Fugas - restaurantes e bares

  • Foto histórica na parede do restaurante, que já existe há 70 anos
    Foto histórica na parede do restaurante, que já existe há 70 anos
  • Adriano Miranda
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Rei dos Leitões: Com critério e gosto se consolida o reinado

Por José Augusto Moreira, Pedro Garcias ,

Há o leitão de sempre, mas agora também uma alargada e qualificada oferta gastronómica. O Rei dos Leitões da Mealhada soube evoluir e adaptar-se, com cozinha, serviço e garrafeira exemplares.

É rei há quase 70 anos mas o reinado está agora ameaçado. O interessante, no entanto, é que esta pode ser a melhor das notícias, já que o Rei dos Leitões é hoje muito mais que o saboroso reco assado à moda da Bairrada. Há o leitão e os fornos a lenha, mas também ampla e qualificada a oferta gastronómica, com peixes e mariscos frescos, diversidade de carnes, uma cozinha competente e criteriosa selecção de produtos. Junte-se o gosto pelos vinhos e o serviço cuidado e atencioso, e temos um restaurante de eleição.

Sim, o histórico restaurante da Mealhada soube reinventar-se sem perder o sabor da tradição e é hoje uma referência e exemplo. E a diferença começa logo nos pormenores. Mesas cuidadosamente aparelhadas, toalhas e guardanapos de linho, serviço de copos impecável e espaço desafogado. 

Também a velha casa foi remodelada e está hoje decorada com evidente bom gosto, mas sem perder a patine do tempo. Há fotos que ilustram os primórdios conjugadas com manifestações de contemporaneidade elegante, a condizer, afinal, com o estilo de restauração que junta a tradição ao melhor do gosto actual. 

Uma feliz conjugação de critério e gosto acompanha a oferta gastronómica. Dos “aperitivos”, com presuntos das mais reputadas casas espanholas, quatro variedades de manteiga, incluindo a requintada Beurre d’Isigny (França) e a artesanal Marinhas, queijos Ilha DOP, Serra e Azeitão, às “carnes maturadas” da raça Angus. 

Uma carta alargada e bem apresentada que se desdobra ainda em “entradas”, sugestões de “marisco”, “do mar”, “da terra”, “biológico”, “do porco”, “da vaca”, “do monte”, “da caça”, “da capoeira” e “sobremesas”. Enquanto se folheava, chegavam à mesa vários pratinhos com lascas de presunto Maldonado, petinga frita, empadinhas, queijos (fresco e de ovelha curado) e uma caixinha em madeira com dois azeites (Equinócio Essência e Luísa Pato) e um vinagre (Bágeiras) de produção bairradina. Pagou-se o que se consumiu, que foi presunto, empadas e sardinhas. Tudo muito bom. 

Das “entradas”, que incluem coisas como gambas de Madagáscar, salada de favas, morcela assada com puré de maçã ou creme de castanhas com perdiz do monte e trufa, pediu-se o pratinho de cabidela de leitão, uma especialidade local que é feita com miúdos e sangue do reco infante e estava deliciosa na combinação de pimentas e vinagre. 

Genial o escabeche de lampreia, com rodelas finas de fêmea (pelas ovas) cobertas por um saboroso molho espesso, a mostrar como podem ser macias e delicadas as carnes do adorado ciclóstomo. Pela complexidade, o molho sugeria mostardas e especiarias mas o chef Carlos Fernandes acabou por explicar tratar-se de coisa bem mais simples: uma emulsão com o molho em que é marinado o bicho. Simples, mas para quem sabe!

“Do mar” chegou um vistoso rodovalho (48,47€/kg) de carnes sumarentas, macias e saborosas do primoroso trato culinário. Não fora a pele tostada a confirmar a grelha e acreditaríamos ter sido cozido ao vapor, tal a delicadeza de textura e concentração de gelatinas e gordura. Acompanhou com grelos salteados, batata e cenoura cozidas.

Menos feliz o resultado com a barriga de atum na grelha, que se deixou tomar pelo sal e calor. Atento, o serviço rapidamente trocou as peças por outras de sabor e cozedura mais afinadas, mostrando que humildade é também uma virtude das boas cozinhas. Mesmo assim apareceu na factura final como “oferta”, denotando particular atenção com a satisfação do cliente, que é outras das marcas em que este restaurante é rei. 

Com o cabrito na grelha (17,47€) acabámos a comer à mão, que é a forma mais eficaz de saborear as costelas e prova inequívoca de satisfação, mas em casa do rei é obrigatório saborear o leitão. Dose (300g/16,97€) à base de costelas de carnes magras e pele crocante, a justificar a razão de tão longo e saboroso reinado. 

