Por estes dias de despontar primaveril Aveiro torna-se uma cidade ainda mais apetecível. O charme da ria e os seus canais urbanos agora também navegados por turistas curiosos, o importante património de Arte Nova em regra bem cuidado e que constituirá o conjunto mais interessante e consistente do país, os ovos moles, claro, e um centro urbano cuidado e coerente são chamariz mais que suficiente.
E nem é preciso pensar na Costa Nova e nos restaurantes de peixes e mariscos, em Ílhavo e o conjunto Vista Alegre, nas históricas salinas, ou na reserva natural das Dunas de São Jacinto, que a cidade, com as suas ruas e avenidas, comércio activo, bares e esplanadas proporcionam abundantes motivos para a visita e desfrute.
É nas imediações da cêntrica Avenida Dr. Lourenço Peixinho que está o Restaurante Centenário. Mesmo em frente ao mercado municipal e ainda com vista para o cais e canal do Côjo. A acolhedora esplanada é atractivo suplementar, mas a sala ampla e iluminada e o mobiliário e decoração contemporâneos criam um ambiente desafogado e acolhedor.
E mesmo que o nome não decorra do tempo de vida, trata-se de um dos clássicos da cidade com décadas de reconhecimento e recentes alterações com o propósito de adaptação às exigências e apetites de uma clientela mais actual. A cozinha, no entanto, é a de sempre, o que se nota em qualquer coisa que chega à mesa. E essa é capaz de ser mesmo a melhor notícia.
Apesar das nuvens que se adensavam por detrás dos raios de sol e da concretizada ameaça de aguaceiro, não resistimos ao charme da esplanada. Tudo bem, já que está em grande parte protegida pelo piso superior do edifício, que avança em relação à linha do rés-do-chão.
Cuidada e competente
Mesa posta a preceito, toalhas e guardanapos em algodão branco, baixela correcta e a condizer. Caixinhas de madeira com pão: fatias de forma integrais com passas e cereais, pãezinhos de mistura e manteiga nos habituais pacotinhos de plástico.
A par das “sugestões do dia” para o menu de 9,75 € (incluindo café e bebida), a lista concentra-se nos “clássicos do mar”, algumas sugestões de bacalhau e variações cárnicas à base de bife.
Clássica (e famosa em tempos) é a sopa do mar (6,75€) para duas pessoas e servida em terrina. Um saboroso e bem afinado caldo de peixe que dá para perceber a fama conquistada mas que apareceu reduzido a espécie marinheira única (dourada?) acolitada por gambas de congelação.
Provavelmente devido ao feriado da véspera, era residual a oferta de peixes e mariscos. Entrou-se, por isso com as “gambas ao alho” (5,25€), bem cozinhadas, com picante equilibrado e sabor afinado.
A boa cozinha ficou também evidente com o “arroz de tamboril e gambas” em dose dupla (24,50€). Acerto culinário, tempero e confecção rigorosa mas com os troços do pescado a mostrar mais o efeito da congelação que a frescura da lota. Uma pena porque, mesmo assim, a cozinha se mostra competente.
Em grande nível o “bacalhau à lagareiro” (11,75€), um clássico que nem sempre honra os pergaminhos mas que aqui foi tratado de forma exemplar. Demolha e assadura primorosas, cebola roxa e dentes de alho assados, batata a murro, azeite a preceito e uns legumes salteados com o rigor dos melhores. Ou seja, havendo produto esta cozinha do Centenário mostra a qualidade de que é feita.
Já não era necessário, mas assim se passou também com o “bife de vitelão com azeite de alho e coentro” (11,75€), generoso no tamanho, rigoroso no trato culinário e complexo nos sabores. Acompanha com gulosas batatas fritas em azeite.
É igualmente sóbria a oferta de sobremesas, se bem que igualmente competentes na sua confecção e apresentação. Um clássico é o “pudim à Centenário” (2,25€), um flan servido com uma crosta de claras que é um hino à simplicidade. Mais elaborada a “tarte de 3 chocolates” (3,75€) e a mostrar que também nas sobremesas esta cozinha pode brilhar.
Num registo de oferta concisa, também a carta de vinhos inclui propostas que podem resultar de muito belo efeito. Assim aconteceu com o Bical Tonel e Barrica 2012 da casa Campolargo (16€), que parece estar no ponto perfeito para os peixes no tacho e bacalhau e azeite, bem com o com o Quinta dos Abibes Reserva Tinto 2011 (16,50€), ambos a mostrar o enorme potencial da Bairrada e que os grandes vinhos não têm necessariamente preços proibitivos.
Neste aspecto a carta é particularmente conseguida, embora centrada nos Douro, Bairrada e Alentejo, se bem que as regiões não sejam assinaladas, tal como não há indicação dos anos de colheita.
Com serviço despachado e simpático, Centenário é um espaço simpático, acolhedor e bem localizado, que bem exibe os fulgores de outras eras a par de algumas debilidades contemporâneas. No essencial, retém-se a substância de uma cozinha cuidada e competente desde que apoiada por produtos de qualidade, como é o caso do bacalhau e carnes que não dependem do mercado diário.
Já nos peixes, e mesmo que os funcionários os exibam nas camisolas, fica a ideia que os responsáveis da casa terão que fazer com mais frequência o percurso até à lota e mercado. E nem será difícil, já que fica mesmo em frente da porta.
- Nome
- Restaurante Centenário
- Local
- Aveiro, Vera Cruz, Largo do Mercado, 9/10
- Telefone
- 234 422 789