Está um meio-dia radioso, o sol de Inverno quase a queimar e a derramar-se sobre o rio, olha-se para um lado e vê-se uma ponte, para o outro e mais uma ponte, vira-se a cabeça para trás e há jardins românticos. E nas mesas da esplanada, voltadas para o mesmo Douro, há amêndoas torradas com flor de sal e entretanto hão-de vir servir-nos vinho branco. Ouvimos alguém comentar: “Este deve ser o melhor sítio da cidade para se estar hoje.” Talvez – e ainda nem sequer começámos.
Situemo-nos: estamos no restaurante Antiqvvm – paredes-meias com o Museu Romântico e onde antes funcionara o Solar do Vinho do Porto –, a nova casa do chef Vítor Matos (uma estrela Michelin, conquistada para o Largo do Paço, em Amarante). E para este almoço Vítor Matos tem visitas: transmontano de Vila Real, o cozinheiro abriu as portas do Antiqvvm para a apresentação da 36.ª edição da Feira do Fumeiro de Vinhais, que arranca esta quinta-feira e vai até ao domingo de Carnaval.
Mais do que uma tradição, a Feira do Fumeiro de Vinhais, “a mais velhinha do país”, como assegura Carla Alves, a directora do certame, é já uma instituição na vila e contribui decisivamente para “o desenvolvimento rural e a fixação de pessoas” naquela zona do país. É também por esta razão que o fumeiro de Vinhais faz digressões ocasionais por Portugal, para promover o evento e, assim, levar mais visitantes ao Nordeste Transmontano.
Na edição deste ano, estão inscritos 70 produtores, que se deslocarão ao parque de feiras da vila carregados com chouriças de carne e doces, salpicões e butelos de Vinhais, chouriços azedos e presuntos. Os mesmos produtos que viajaram até à cozinha do Antiqvvum e que permitiram a Vítor Matos criar uma “ementa revolucionária, na qual os cheiros e os sabores não são alterados, só a forma de apresentação dos enchidos”, explicou Carla Alves. Foi esta a única “condição” imposta ao chef, que fizesse “uma conjugação entre tradição e modernidade”.
Vítor Matos não se fez rogado. “Tentei encaixar os produtos nos pratos que já sei ou consigo fazer, adaptar”, explicou. “Tentei fazer coisas mais simples, mais terra a terra, mais viradas para a essência da cozinha transmontana, embora não tão rústicas que fossem servidas em tachos de barro porque não é o meu estilo.” Este almoço foi, para Vítor Matos, “um regresso às origens no sentido do sabor, não da técnica ou da estética”. E daí que da sua cozinha tenham saído criações tão vistosas como uma baguete de presunto de Vinhais e queijo Terrincho, trufas de alheira ou sanduíche de leitão bísaro com pimenta preta e alho fermentado e torresmos – e ainda estamos a falar dos snacks do chef.
Passou-se depois para ervilhas com toucinho gordo de porco bísaro; alheira de Vinhais com creme de grelos, ovo a 62º graus, cogumelos de Trás-os-Montes e batata; bacalhau com presunto de Vinhais; barriga fumada de porco bísaro com feijocas; e cuscos artesanais de Vinhais, na nossa opinião o prato mais bem conseguido da tarde. Até que chegou a sobremesa e tivemos que rectificar: chama-se Terra transmontana e é feita com requeijão, pudim de presunto – com uma textura delicada e saborosíssimo – castanha, terra de chocolate e chouriça de sangue doce de Vinhais, tangerina e moscatel. Uma absoluta delícia.