir até à Casa Mathilde, que abriu há cerca de um ano e que se tornou um sucesso na cidade.

Especializada em doçaria portuguesa, a sua história começa em 1850 em Sintra, servindo queijadas aos viajantes que iam até à vila, incluindo o rei D. Fernando II, o que fez da Casa Mathilde fornecedora oficial da Casa Real. A fábrica original fechou em 1974, mas a marca foi adquirida pela família de Francisco Gato d’Almeida (assim como o selo de D. Fernando para identificar as queijadas destinadas à Casa Real) e, quase dois séculos mais tarde, os doces da Mathilde entusiasmam os paulistas e a casa ganhou já o Prémio Veja 2013 para doçaria tradicional portuguesa.

Com três chefs de pastelaria portugueses, aqui produzem-se três a quatro mil bolos, sendo que na sala destinada ao público pode-se ver a montra de finalização, para que as pessoas conheçam o processo de fabrico, mas não tenham acesso a todos os segredos. 

O bolo mais pedido é o pastel de nata, mas aqui encontram-se também bolas de Berlim, bom bocado, delícias de laranja, delícias folhadas, guardanapos, jesuítas, palmiers, queijadas e travesseiros de Sintra, suspiros, tortas de Azeitão, e ainda biscoitos e bolos secos, como o bolo de arroz ou o queque, os bolos à fatia, incluindo o toucinho-do-céu, para quem estiver mesmo cheio de saudades. 

Casa Mathilde
Praça António Prado76
Centro, São Paulo
Tel.: +55 11 31069605
De segunda a sexta das 9h30 às 19h30, sábado encerra às 16h30, domingo encerrado

Nome
Restaurantes de São Paulo
Local
Estrangeiro, Brasil, Sao Paulo
Telefone
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