Numa das paredes do Terraplana há guaxinins a ler, preguiças a fumar shisha e uma lontra a abanar um leque. É também nesta parede do segundo andar do bar que um esquilo toca guitarra, como Tommy faz lá fora, animando uma noite quente de domingo.
O inglês Mickey McConnell puxou da literatura e da suas experiências de viagens para criar o Terraplana: Café & Cocktail Bar, na Avenida Rodrigues de Freitas, no Porto. “Talvez” faça agora quatro anos e meio que a ideia lhe brotou, quando chegou a Portugal, já trazendo dos pubs londrinos e bares nova-iorquinos a sua inspiração.
A música ao vivo é já um hábito, às vezes reservado à voz e à guitarra, outras vezes num registo electrónico, com um DJ. “A música é sempre suave” e faz as delícias dos clientes ao balcão. É como se o espaço sempre ali tivesse existido, encaixado como uma luva no meio recôndito da rua das artes e das letras, entre a Faculdade de Belas Artes e a Biblioteca Municipal, bem perto de Passos Manuel. É um “sítio no Bonfim”, como se identifica nas redes sociais, sabendo que não é um lugar qualquer.
Quando Mickey visitou o Porto percebeu que na cidade “havia potencial para abrir um bar como este”, algo que sempre quis fazer, mas não conseguiu noutras latitudes. Juntou-se aos amigos Marina e Rod, que com ele partilhavam “o sonho”, e lançaram-se à procura de espaços na cidade que lhes encheu as medidas. Volvidos três anos, a 12 de Abril, abriram as portas do bar num local onde restam apenas as paredes em pedra do edifício original, “com 100 ou 150 anos”, e a visão de um espaço que os próprios donos decoraram.
Apesar de as suas raízes estarem longe desta terra, fizeram questão de fazer “mudanças consistentes com o que era a casa antes, numa parte da cidade tão interessante como o Bonfim”. Foi exactamente a essência desta freguesia, que acharam “escondida” em pleno centro do Porto, que os cativou. “Nunca conseguimos perceber por que é que o centro de tudo se passa do outro lado dos Aliados”, retrata Mickey sobre a zona da cidade onde ficam as Galerias de Paris e o corrupio de bares, cafés e restaurantes que ladeia os Clérigos até à Rua de Cedofeita.
Entre os vitrais de lojas de antiguidades e os bancos ingleses junto ao balcão, o espaço brota de influências múltiplas. Foi pela escada em caracol que subimos para o segundo andar, onde se vê todo o andar de baixo e os empregados que ao balcão enchem os copos de vinho. Pintado com tons de bordeaux e verde-escuro, o espaço é rustico sem perder o requinte moderno e irreverente de inspiração britânica. É daí que vem também o fascínio pelos Beatles, cujas músicas passam em plano de fundo, gravadas por outros artistas ao longo dos anos.
Para o nome, a ideia veio directamente da prateleira, onde tinha Flatland — Terraplana em português —, a obra de 1884 do inglês Edwin Abbott. O livro descreve um mundo de duas dimensões, onde a terra é plana e “tudo é pensado de uma forma diferente”, incluindo a hierarquia vitoriana vivida por Abbott, cujas cinzas ainda mancham a Inglaterra de Mickey. “Não queríamos que fosse um bar sobre livros, mas todos gostamos deste em particular porque nos abriu os horizontes e nos fez olhar para o mundo de maneira diferente, questionando as estruturas da nossa sociedade.”
“Estando numa zona muito local, tentamos conectarmo-nos com a comunidade daqui. Na nossa cabeça, o nosso público são pessoas jovens e independentes, que começaram uma carreira profissional e que já não vivam com os pais, mas escolheram viver no centro da cidade. Que desfrutam da vida nocturna”, descreve Mickey. Não esconde a surpresa que ainda tem por o espaço ser também procurado por turistas, pelas “pessoas que procuraram esta parte da cidade para visitar, porque querem ver um bocado mais do que a maioria vê.”
As escolhas dos clientes vão variando com os dias, com as horas e com o calor. Mas os vinhos, servidos ao copo ou vendidos à garrafa, são o que mais tem saída, independentemente da disposição dos dias. Há seis vinhos — tintos, brancos e rosés — no menu e dois tipos de Vinho do Porto.
Em alguns dias de sorte, há sangria, tinta ou branca, produzida na casa. Mas para quem não se fica pelas bebidas mais comuns, há uma lista de oito cocktails que juntam o mais convencional, numa inconvencional mistura. Exemplo dado pelo Terraplana Café, com licor Patrón XO Cafe, vodka Ketel One e café expresso. E se há cocktails de inspiração mexicana (Mortos-vivos Margarita com tequila e licor de cereja) ou britânica (Jamaican Mule com rum e cerveja de gengibre), não escapa a influência do Vinho do Porto no cocktail Senhora da Hora, feito com Grahams, rum Havana Club, licor Grand Marnier e lima.
Quando o sol aperta na espalhada traseira do Terraplana, o público vira-se para os finos e a variedade é muita: à pressão há Budvar, Paulaner Weissbier, Leffe Brune e Brew Dog IPA e treze tipos de cerveja de garrafa, para todos os gostos, de Duvel e Erdinger às artesanais portuguesas Sovina e Lindinha Lucas. “A cerveja tem sempre muita saída”, não estivéssemos no Porto, repara a funcionária ao balcão.
Ela vai enchendo um copo de vinho que foi pedido e na outra ponta do balcão, Jason, filho de um dos donos, mete ao forno a pizza de presunto e rúcula que acabou de preparar. Esta é uma dos seis pratos italianos que o bar (feito restaurante) tem para oferecer.
Mesmo ao domingo, o movimento é intenso, ainda que à entrada nada o faça prever. A esplanada, escondida e acolhedora nas traseiras do edifício — onde chegamos por umas escadas estreitas — está cheia de pessoas e de conversas. Grupos de amigos misturam-se nas mesas compridas, virados para o palco. Há casais encostados mais ao fundo, junto à janela, que dá para o espaço interior, onde os sofás se estendem ao fim do papel de parede com guaxinins, preguiças, lontras e esquilos.
- Nome
- Terraplana: Café & Cocktail Bar
- Local
- Porto, Bonfim, Av. Rodrigues de Freitas, 287
- Telefone
- 0
- Horarios
- Terça-feira, Quarta-feira e Quinta-feira das 12:00 às 00:00
e Sexta-feira das 12:00 às 03:00
e Sábado das 17:00 às 03:00
e Domingo das 17:00 às 00:00