Dois anos passados sobre a abertura do restaurante de Rui Paula no Porto, é altura para descermos as históricas ruas que levam até à Ribeira e à Praça do Infante e olhar para o chef que colocou a gastronomia no centro das novas atracções da cidade.
Tendo começado num restaurante com uma cozinha marcadamente regional no coração do Douro, o Cepa Torta, em Alijó, Paula abriu horizontes, desceu até às margens do rio e lançou-se num projecto de cariz cosmopolita. Um restaurante moderno, num espaço privilegiado, onde desenvolveu um conceito mais elaborado e criativo. Uma ousadia para o Douro, então ainda marcadamente fechado e retrógrado, mas que rapidamente se impôs, não só na região como no panorama nacional.
Não por acaso se chamou DOC (Degustar, Ousar, Comunicar), já que era precisamente esse o conceito. Uma ousadia que passava por aproveitar o potencial de sedução do rio e da região vinhateira, degustando- os naquilo que têm de mais cativante e apelativo: os produtos e tradições culinárias, os vinhos e a paisagem.
E não encerra qualquer tipo de exagero dizer-se hoje que, com o DOC, o Douro ganhou novos horizontes. Mas além disso foi também o caminho para a afirmação da capacidade e das qualidades de Rui Paula como cozinheiro, a par da fama e do protagonismo. A descida até ao Porto tornou-se numa espécie de decorrência natural, face à evidência do apelo dos ambientes mais urbanos e cosmopolitas pelas suas criações culinárias.
Mas se há coisa em que Rui Paula verdadeiramente se distingue da grande maioria dos seus pares é que, a par da capacidade culinária, tem também um apurado sentido do negócio. E ousou mais uma vez, ao optar por se instalar fora dos ambientes de sucesso e cosmopolitas de então, nas zonas da Foz ou da Boavista.
Sendo um risco evidente, a escolha do histórico Palácio das Artes continha não só o sentido da ligação à tradição histórica e burguesa da cidade, como também uma aposta na revitalização da Baixa, para o que o DOP (Degustar, Ousar, Porto) claramente também contribuiu. E este foi um casamento de tal maneira bem-sucedido que, hoje, se houvesse que eleger um slogan que pudesse sintetizar a relação entre o restaurante, a cidade e o ambiente de agitação turística que a anima seria sempre qualquer coisa do estilo: “Porto loves Rui Paula & Rui Paula loves Porto”.
E neste tempo de símbolos e de slogans de fácil e rápida assimilação, também o nome do cozinheiro superou rapidamente o dos seus restaurantes. Assim, a designação Chef Rui Paula é um conceito que abrange todas as actividades ligadas ao cozinheiro, dos restaurantes ao catering, das consultorias aos produtos gourmet.
Cozinha com memória
O espaço do Porto ocupa boa parte do Palácio das Artes, um edifício do século XIV em pleno centro histórico classificado pela UNESCO. Albergou actividades ligadas ao convento dominicano, foi sede original do Banco de Portugal e acolhe agora a Fábrica de Talentos da Fundação da Juventude. Ou seja, um espaço que evoca a tradição da culinária conventual, a burguesia cosmopolita portuense e o talento criativo, que são, precisamente, os ingredientes manejados pelo chef no seu restaurante.
Uma cozinha que assenta no receituário tradicional, principalmente ligado ao Douro e Trás-os- Montes, na genuinidade dos sabores, agora enriquecidos pela criatividade e inovação. Pratos onde facilmente se identificam sabores, aromas, texturas e produtos que nos remetem para a memória culinária. A cozinha de que o Porto burguês se orgulha e tanto adora, mas agora enriquecida pela criatividade e elegância fornecidas pelo trabalho do chef.
Rui Paula entende a gastronomia como “um domínio de criação com forte componente cultural” e, por isso, não esquece “as raízes burguesas do Porto e a sua gastronomia tradicional”. As tripas à moda do Porto ou o bacalhau à Gomes de Sá (que habitou por estas bandas) integram as propostas regulares. O mesmo acontece com receitas icónicas, como cabrito ou os milhos transmontanos. Só que preparados com a elegância e sofisticação dos ambientes mais cosmopolitas.
