Não há charme nem glamour. Tão-pouco vanguardas culinárias, ingredientes raros ou propostas de cozinhas de fusão ou tecno-emocional. Nada disso! À Rua da Madeira não chegaram ainda esses conceitos que anunciam moda e modernidade, mesmo que em muitos casos não se saiba bem ao certo o que realmente são. Na Rua da Madeira, cujo traçado é ainda herdeiro da muralha do Porto medieval, tudo tem ainda a inocente transparência de tempos passados e o que mais se destaca é até o ar de abandono e certa decadência.
Por isso mesmo, a Câmara do Porto, através do pelouro da Cultura, se decidiu por uma intervenção revitalizadora que pretende fazer alastrar para aquela zona o movimento de animação e regeneração que tem alastrado pela Baixa da cidade. Afinal, a velhíssima artéria está ali a escassos metros do coração da cidade, paredes meias com a estação ferroviária de São Bento, o requintado Passeio das Cardosas ou a cosmopolita Sá da Bandeira, mas há muito esquecida e abandonada.
Dos tempos áureos sobram as tascas e os velhos armazéns da CP à sombra dos quais floresceram negócios de transitários e transportadores, que durante grande parte do século passado aí fizeram florescer outro tipo de comércios. À construção de uma nova praça, o projecto da autarquia associa iniciativas de animação e programação cultural que prometem gente e novas actividades para revitalização da zona.
A rua destacou-se também pelas suas tascas e casas de comidas, de cujo espólio pouco resta. Exemplo dessa heróica sobrevivência é a casa Viseu no Porto, um restaurante que conta cerca de um século de vida e sempre conjugou essa dupla condição petisqueira e restaurativa. Dos fundadores ficou o nome que identifica as suas origens, sendo a casa actualmente gerida por um jovem e dinâmico casal que se esforça por manter intactos os pergaminhos do passado. Sim, foram feitas obras de remodelação, mas com o cuidado de manter o estilo e o conceito de sempre.
Três portas amplas abertas à rua desde logo expõem a vitrina com iscas, bolinhos de bacalhau, tripas enfarinhadas, moelas, polvo ou peixes fritos que fazem parte da oferta diária de petiscos. Há também francesinhas, que são anunciadas como especialidade da casa. É claro que já não há pipas como outrora, mas as prateleiras servem agora como expositor de vinhos engarrafados e outro tipo de bebidas. Ao fundo, a cozinha ocupa toda a largura do acanhado edifício e deixa expostos os fogões e tachos, de aspecto cuidado e convidativo.
A par do balcão, há ainda no piso de entrada umas quatro mesinhas que servem para uma refeição mais apressada e convivial, mas é no andar superior que fica a pequena sala de refeições, com espaço para umas 30 a 40 pessoas. Três janelões a deixar entrar a luz natural, paredes altas com cores claras e quentes a criar um ambiente de luminosidade e frescura que não deixa de contrastar não só com a decadência exterior como também com o ar “desgastado” da clientela de sempre.
Percebe-se que com a dinâmica da Baixa começa a chegar um novo tipo de clientes. E também turistas atraídos pelo ambiente de tradição e comidas a condizer. O ambiente é simples e modesto, tal como é igualmente despretensiosa a oferta, que vais dos típicos pratos de bacalhau aos assados de forno e às inevitáveis tripas à moda do Porto. Doses com preço que podem variar entre quatro e oito euros e sempre em quantidades capazes de satisfazer os mais exigentes.
Provou-se o fígado com cebolada (2€) e uma isca de bacalhau (1,80€), que fazem parte da oferta petisqueira e foram muito bem como pratos de entrada. Nos peixes, optou-se pelo bacalhau à Gomes de Sá (5€), enquanto nas carnes se escolheu frango assado (4€), vitela assada (6€) e as tripas (5€). E se os preços são claramente convidativos, diga-se que na sua conjugação com a qualidade do que é levado à mesa estamos perante uma muito boa opção.
Fígado e isca na sua mais genuína interpretação da tradição dos petiscos nortenhos, com evidência para o rigor da confecção da fritura com bacalhau, ovo e farinha. Com as partes finas do gadídeo, incluindo pele e espinha, que se enrolam com a massa à medida que a fritura lhe vai dando a consistência. É isto que são a verdadeiras iscas (pataniscas, nalgumas regiões), em muitos casos já substituídas por uma espécie de “bolos” de massa informe e triturada.
Muito boa e a honrar os pergaminhos gastronómicos do porto a confecção do bacalhau à Gomes de Sá, mesmo sendo o peixe do escalão de baixo preço. Muito bons também os assados, com batatinhas igualmente no forno e complemento de legumes salteados. De igual modo saborosas e de confecção esmerada as tripas à moda do Porto que, assinale-se, são aqui servidas todos os dias.
Para lá dos pratos do dia, que propunham ainda lombo assado no forno e moelas estufadas, há uma carta com mais um punhado de opções. À sopa do dia, junta as papas de sarrabulho e o caldo verde, enquanto nos peixes oferece bacalhau em quatro versões (à Braga, cozido com todos, com grão de bico e assado na brasa), pescada (cozida com todos ou em filetes) e ainda lulas e chicharros grelhados ou polvo cozido, todos com molho verde. Nas carnes, há também rojões à portuguesa, bife de boi e fêveras grelhadas. Tudo, como já foi dito, com preços que variam mas nunca ultrapassam os oito euros por cada dose.
Pelo que deu para perceber, a oferta é bem mais substancial ao almoço que à hora do jantar, consequência óbvia das oscilações de procura. Num contexto modesto e sem pretensões, saliente-se a qualidade e generosidade da cozinha, a simpatia e o evidente empenho na satisfação do cliente. A oferta de vinhos é, naturalmente, modesta e limita-se a algumas das mais divulgadas produções do Douro e Alentejo, mas esta parece ser também uma questão de procura. Bom sinal é que os copos são já a condizer com vinhos de outro estatuto e não será difícil prever que com novas actividades e a revitalização da rua se renove também a clientela.
A par das boas comidas e preços convidativos, é também evidente a capacidade (e vontade) para acolher novas exigências. Assim acontece já com a abertura a meio da madrugada (4h30) nas noites de fim-de-semana, depois da entrada em funcionamento na rua de uma nova discoteca. Também com sabores e boa cozinha se alimenta o movimento de renovação e animação cultural.
- Nome
- Viseu no Porto
- Local
- Porto, Sé, Rua da Madeira, 212/218 ?(a par da Estação de São Bento)
- Telefone
- 222004227
- Horarios
- Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 07:00 às 22:00
- Preço
- 12€
- Cozinha
- Trad. Portuguesa