Além das carnes maturadas, variedade de bifes, carré de borrego, magret de pato, perdiz, veado e javali, há ainda a tradicional chanfana e, por estes dias, a lampreia em arroz bordalesa. “Do porco”, além de leitão, há isquinhas de fígado, cabidela, plumas, abanicos e lagartos, enquanto que “do mar” se oferece o bacalhau (em várias versões), polvo, lulas e pescada. Da vasta carta chamam ainda a atenção as propostas de arrozes: de grelos e línguas de bacalhau, de lagosta, camarão, lavagante ou carabineiros.

Nas sobremesas, destaque para os doces típicos da região como morgado do Buçaco, queijadas e pastéis de Tentúgal, que são propostos com harmonização de vinho do Porto. 

É da sábia combinação de tradição, produtos de qualidade e saber culinário que se faz a história actual deste velho restaurante. Foi o segundo na região a especializar-se no leitão assado (em 1947), mas o primeiro a dar a volta ao texto, alargando e aprimorando a oferta. Licínia Ferreira e Paulo Rodrigues são a terceira geração de proprietários e ao seu saber e sagacidade se deve este salutar exemplo de evolução restaurativa. 

Junte-se a competente cozinha de Carlos Fernandes, a qualidade e atenção do serviço de sala, que fazem deste renovado Rei dos Leitões o lugar onde apetece voltar rapidamente. Apesar de muito concorrido, tem a vantagem de funcionar praticamente ao longo de todo o dia, pelo que chegar cedo ou muito tarde pode ser uma boa opção para evitar desconfortáveis esperas. (José Augusto Moreira)

Uma montra feita por alguém que não bebe  
O que chama de imediato a atenção no Rei dos Leitões é um móvel envidraçado com garrafas de vinho. Só depois reparamos na parafernália de requinhos, de todas as formas e feitios, que povoam a casa. Mal se entra, há uma flûte de espumante à nossa espera. No nosso caso, um belíssimo e fresquíssimo Luís Costa Bruto 2014, das Caves São João, lote de Pinot Noir e Chardonnay. Não há muitos espumantes assim na Bairrada. Bate mesmo inúmeros champanhes. 
Serviu para as boas-vindas e de companhia às entradas e era capaz de aguentar toda a refeição, dada a sua juventude. Mas passámos ao Quinta da Mata Fidalga Reserva Pessoal Bruto 2007, também em grande nível, com uma bolha fina a regurgitar frescura e vivacidade e com uma complexidade que só a idade confere. Como na terra dos lobos se deve uivar com eles, continuou-se com um branco local, o Nossa Calcário 2010, de Filipa Pato. O vinho é bom, mas a ligação com o rodovalho não funcionou bem. Parecia um vinho algo cansado, pesado até, apesar de só ter 12,5% de álcool. Há sempre a possibilidade de o problema estar em nós e não no vinho. 
Por fim — e sem contar com o Porto Vasques de Carvalho 40 anos, que ganhava se tivesse um pouco mais de vinagrinho, para o avivar, e ainda uma bela aguardente do Instituto da Vinha e do Vinho —, veio, com as carnes, o Quinta da Vacariça Garrafeira 2011 Tonel 18, do francês François Chasans. Um biodinâmico que se apaixonou pela Bairrada e pela Baga e que, desde 2008, tem produzido alguns dos tintos mais interessantes da região. 
Feitos sem concessões, são tintos que precisam de tempo e de ar para se mostrarem. Este 2011 é um monstro, um tinto quase impenetrável, um pouco abrutalhado ainda, mas com uma profundidade, um frescor e uma robustez tânica que lhe asseguram umas dezenas de anos de vida. 
Na Bairrada, só mesmo no Rei dos Leitões se encontra este vinho. Este e quase tudo o que de bom se produz em Portugal. Paulo Rodrigues e Licínia Ferreira, o casal que deu a volta a este restaurante histórico da Mealhada, ela na cozinha e ele nos vinhos, não ditaram apenas que na Bairrada é possível haver mais comida para além do sacrossanto leitão. Transformaram também o Rei dos Leitões na melhor garrafeira da região. A sua lista de vinhos, dividida por regiões, é vastíssima e tem prolongamento numa loja independente de apoio ao restaurante e onde os clientes podem adquirir todo o tipo de vinhos, incluindo raridades locais. Mais: não entra nenhuma garrafa no restaurante sem ser paga na hora ao fornecedor, coisa rara em Portugal. Até por isto, o Rei dos Leitões é hoje um dos lugares mais requisitados pelas gentes do sector, seja para apresentações de vinhos, seja para encontros de negócios. O vinho tornou-se ele próprio num chamariz. De vinhos muito velhos, como o branco Caves São João 1966 ou o tinto Solar das Francesas 1963, a novidades do tipo Quinta da Vacariça, há de tudo um pouco no Rei dos Leitões. O mais extraordinário: Paulo Rodrigues, o grande dinamizador da garrafeira, não bebe álcool.  (Pedro Garcias)

Nome
Rei dos Leitões
Local
Mealhada, Mealhada, Av. da Restauração, 17
Telefone
231202093
Horarios
Quinta a Domingo das 12:00 às 23:00
Preço
25€
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