A carta actual oferece dois menus de degustação, a par do serviço à lista. O menu Douro (65 euros) inclui duas entradas, uma fria (timbale de maçã e foie) e outra quente (carabineiro com infusão de boletos); robalo com risotto de açafrão; carré de cordeiro com puré de queijo de cabra; e pêra em diferentes textura... com boletos, como sobremesa. Há uma sugestão de vinhos para harmonizar (30 euros).
No menu Mar (75 euros), além das duas entradas (vieira e creme de lagostins com lavagante), há um bacalhau a 55º no seu caldo - que já provámos e se mostrou um compêndio de técnica, sabor e elegância; caviar de ouriço do mar; e linguado com molho basílico. Na lista, encontramos entre as dez entradas coisas como uma terrina de foie com Porto, salada de lavagante ou trilogia do mar, com preços a variar entre 11 e 17 euros. Não falta também uma francesinha by Rui Paula (13 euros), a mostrar que, apesar da sofisticação, esta é uma casa portuense. Leva lombo maronês, linguiça transmontana e um molho de lagosta que a transformam num saboroso petisco.
Nos peixes (25 a 29 euros), bacalhau, aioli de bacalhau e puré de grão-de-bico; peixe escorpião (rascaço, para os pescadores) com molho de lagostim, molho de ostras e Pata Negra; tamboril com puré de trufa e molho cacau; veja dos Açores em caldeirada e gnocchi; peixe galo com risotto de lima, molho de três queijos e trufa branca; e polvo à lagareiro. E se o polvo é de catálogo, o peixe galo com risotto de lima é mesmo de grande gabarito. Sublime na conjugação de aromas e sabores, impecável nas texturas. Pura técnica.
A oferta de carnes compreende leitão com batata galette e sumo de laranja; perna de pato confi tada com risotto de cogumelos; lombinho maronês com foie gras e batata rosti; cachaço de porco bísaro com puré de aipo e espargos; e pá de cabrito de leite e seu arroz. Os preços oscilam entre 25 e 28 euros. Pela sofi sticação culinária, destaca-se o cachaço de bísaro (coze 12 horas a 72º), onde a rusticidade deste cozinhado tradicional dá lugar à elegância e técnica que sublimam os sabores. O expoente surge mesmo quando acompanhado pelos típicos milhos transmontanos, como tivemos já o prazer de o saborear no restaurante do Douro.
As sobremesas, igualmente criativas e sofi sticadas, evocam também receitas tradicionais, como é o caso do crepe de leite-creme crocante com frutas exóticas e molho de framboesas (autêntica gulodice), ou a chamuça de queijo chèvre, gelado de mel e requeijão, doce de abóbora e amêndoa.
Carta de vinhos opulenta, com tudo o que de melhor se cria no nosso país - com natural destaque para os Douro e Porto -, mas também recheada de grandes vinhos do mundo, como champanhes, borgonhas e quejandos.
Sucesso em dois anos
Sem deixar de ser um restaurante do Porto - e que o Porto adora - a casa de Rui Paula é também um espaço cosmopolita, aberto ao mundo e às mais modernas tendências. E talvez resida aí grande parte do seu sucesso, já para um restaurante caro, que o é, não é comum uma tão rápida e entusiasta adesão da clientela.
Uma mundanidade que ficou patente no desafio que envolveu o colega Hans Neuner no jantar comemorativo do segundo aniversário do restaurante. Depois de este ano ter conquistado duas estrelas Michelin, o jovem austríaco responsável pela cozinha do Ocean, no Algarve, divertiu-se na cozinha com Rui Paula. O que proporcionaram foi um verdadeiro festim gastronómico, onde a técnica, arte e criatividade rimaram com gosto e satisfação.
A par do apego ao sabor e às tradições e do evidente talento culinário, Rui Paula destaca-se ainda pela dedicação ao trabalho. Apesar do sucesso e do estatuto de estrela que hoje o envolve, continua a privilegiar a envolvência com os fogões, desmultiplicando-se em tarefas de consultoria, programas televisivos e o convívio com os clientes. É também por isso que o Porto parece amar Rui Paula.
- Nome
- DOP - Degustar e Ousar no Porto
- Local
- Porto, Porto, Largo de São Domingos, 18 - Palácio das Artes
- Telefone
- 222014313
- Horarios
- Todos os dias das 12:30 às 15:30 e das 19:30 às 23:30
- Website
- http://www.ruipaula.com
- Preço
- 45€
- Cozinha
- Autor