Fugas - restaurantes e bares

  • Fábio Augusto
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À procura do bairrismo original num café que aceitou ser da Mouraria

Por Margarida David Cardoso ,

Todas as manhãs, O Corvo abre as portas e janelas para a Mouraria, onde vive como um morador como outros tantos. As vizinhas do Largo dos Trigueiros fazem os bolos, Rúben Coelho faz o pão e as foccacias, o forno não tem tempo para arrefecer. É tudo feito na casa, todos os dias.

Numa das paredes da sala principal, uma enorme fotografia da artista Camila Watson mostra a Mouraria de há cinco anos. Antes de “toda esta mudança” que lhe deu um novo ar, mas também novas gentes. Com a gentrificação e a sobrelotação turísticas que vêm tantas vezes associadas. Hans Peter Bipp acredita que “é bom viver do turismo”, sem que isso custe a originalidade dos espaços e das pessoas.

Os corvos em vidro colorido existem ali porque a ave é um dos símbolos de Lisboa, presente no brasão da cidade, e inspirou os dois donos, dois amigos, a darem esse nome à casa. Hans sabe que existiam muitos corvos na cidade, das aves aos restaurantes, antes que o seu e de Signe Hauser abrisse em Março deste ano.

Hans, de 57 anos, é alemão. Signe, de 27, austríaca. São sócios e as “almas deste espaço”. Ainda que as origens estrangeiras lhes dêem sotaque, ambos falam português fluentemente e somam vários anos no país. Mesmo que muitos os coloquem no grande saco que é a palavra “estrangeiros”, Hans e Signe criaram um espaço que quer ser lisboeta para os lisboetas.

São bairristas, assumem. Moram em Alfama e escolheram trabalhar na Mouraria. Mas Signe admite que, maior que o desafio do negócio em si, havia a preocupação de ser aceite na comunidade. “Felizmente, tudo correu bem”: os moradores são clientes, alguns mais religiosamente assíduos que outros. É vê-los a chegar ao meio-dia para almoçar ou ao final da tarde para “beber um copinho”.

Outros entram pela porta com um bolo na mão, já que alguns dos doces são encomendados às vizinhas. Há sempre três ou quatro variedades todos os dias.

Signe e Hans são de trato fácil. Sorriem toda a conversa e Hans leva a conhecer a vizinhança, estampada numa das paredes do espaço. O que podia ser uma metáfora é, de facto, algo bem visível no café: no Corvo, algumas paredes contêm os retratos dos vizinhos, fotografados por Camila Waston — a vizinha com atelier na porta ao lado, autora de Alma de Alfama, que retrata os moradores mais antigos do bairro, e de Retratos de Fado, um tributo fotográfico estampado nas paredes da Mouraria.

É o que Hans mais gosta da Mouraria: a familiaridade. “Aqui ainda é tudo mais original”, acredita: as crianças a brincar na rua, as picardias dos vizinhos, até a roupa estendida. “Tem um ambiente muito especial”, afirma Signe, ela que se sente parte de uma “verdadeira família” neste bairro.

N’O Corvo, começam do zero. “Fecha-se uma porta e abre-se uma janela”, conta Hans. Depois de sete anos à frente dos destinos do Pois Café, uma casa de amigos e sabores em Alfama e onde Signe também trabalhava, o próprio destino trocou-lhe as voltas. Voltas que já se tinham trocado antes: Signe veio de férias, formada em Gestão Social, e acabou por ficar. Há seis anos, aprendeu a língua, os costumes e a trabalhar a restauração. Três anos antes, Hans, que esteve em vias de terminar o curso de Medicina, veio definitivamente para o país pelo qual se apaixonara em 1981.

Há sete meses de portas abertas, sentem que abriram a porta de casa. “Fizemos o espaço — tudo o que seja fora da cozinha — para que se parecesse como uma casa particular.” Os móveis são antigos, as cadeiras uma de cada feitio. Aqui puxar o lustro é dar ao vintage o ar da sua graça. Há um louceiro de madeira pintado a verde que Hans repara: “A menina que cá estava tinha muito bom gosto.” Foi ela que deixou parte da mobília que hoje se conhece n’O Corvo. Dentro de portas, há lugar para 50 pessoas — a casa cheia que os fins-de-semana de Verão dão a conhecer — e existe uma esplanada para 20.

Uma casa que carrega também um legado cultural muito grande. Neste número 15 do Largos dos Trigueiros abriu portas, em 1994, o restaurante Os Galos, casa de longas conversas de estudantes, poesia e música. É sobre essa tradição que carregam que procuram associar-se à cultura do bairro e, em algumas noites, há música ao vivo no café.

Signe ri-se quando falamos de comida: Há muito para oferecer, têm “muitas especialidades”. O pão é amassado ali na cozinha. É de lá que saem as foccacias — pão achatado de origem italiana, crocante por cima —, sempre do dia, feitas com farinha comprada em Itália. Afinal, a qualidade dos produtos tem nacionalidade e a cozinha exige gosto e cuidado. Na carta, há nove focaccias, outras tantas saladas e quatro pratos para almoços e jantares: um prato de peixe, outro de carne, um vegetariano e um hambúrguer.

A cada final da tarde, não se esquecem os petiscos. “Temos petiscos portugueses, mas com o toque especial. Gostamos de inventar”, sorri.

Ao fim-de-semana, na lousa à entrada escreve-se a giz para anunciar o brunch, das 10h às 17h: um com salada de fruta, iogurte e muesli, queijo fresco e panquecas, e outro com queijos, croissants, pão, fiambre e ovos mexidos.

Nome
O Corvo
Local
Lisboa, São Cristóvão e São Lourenço, Largo dos Trigueiros, 15A
Telefone
218 860 545
Horarios
Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira e Sexta-feira das 12:00 às 23:00
e Sábado das 10:00 às 00:00
e Domingo das 10:00 às 17:00
Website
www.facebook.com/pg/ocorvocafe
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